Quando fui buscar os Audeze LCD 3 à Ultimate Audio Elite, Jorge Gaspar confessou que este exemplar em particular já tinha umas boas 150 horas de uso.
Isto a propósito de eu achar que os LCD 3 são muito melhores que os LCD 2, depois da audição comparativa que fizera em Munique (ver Artigos Relacionados _Munique 2013: Auscultadores). Segundo ele, os LCD 2 que ouvi em Munique, talvez tivessem pouco uso, porque ele pessoalmente não ouvia assim uma diferença tão marcante entre ambos, embora admitisse que são talvez mais “encorpados”.
Não é só isso: o grave do LCD2 até poderá ser mais cantabile. Mas a gama média, sendo mais escura, não é tão macia, e o agudo - que é tímido em ambos (graças a Deus!, detesto os impertinentes...) – é menos linear: o habitual pico nos 3kHz parece estender-se em planalto até aos 6kHz, a que se segue um vale profundo e irregular.
Considerando a diferença de preço, admito que o LCD 2 até pode ser uma melhor compra. Porque a diferença é muito menos audível que o preço que vai ter que pagar por ela. Sinais de teste não são música, que é dinâmica e não estável. E com música os LCD – ambos – são excelentes.
Contudo, a mim, enquanto analista, compete-me dar um parecer: LCD 3 is the one for me. Pronto, está dito.
150 horas a ouvir os LCD 3? Ou deixaram-nos apenas em “lume brando”? Agora que os estou a ouvir, já percebi: os Audeze LCD 3 são viciantes! Quando os tiro, apetece-me voltar a colocá-los de novo, apesar de não serem propriamente feather light (550 gramas), nem os mais confortáveis do mercado. É um delicioso sacrifício que se faz com prazer, pelo...eh... prazer , passe a redundância, de ouvir música. Felizmente, envolvem todo o pavilhão auricular, e não esmagam as orelhas, o que os torna mais suportáveis em audições prolongadas.
Não serão também um exemplo de claridade e transparência, como os Stax; ou de ataque, dinâmica e informação microscópica, como os Sennheiser HD800.
Mas nunca ouvi uns auscultadores que se aproximassem tanto do meu conceito de equilíbrio tonal perfeito e correcção tímbrica subjectiva nos registos médios.
Talvez os Ultrasone 12. Vou ter de esperar a oportunidade de os testar (ver Artigos Relacionados _Munique 2013: Auscultadores).
E depois os LCD 3 têm aquela compostura nonchalant, de quem não quer a coisa, tão típica dos transdutores magnéticos de diafragma plano.
Nunca gritam aos ouvidos, nunca se excedem, nunca a voz lhes dói, mesmo quando a ausência de distorção nos incita a ouvi-los cada vez mais alto.
Há um vibrato característico nas vozes das sopranos que quase todos os auscultadores exageram, alguns cometem até suicídio ao tentar reproduzi-lo. Oiça-se Vivaldi: Recitative and Aria from Cantata RV 679, Che giova il sospirar, povere core Tone Wik/Barokkannerne, da etiqueta 2L (96kHz/24-bit).
Os LCD 3 não tugem nem mugem na notas mais altas. Nem a níveis elevados há modulação ou distorção na voz da soprano. Acontece que os Audeze LCD3 conseguem fazer o mesmo com música rock: 130dB malta! Outro aspecto mais saudável para os ouvidos é a ausência de sibilância ou “peito” suspeito (salvo seja) na voz feminina. Também há silicone na indústria áudio, sabia?...
Vieram-me à memória lembranças das poderosas Apogee, que muitos acusavam de serem “escuras”, quando afinal tinham apenas uma luminosidade suave e homogénea, que dava aos sons o tom bronzeado das peles jovens e saudáveis, na praia do Guincho, ao fim da tarde, num glorioso e raro dia sem vento, leia-se, sem distorção.
Nem o murmúrio profundo e constante do mar (um bom exemplo de brown noise), os gritos agudos e doces das crianças (purple noise); os avisos sérios mas contidos das mães (gray noise), os risos molhados das adolescentes, ricos de innuendos hormonais de média frequência (blue noise), desafiando as gargalhadas médio-graves dos rapazes (green noise); os homens que discutem numa lenga-lenga futebol lá ao fundo com a gravitas definitiva de um dó de peito (pink noise), nada disto interfere na inteligibilidade do discurso de quem nos está próximo: aprecia-se e bebe-se cada palavra solta como se fosse única e derradeira (black noise).
Tudo na natureza acústica que nos rodeia, faz parte de um contexto universal, e só se individualiza quando nos focamos sobre este ou aquele aspecto da realidade. Descobrimos então, com deliciosa surpresa, quão assombrosa é a quantidade de informação intrínseca a cada um dos elementos que compõe o cenário sonoro que nos rodeia.
Assim são também os Audeze LCD 3 – os auscultadores com o som mais natural que já ouvi: está lá tudo, um tudo que se faz de pequenos nadas, que nos comprazemos em trazer à superfície, num trabalho paciente de arqueólogos do som, revelando tesouros escondidos nos ficheiros musicais.
Se é adepto da verdade nua e crua, e não gosta de espreitar, através de véu diáfano, para dentro da alcova onde repousa a ninfa da musicalidade, procure noutro lado. Como reza a canção, com os Audeze a música apresenta-se-nos toda nua ...só com um véu. Que não esconde nada, apenas a torna mais erótica.
Esta sensação de diafaneidade ( you can see it close and clear but it never spits in your face) é típica dos transdutores planos isodinâmicos ou magnéticos.
O diafragma (uma membrana ultraleve, quase sem massa) vibra num duplo campo magnético produzido por fileiras de pequenos ímans de neodímio de um lado e do outro. Tanto estes como a própria espiral condutora colocada na membrana de poliamido constituem obstáculos mais “físicos” que os finíssimos separadores dos transdutores electrostáticos que separam o diafragma de Mylar grafitado das grelhas abertas dos eléctrodos.
A Audeze ultrapassou este “obstáculo” aparentemente incontornável, situando-se entre a transparência e claridade electrostática das Quad e a translucidez tonal planar magnética das Magnepan, com uma luminosidade morna e húmida que envolve a música sem que as sombras crepusculares se sobreponham ao desenho delicado dos contornos. Nada se perde, tudo se transforma (para melhor) na natureza dos Audeze.
E por falar em natureza, os LCD 3 não devem ser lá muito confortáveis de usar em países tropicais. Por causa das almofadas de pele e do suor e da humidade relativa que afecta o desempenho do diafragma. Pode encomendar almofadas de tecido mais absorvente (camurça artificial), mas perde-se o requinte dos acabamentos de luxo e a agradável sensação táctil da pele natural (the silence of the lamb?).
As almofadas são mais espessas atrás para garantir que você não se engana na posição correcta dos canais direito esquerdo. Mas sobretudo altera o ângulo de incidência do som nas pregas do pavilhão auricular, um “truque” que promove a sensação holográfica.
Estou agora a ouvir Here’s That Rainy Day (Jazz At The Pawnshop/HD Tracks) a 88,2kHz/24-bit. E dou comigo a voltar a cabeça, porque há sons do bar que parecem estar atrás de mim. Já ouvi as faixas deste registo histórico mil vezes e com mais detalhe: o gelo a tilintar nos copos, a caixa registadora, as conversas do público ao fundo.
Está lá tudo, mas é menos “evidente” com os LCD 3, tal como ao vivo, diga-se, do que com uns HD800, por exemplo, que funcionam como um microscópio. Mas o recorte da “palheta” do saxofone, o piano (a reprodução dos pianos e das vozes é fantástica), a míriade de harmónicos dos pratos e o contrabaixo é do melhor que já ouvi. Ou seja: naquilo que conta – a música – nada se perde, e o contexto ambiental também não.
Nos Audeze é o todo que conta, não as partes: do timbre ao tom, do ritmo à dinâmica; da ambiência à presença, o LCD 3 é superior a todos os auscultadores que já ouvi até hoje.
Cat Stevens sempre me soou intragável a cantar But I Might Die Tonight (HD Tracks), mesmo a 192kHz/24-bit. Por mim, podia morrer sem esperar pela calada da noite. Mas não com os Audeze LCD 3. O som do disco continua datado, admito. Só que os Audeze, tendo o tempo certo, tornam tudo intemporal, o que não deve ser confundido com homegenizado, embora admita que são do tipo “forgiving”: perdoam os erros, como Deus perdoa a quem nos tem ofendido, e nos liberta do inferno por muitas asneiras que tenhamos feito na vida. Os Audeze são o céu dos audiófilos.
Freedom, freedom, freedom
Até ao George Michael eu perdoei, esse pecador. Num ficheiro ISO de um concerto ao vivo em Londres, cortesia de Rui Calado, ouvi-lhe a confissão toda até à última gota, que Deus me perdoe também: fabulosa secção rítmica e de percussão (nunca ouvi esta “batida” com outros auscultadores), grande banda, dois trios de vozes negras de acompanhamento de cortar a respiração, sobretudo elas, espectacular produção e um público rendido e bem audível na sua colaboração entusiasmada: uma floresta de vozes e instrumentos, onde cada árvore é preservada na sua individualidade genética pelo duo Auralic Taurus/ Audeze LCD3.
Percebe-se cada palavra, cada verso do jogo de eco com o trio do coro e o público que grita em uníssono: Freedom, freedom, freedom, you gotta give for what you take...
Pois, é isso: é pena ter de dar tanto pelo muito que o Audeze nos dá! That’s what you get!, afirma-se com veemência na canção. E recebe-se muito em troca.
You are getting to be a habit with me LCD 3
A prova dos nove vem logo de seguida com a bela Diana Krall, cantando Come Dance with Me (HD Tracks) a 96kHz/24-bit, num desafio provocante que me obrigou a prolongar a audição para lá do razoável: 3 horas!
A sensualidade quente da voz loira, ilustrada pelos requebros do saxofone, pontuados pela delicadeza do toque dos seus dedos longos, deslizando macios sobre as teclas do piano, tudo ilustrado pelo brilho acetinado dos metais. Melhor ainda só o swing sincopado de I Don’t Know Enough About You, os lábios húmidos da Krall, tocando ao de leve o microfone, entre cada frase pontuada pela ressonância da caixa do contrabaixo modulada pelas cordas.
Agora o golpe de misericórida: You are getting to be a habit with me, algo que se aplica bem à minha relação com os Audeze LCD 3: you got me in your clutches and I can’t break free. Yeah, baby! Estou “agarrado” mas gosto. De facto, não é fácil, mesmo para um coração de audiófiolo empedernido e pouco dado a 'auscultações', deixar partir os LCD 3.
Devil may care... I don’t
E já que ela está agora a cantar Devil May Care, eu vou escrever algo que não lembra ao diabo. Prefiro ouvir os LCD 3 com o Auralic Taurus via cabo de jack, que via cabo XLR. Heresia!
Vejamos: talvez não saiba mas com cabo balanceado pode ouvir o Auralic no modo STD ou BAL (este último tem mais ganho, claro). Com o cabo de jack, só funciona com STD. É óbvio que via BAL os LCD3 soam mais transparentes e informativos, aproximando-se dos Stax. Mas soam também tonalmente mais esquálidos. Aceito que outros considerem que isto é fruto de coloração.
O “Jack” dá-lhes corpo e entrosamento, e uma cor dourada que me agrada nas longas audições. Se fossem meus, fazia uma ligação directa aos terminais e eliminava as fichas, que são fáceis de colocar e difíceis de tirar, e são mais um empecilho no caminho do sinal.
Os Audeze LCD 3 têm outra particularidade interessante: soam bem “fora da cabeça”. Não, não estou a referir-me a nenhum efeito de espacialidade artificial. O que eu quero dizer é que, mesmo quando os tiramos da cabeça (que alívio!...), e os deixamos abandonados a tocar em cima da secretária, eles soam bem. Perdem-se os graves, claro, mas como são dipolos open baffle tudo o resto soa claro, inteligível, perfeito.
Olha, lá está o Keith Jarret a tocar em Colónia - volto a colocá-los, num frémito: que maravilha de fraseado, de invenção, de respeito pela morte de cada nota, a quem Jarret magnânimo permite o tempo de vida necessário para assistir ao milagre do nascimento de outra, e mais outra nota, no doce embalo da ressonância percutida das cordas, vibrando num encadeamento de entidades sonoras divinas e encantatórias.
Sente-se o público a suster a respiração até ao último suspiro de genialidade, antes de explodir num aplauso unânime e entusiasmado. Se não é fácil arrancar aplausos, mais difícil é reproduzi-los num sistema de som, sem que pareça uma cascata de ruído rosa.
I don’t know enough about you, Audeze
Volto a ouvir I Don’t Know Enough About You, e bem a propósito. Como é que a Audeze, uma empresa até há pouco tempo desconhecida, conseguiu este milagre tecnológico?
Já vimos que o segredo está na finíssima membrana de poliamido (um material plástico da família do mylar), tornada parcialmente condutora por um padrão metalizado em espiral e colocada sob tensão entre dois grupos de ímans. Quando a voltagem, correspondente a um sinal musical, percorre a espiral metálica que lembra uma “passadeira-de-peões” de minúsculos “ribbons”, a membrana é atraída/repelida pelos campos magnéticos opostos, e ao vibrar produz música. Simples, hã?
Como a força se exerce igualmente sobre toda a superfície plana da membrana, esta funciona como um pistão puro. Óbvio, não?
Aqui, permitam-me uma achega. A membrana circular está fixada nos bordos, pelo que a onda produzida assemelha-se ao de uma meia-esfera pulsante (dipolar), com mais energia na zona central e reduzindo-se para os bordos. Apesar disso, é uma réplica tão próxima quanto possível do movimento ideal de um pistão plano.
Os dois videos que se seguem produzidos pela Audeze, além de serem espectaculares, mostram a estrutura interna dos LCD e o modo de funcionamento. E não, não se preocupe, não é preciso pôr açúcar nos LCD-3 para eles soarem... doces!
Como todos os sons são produzidos no mesmo plano, por uma membrana sem massa, a fase é perfeita e a distorção mínima, ou quase inexistente (mesmo a níveis de pressão sonora elevados). Utilizei ruído rosa, ruído branco, castanho e violeta e obtive sempre uma cascata constante e linear de som, sem outros ênfases no espectro audível que os característicos de cada tipo diferente de ruído.
No teste dinâmico, não consegui ir abaixo dos -50dB, o que não significa que um par de orelhas jovens não chegue aos -60dB. Na resposta em frequência, fiz um varrimento 20Hz-20kHz e a extensão dos graves é notável, bem como a linearidade até aos 2kHz, a gama crítica da voz humana. Segue-se um ligeiro “pico” aos 3kHz que apenas nos dá a tal sensação de mais “abertura” que os LCD-2. Acima dos 10kHz há uma pendente suave que já se faz sentir nos 12kHz, e se torna mais abrupta a partir dos 14kHz, acompanhando a curva fisiológica do (meu?) ouvido, isto a níveis normais de audição aferidos a 1kHz.
Ressalvo, contudo, que o diafragma tem a capacidade de reproduzir frequências até 50kHz! Mas isso já terei de testar com o Charlie, o sharpei do meu filho...
Apesar disso, com música não notei falta de nada de importante nas oitavas superiores. Não há omissão nem ausência, há apenas doçura. E com o botão de volume tudo sobe e desce ao mesmo tempo sem alterar o equilíbrio tonal.
Não me foi possível medir a resposta impulsiva, nem tive acesso a nenhum gráfico, mas admito que possa ser afectada pelas tiras metálicas, que adicionam alguma massa insignificante à membrana e podem (pura especulação da minha parte) provocar algum ringing no eixo do tempo devido à inércia, talvez daí a sensação de menos velocidade de resposta que os Stax electrostáticos.
A estrutura interna destes transdutores é frágil, até por definição (a membrana é extremamente fina), mas a Audeze dá 3 anos de garantia aos diafragmas em utilização sensata, o que revela total confiança no produto.
Os Audeze LCD 3 são pesados, sobredimensionados e caros (contacte a UAE). Seria um crime ligá-los em viagem a um iPod ou PC, além de ter toda a gente no avião, que ouve música com aqueles supositórios acústicos metidos nos ouvidos, a olhar para si: este gajo não bate bem da bola, ou é um excêntrico!
O design é pouco hightech (compare com os HD 800, por exemplo) e mais consentâneo com o artesanato de luxo: madeiras exóticas (zebrano wood), pele natural de borrego, armação metálica funcional mas pouco sofisticada. Recebi-os num estojo em madeira lacada a negro e forrado a veludo com fecho dourado, tipo guarda-jóias. Coisa preciosa e fina, portanto.
Ao contrário dos auscultadores electrostáticos, não precisam de fontes de alimentação de alta tensão (driver) e são suficientemente sensíveis para funcionar bem até com um Meridian Explorer (versão de 5 ómios), utilizando um adaptador/redutor de “jack”, e o delicioso Chordette Toucan. Mas funcionam melhor ainda com o Auralic Taurus de classe A, que parece ter sido concebido a pensar neles, e é também distribuido pela Ultimate Audio Elite.
Os LCD 3 não são a última palavra em claridade e transparência, como os Stax SR 009; nem reproduzem a mesma quantidade de micro-informação dos Sennheiser HE800. Apesar de tudo, são os meus preferidos em termos de musicalidade, naturalidade, tonalidade e correcção tímbrica. Num primeiro contacto, impressionam mais o olhar que o ouvido. Mas para utilizar outra expressão anglosaxónica: they grow on you...
Os graves têm peso específico, profundidade, ritmo e gravitas (dramatismo); os registos médios têm a envolvência morna do brilho do pôr-do-sol e os agudos são puros, e só podem ser considerados tímidos se nos regermos pelos padrões dinâmicos dos auscultadores convencionais mais efusivos. Mas nem pense que os LCD 3 só reproduzem bem quartetos de cordas. A batida da música rock, house, soul e pop electrónica é sólida e tem o ritmo certo. Isto não é um F1 é um todo-o-terreno do Dakar.
I’ll remember you LCD 3
Numa análise racional, considero o todo melhor que as partes (com excepção do grave que é excepcional no corpo e na substância). Em termos subjectivos e emocionais, eu confesso que nunca ouvi, com tão continuado prazer, tantas horas seguidas de música com auscultadores.
Não sendo neutros, todos os outros me soam agora “coloridos” por comparação.
Os Audeze LCD 3 são absolutamente recomendados tanto para audiófilos exigentes como DJs endinheirados: you gotta give for what you take, lembram-se?
Life is a bitch, so buy before you die.
Audeze LCD 3
Preço: (cerca de 2 000 euros c/estojo de madeira, contacte UAE)
Distribuidor: Ultimate Audio Elite