A expectativa criada era tanta que protelei durante meses a experiência, apesar da amável insistência de João Cancela, da Esotérico, que deixou transparecer com a arriscada iniciativa de os importar a verdadeira alma de audiófilo camuflada pela sua visão pragmática do mercado patente na representação de marcas tão populares e acessíveis como a NAD e a ARCAM. Mesmo depois da entrega, deixei os enormes caixotes na garagem durante uma semana. Sentia-me como alguém a quem tinham emprestado um Ferrari para dar uma volta e tinha receio de não ter unhas e de se estampar na primeira curva.
Os Halcro são diferentes em tudo, até na sua «verticalidade». Dois elegantes pilares laterais estilizados com bases de madeira, que funcionam como dissipadores, sustentam três compartimentos, sendo que os dois superiores estão separados por uma placa de identificação em cobre polido. O primeiro contém o primeiro andar de ganho; o segundo, o andar de potência com base em MOSFET. O compartimento inferior de maiores dimensões contém a fonte de alimentação. O botão on/off está escondido no espaço vazio entre estes compartimentos e faz um estranho ruído de relés quando se liga/desliga. Bruce Candy deita por terra alguns mitos do highend, nomeadamente o tempo de «queima» (desnecessário na sua opinião), a corrente disponível e a relação potência/impedância de carga: «Um amplificador não é um ferro de soldar...», afirma. E ainda dispensa outros «acessórios» como cabos especiais de corrente de sector. Os Halcro utilizam fontes comutadas que se adaptam automaticamente a qualquer tensão e frequência: dos 85V aos 270V, dos 45Hz aos 65Hz e fornecem ao amplificador uma alimentação estável e isenta de picos e de RF. A corrente alterna é filtrada e rectificada e um circuito de correcção garante que as formas de onda da corrente e tensão são idênticas em fase e amplitude. Um Halcro não é um Krell (atenção: isto é uma constatação óbvia não é um juízo de valor). Mesmo quando muito «apertado» durante horas, aquece pouco e nunca nos dá aquela sensação de poder e autoridade dos Krell. O Halcro e o Krell têm abordagens opostas do processo musical em curso. O Halcro é mais doméstico e menos perdulário no consumo e dissipação de energia (apenas 350W à máxima potência) e funciona em Classe AB com 200W/8 e 350W/4. Bruce garante picos prolongados de 2kW sobre qualquer carga. Não foi essa a minha percepção auditiva: quando muito «puxados», sente-se que os agudos das Odyssey (impedância de 1 Ohm aos 20kHz!) perdem mesmo algum discernimento e ganham uma textura granulada.
Quando os integrei no meu sistema e ouvi o primeiro disco compreendi de imediato porque motivo a sua primeira apresentação em Portugal na Transom não tinha tido o sucesso esperado. Os Halcro redefinem o conceito de neutralidade, tantas vezes erradamente confundida com falta de carácter. O Krell FPB 400cx, por exemplo, é muito mais visceral e autoritário na forma como aborda a música, em especial nos registos graves. Pouco a pouco, os Halcro foram, contudo, revelando não o seu «carácter» antes expondo abertamente o «carácter» dos que o rodeavam, permitindo identificar facilmente a presença de cabos Siltech, Transparent Audio ou Nordost: mais «enfáticos» e dinâmicos, os primeiros; ritmicamente coerentes, os segundos; e de uma pureza absoluta, os últimos (modelo Valhalla). O patamar de ruído dos Halcro mergulha tão fundo no negrume do silêncio (Bruce Candy, o genial projectista, garante 99,9999% de fidelidade à máxima potência!) que mesmo com os controlos de tonalidade do prévio McIntosh C2200 na posição de 12 horas é possível ouvir a diferença entre circuito «activado» e «desactivado»! A passagem para o prévio Halcro dm8 (essencial para quem quer tirar partido do investimento nos dm58) tornou também evidente a diferença de textura tonal e harmónica do cone e do painel das Martin Logan Odyssey na zona de transição. Em tão ilustre companhia, até o Krell FPB 400cx deixou transparecer que, afinal, o seu som é composto não de um-todo, como eu pensava, mas de três partes distintas; excelentes todas, sem dúvida, mas ainda assim distintas: por comparação, o poder dos graves e a energia dos agudos sobrepõem-se à presença dos registos médios e roubam-lhes um tudo nada de corpo, soando assim surpreendentemente mais «finos» que os dos Halcro. Creio mesmo que é esta saudável robustez da «grande-gama-média» dos Halcro (tudo o que fica entre os 200Hz e os 5kHz) que os distingue dos amplificadores convencionais. Discos em que o oboé e a flauta pareciam sofrer de uma desagradável modulação no agudo soaram como se a estrutura harmónica tivesse sido milagrosamente restituída e o agudo recuperasse o suporte original das frequências médias. O que é paradoxal nos Halcro é o facto de a equação musical não se resolver com subtracções: os sons ouvem-se melhor individualmente e continuam a fazer sentido em conjunto. Árvore e floresta são aqui um todo orgânico. Há uma lógica intrínseca na performance dos Halcro que é nova no mundo do highend e pode escapar numa primeira análise. A alegada utilização de tecnologias associadas com a transmissão por microondas pode ter alguma coisa a ver com esta «sinfonia do novo mundo do áudio». Mas prefiro ouvir a especular. A imagem estereofónica parece ter sido desenhada a régua e esquadro em papel milimétrico. Todos aqueles lugares comuns de «janela aberta», «projecção tridimensional», «passear pelo palco entre os músicos», etc. me ocorreram em catadupa.
Pelos padrões krellianos, o grave dos Halcro revela uma «parcimoniosa secura»: a ausência de coloração pode facilmente ser confundida com ausência de «maldade», de violência, de «raw power». Mas a definição, articulação, ritmo e, em especial, o entrosamento acústico e a total harmonia da inusitada paleta cromática dos sons de baixa frequência cedo embalam o ouvinte na sublime narrativa do processo musical em curso. O que mais impressiona nos Halcro é a velocidade e a dinâmica: do sussurro sensual (o silêncio intersticial é «ensurdecedor») à «explosão» de sentimentos (é incrível a quantidade de informação disponibilizada) vai o tempo de um momento. Outro aspecto é a dinâmica dentro da dinâmica: os micro elementos dinâmicos, ao nível do médio-grave e do médio-agudo, e o recorte harmónico fino que conferem aos sons a tangibilidade e verosimilhança física. A melhor definição do desempenho dos Halcro que me ocorreu é a de «diplomacia musculada»: os Halcro convencem pela inteligibilidade do discurso sem fazer sangue. O Krell é mais adepto de Bush - para o bem e para o mal...
Houve quem afirmasse que os Halcro vieram pôr fim à velha dicotomia válvulas/transístores. Não sou da mesma opinião: há amplificadores a válvulas e a transístores, e há os Halcro. Ouvir os Nagra VPA, o Krell FPB 400cx e os Halcro dm58 são sobretudo experiências tão estimulantes quanto diferentes. Tanto que, se um deles estiver absolutamente certo, os outros dois só podem estar errados...
Esotérico, tel. 21 983 8944
Os Halcro são diferentes em tudo, até na sua «verticalidade». Dois elegantes pilares laterais estilizados com bases de madeira, que funcionam como dissipadores, sustentam três compartimentos, sendo que os dois superiores estão separados por uma placa de identificação em cobre polido. O primeiro contém o primeiro andar de ganho; o segundo, o andar de potência com base em MOSFET. O compartimento inferior de maiores dimensões contém a fonte de alimentação. O botão on/off está escondido no espaço vazio entre estes compartimentos e faz um estranho ruído de relés quando se liga/desliga. Bruce Candy deita por terra alguns mitos do highend, nomeadamente o tempo de «queima» (desnecessário na sua opinião), a corrente disponível e a relação potência/impedância de carga: «Um amplificador não é um ferro de soldar...», afirma. E ainda dispensa outros «acessórios» como cabos especiais de corrente de sector. Os Halcro utilizam fontes comutadas que se adaptam automaticamente a qualquer tensão e frequência: dos 85V aos 270V, dos 45Hz aos 65Hz e fornecem ao amplificador uma alimentação estável e isenta de picos e de RF. A corrente alterna é filtrada e rectificada e um circuito de correcção garante que as formas de onda da corrente e tensão são idênticas em fase e amplitude. Um Halcro não é um Krell (atenção: isto é uma constatação óbvia não é um juízo de valor). Mesmo quando muito «apertado» durante horas, aquece pouco e nunca nos dá aquela sensação de poder e autoridade dos Krell. O Halcro e o Krell têm abordagens opostas do processo musical em curso. O Halcro é mais doméstico e menos perdulário no consumo e dissipação de energia (apenas 350W à máxima potência) e funciona em Classe AB com 200W/8 e 350W/4. Bruce garante picos prolongados de 2kW sobre qualquer carga. Não foi essa a minha percepção auditiva: quando muito «puxados», sente-se que os agudos das Odyssey (impedância de 1 Ohm aos 20kHz!) perdem mesmo algum discernimento e ganham uma textura granulada.
Quando os integrei no meu sistema e ouvi o primeiro disco compreendi de imediato porque motivo a sua primeira apresentação em Portugal na Transom não tinha tido o sucesso esperado. Os Halcro redefinem o conceito de neutralidade, tantas vezes erradamente confundida com falta de carácter. O Krell FPB 400cx, por exemplo, é muito mais visceral e autoritário na forma como aborda a música, em especial nos registos graves. Pouco a pouco, os Halcro foram, contudo, revelando não o seu «carácter» antes expondo abertamente o «carácter» dos que o rodeavam, permitindo identificar facilmente a presença de cabos Siltech, Transparent Audio ou Nordost: mais «enfáticos» e dinâmicos, os primeiros; ritmicamente coerentes, os segundos; e de uma pureza absoluta, os últimos (modelo Valhalla). O patamar de ruído dos Halcro mergulha tão fundo no negrume do silêncio (Bruce Candy, o genial projectista, garante 99,9999% de fidelidade à máxima potência!) que mesmo com os controlos de tonalidade do prévio McIntosh C2200 na posição de 12 horas é possível ouvir a diferença entre circuito «activado» e «desactivado»! A passagem para o prévio Halcro dm8 (essencial para quem quer tirar partido do investimento nos dm58) tornou também evidente a diferença de textura tonal e harmónica do cone e do painel das Martin Logan Odyssey na zona de transição. Em tão ilustre companhia, até o Krell FPB 400cx deixou transparecer que, afinal, o seu som é composto não de um-todo, como eu pensava, mas de três partes distintas; excelentes todas, sem dúvida, mas ainda assim distintas: por comparação, o poder dos graves e a energia dos agudos sobrepõem-se à presença dos registos médios e roubam-lhes um tudo nada de corpo, soando assim surpreendentemente mais «finos» que os dos Halcro. Creio mesmo que é esta saudável robustez da «grande-gama-média» dos Halcro (tudo o que fica entre os 200Hz e os 5kHz) que os distingue dos amplificadores convencionais. Discos em que o oboé e a flauta pareciam sofrer de uma desagradável modulação no agudo soaram como se a estrutura harmónica tivesse sido milagrosamente restituída e o agudo recuperasse o suporte original das frequências médias. O que é paradoxal nos Halcro é o facto de a equação musical não se resolver com subtracções: os sons ouvem-se melhor individualmente e continuam a fazer sentido em conjunto. Árvore e floresta são aqui um todo orgânico. Há uma lógica intrínseca na performance dos Halcro que é nova no mundo do highend e pode escapar numa primeira análise. A alegada utilização de tecnologias associadas com a transmissão por microondas pode ter alguma coisa a ver com esta «sinfonia do novo mundo do áudio». Mas prefiro ouvir a especular. A imagem estereofónica parece ter sido desenhada a régua e esquadro em papel milimétrico. Todos aqueles lugares comuns de «janela aberta», «projecção tridimensional», «passear pelo palco entre os músicos», etc. me ocorreram em catadupa.
Pelos padrões krellianos, o grave dos Halcro revela uma «parcimoniosa secura»: a ausência de coloração pode facilmente ser confundida com ausência de «maldade», de violência, de «raw power». Mas a definição, articulação, ritmo e, em especial, o entrosamento acústico e a total harmonia da inusitada paleta cromática dos sons de baixa frequência cedo embalam o ouvinte na sublime narrativa do processo musical em curso. O que mais impressiona nos Halcro é a velocidade e a dinâmica: do sussurro sensual (o silêncio intersticial é «ensurdecedor») à «explosão» de sentimentos (é incrível a quantidade de informação disponibilizada) vai o tempo de um momento. Outro aspecto é a dinâmica dentro da dinâmica: os micro elementos dinâmicos, ao nível do médio-grave e do médio-agudo, e o recorte harmónico fino que conferem aos sons a tangibilidade e verosimilhança física. A melhor definição do desempenho dos Halcro que me ocorreu é a de «diplomacia musculada»: os Halcro convencem pela inteligibilidade do discurso sem fazer sangue. O Krell é mais adepto de Bush - para o bem e para o mal...
Houve quem afirmasse que os Halcro vieram pôr fim à velha dicotomia válvulas/transístores. Não sou da mesma opinião: há amplificadores a válvulas e a transístores, e há os Halcro. Ouvir os Nagra VPA, o Krell FPB 400cx e os Halcro dm58 são sobretudo experiências tão estimulantes quanto diferentes. Tanto que, se um deles estiver absolutamente certo, os outros dois só podem estar errados...
Esotérico, tel. 21 983 8944