
Adoro ter razão antes de tempo. Mesmo que isso implique alguns mal-entendidos entre os mal-intencionados. As Stradivari são as colunas mais «humanas» do actual mercado mundial de highend. Com tudo o que isso implica de bom e de mau: não ser perfeito é uma das qualidades inatas de ser humano.
Na reportagem do HighEndShow 2004 de Munique, dividi as colunas em «emocionais» e «cerebrais». Vou manter aqui esta divisão em «famílias» por uma questão de método. Até porque nunca duas colunas demonstradas sob um mesmo tecto, como as Stradivari e as BW800 Nautilus, se encaixaram tão bem nesta classificação.
Apesar da inegável qualidade do projecto Nautilus, sou incapaz de as ouvir sem que a minha atenção se focalize no som. Sou sempre tentado a pensar em termos de graves, médios e agudos, mesmo quando o todo se organiza numa imagem dinâmica e coerente; mesmo quando o recorte e a resolução estão acima da média, ou talvez por isso: o cérebro é inundado por uma onda de agradável informação acústica que ilustra musicalmente a tão estranha quanto bela imagem do gigantesco caracol de cuja presença não conseguimos abstrair-nos. Até de olhos fechados sabemos que ele está lá! A teoria científica subjacente com base em estudos de biologia marítima e o rigor e engenho da sua implementação prática é incontornável no acto de audição. As Nautilus apesar do design surrealista, que Dali não desdenharia, são mais ciência que arte, e o som correspondente apela mais ao cérebro que ao coração.

Sempre que me sento em frente das Stradivari com o vão intuito de as analisar, entro lentamente num processo de introspecção e acabo a analisar-me a mim próprio: que doce prazer é este que me inunda a alma de música? O grave podia ser menos «anafado» e o médio-agudo de arestas menos boleadas? Os registos médios são «plummy», cremosos ao ponto de nos fazer temer uma subida do colesterol?...

Que interessa isso quando todos os instrumentos têm, intrínseco ao acto de soar, o elemento humano, como se o músico fosse parte integrante da matéria de que é construído?

Vi recentemente um filme no qual uma das personagens violoncelista-amador tenta ensinar outra a tocar o instrumento. E a primeira coisa que lhe diz é: só aprenderás a tocá-lo quando o violoncelo fizer parte de ti: «feel it, touch it, have sex with it...».

As Stradivari fazem amor com a música, e é isso que nos excita e dá prazer, a nós, audiófilos, que, enquanto músicos frustrados, nos comprazemos no «voyeurismo» da audição. O sexo tem uma conotação animal, instintiva, que a cultura judaico-cristã tranformou em pecado. Mas num plano espiritual mais elevado é a busca da «morte-a-dois», o prazer supremo da fusão de dois seres que está na origem da divindade. As Stradivari fundem-se e confundem-se com a música e nós com ela num irresistível ménage à trois. Ouvi-las é um dos poucos pecados de que não peço perdão a Deus, porque me fazem sentir mais perto d'Ele.
Nota: Os leitores já começaram a enviar a sua opinião sobre o Audioshow 2004 (ler na Secção «Correio»). Alguns parecem corroborar esta agradável sensação de prazer, de pertença, no acto de audição das Stradivari. Outros haverá que pensarão o contrário: o Hificlube abre a todos eles as suas páginas, tanto aos «emotivos» como aos «cerebrais»...