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2002

Cocktail De Bits



Uma das vantagens de ser crítico áudio é desejar um aparelho hoje e poder tê-lo amanhã. A crítica áudio não tem, hélas, o «glamour» da crítica auto do meu amigo Silva Pires, que põe hoje os olhos num Maserati, num Salão Auto, e amanhã já acelera com ele em Lisboa. O hifi não se exibe na rua, vive-se no recato do lar. Talvez por isso o círculo de audiófilos seja tão restrito. Quem investe num objecto caro que não dá status social e cujo usufruto é tantas vezes um prazer solitário?
O Musical Fidelity A3 24/192k DAC foi apresentado em Janeiro, em Las Vegas (ver reportagem CES2002). Mal chegou a Portugal e ei-lo na minha sala de audição. Mas não se roam de inveja, porque, ao contrário do Maserati, basta contactar o Quim Costa Pereira (Sintonia) para poderem dar uma voltinha em alguns revendedores especializados, como: Absolut, Interlux (em Lisboa) ou NSons (Parede).


O «A3» é o que se designa por um «upsampler», uma técnica que consiste em duplicar ou quadriplicar a frequência de conversão e descobrir palavras de 24-bit onde antes só havia 16-bit (informação virtual), aumentando-se assim artificialmente a resolução dos CD - um autêntico «milagre da multiplicação».


Não se pode criar algo a partir de nada. Mas a fé move montanhas. O «upsampling» melhora a qualidade do som dos CD vulgares? Não custa nada encarar a experiência com um espírito aberto e sem preconceitos. Até porque a diferença ouve-se, e nem é preciso ter ouvidos de tísico: eu oiço, você ouve, os seus amigos também vão ouvir. Ouve-se, logo existe.


Como advogado do diabo, cheguei à conclusão que o milagre talvez não resida na técnica de «upsampling» e sim na suavidade da filtragem que esta possibilita. Para um leigo o que interessa é o resultado final: os CD soam melhor, e pronto. Não tanto como um SACD ou DVD registado originalmente em alta resolução, como veremos. Mas anda lá perto. E há quem tenha centenas de CD e queira deles tirar o melhor partido possível com a tecnologia actual.


Depois dos famosos conversores dCS Elgar e Purcell e do mais modesto MSB, esta é a minha terceira incursão no território do «upsampling». De todas as vezes deu o que é costume: os CD parecem ganhar uma nova vida. Não será a vida eterna, mas afasta para já o espectro de uma morte anunciada pelo anúncio dos novos formatos áudio.


Há leitores que me dizem: adoro lê-lo mas não percebo metade do que escreve. Vou tentar tornar fácil o que é complexo. Afinal o que é um DAC? Todos os leitores-CD têm duas funções distintas: «ler» a informação digital contida no disco e «traduzi-la» depois para linguagem analógica de forma que todos compreendam (oiçam) depois de amplificada. Contudo, nada nos impede de ir buscar a informação à saída digital e de a mandar traduzir por um bom tradutor independente (conversor/DAC). Ora o «A3» é um desses DAC, que não se limitam a traduzir o texto digital à letra, melhoram-no: «As Minas de Salomão», de H. Rider Haggard, magistralmente traduzido por Eça de Queirós, é melhor que o original em inglês. Também com o «A3» o som ganha estilo e flui de forma mais natural facilitando a compreensão do ouvinte e aumentando o seu envolvimento no processo musical. A história é a mesma só que está mais bem contada. Quem já não ouviu a mesma anedota contada por pessoas diferentes obter efeitos diferentes: da indiferença ao riso compulsivo? Digamos que o «A3» tem bits de... graça.


Para conseguir realizar o «milagre da multiplicação», o «A3» utiliza um conversor assíncrono de frequência de amostragem Crystal CS8420 que puxa («upsampling») a frequência de «recolha» de amostras do sinal das habituais 44.100 por segundo para 96.000 ou mesmo 192.000, adiciona «dither» (ruído de linearização) para estender os 16-bit para 24-bit e dá depois este coktail Molotov a «beber» aos Burr Brown PCM1738 para que este os traduza de digital para analógico. Visto assim até parece simples. É lógico que, quanto mais «amostras» do sinal recolher no mesmo período de tempo, mais hipóteses tem de reconstruir a onda sonora original.


Já tinha desconfiado que Stacey Kent canta «I've got a crush on you» melhor que Linda Rondstadt. O «A3» deixou isso bem mais claro. O meu coração balança entre o «It's wonderful» de Kent e o de Diana Krall, como se o «A3» permitisse medir com precisão os níveis de «swing» e sensualidade de ambas.


Números à parte, o «A3» melhora o som de qualquer leitor-CD até 500 contos, com as excepções a cotarem-se acima deste limite psicológico, nomeadamente o excelente leitor-SACD/CD XA777ES e o inacessível Krell KPS25c, que tinha aqui à mão para comparar.


Ao princípio, preferi o modo «96»: o som ganhava corpo e naturalidade e libertava-se da digitalite que é, ainda hoje, o grande estigma do CD. A passagem de «96» para «192» (a selecção faz-se por meio de um botão de pressão na parte de trás do aparelho) soa como se alterássemos a perspectiva do palco sonoro, trocando uma lente de 35 mm por outra de 28mm: o palco alarga-se, ganha profundidade, os intervenientes acomodam-se um pouco melhor no espaço disponível, permitindo-nos ver a fronteira acústica que os separa e ouvir o timbre que os distingue. Mas não é necessariamente melhor. É diferente. Contudo, com alguns exemplares dos famosos Super Audio Disc, da Chesky, registados originalmente a 96/24 em suporte DVD (não confundir com SACD ou DVD-Audio), a passagem para o modo «192» é um salto qualitativo notável.

Nota: sinceramente não entendo como, uma vez que para obter 192kHz é necessária uma dupla ligação AES-EBU. Talvez seja uma questão de filtragem.


A prova dos nove foi a comparação do CD «Sex without bodies», de Dave's True Story (Chesky JD164) «upsamplado» pelo «A3» e a versão do mesmo disco em Super Audio Disc 96/24 (Chesky CHDVD174). Se aqui dois vezes dois fossem quatro, deviam soar iguais. Não soam. Mas o DAC da Musical Fidelity «puxa» o CD até suficientemente perto do DVD em questão para merecer a minha recomendação. Em especial, para todos os que, tendo uma vasta colecção de CD, se mantêm relativamente imunes aos apelos do DVD-Video e dos novos formatos multicanal e continuam fiéis ao estéreo.


Nota: O modelo Pre24 (mais caro) realiza a mesma operação de «upsampling» com a vantagem de substituir também o preamplificador.

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