Em poucas palavras, podia afirmar-se que o modelo HDSD é um QBD76 com capacidade para converter ficheiros áudio de alta resolução incluindo DSD (via DoP). E podíamos ficar por aqui.
De facto, há muito mais pano digital para mangas. O novo HDSD manteve o carácter do “velho” DAC64, algo que, em parte, se tinha perdido com o QBD76 (ver Artigos Relacionados), e recuperou o espírito original de Bob Watts, conferindo ao som uma transparência e um brilho acetinado, numa simbiose perfeita entre a musicalidade do passado e a claridade do presente, que a alta resolução e, sobretudo, a DSD tornaram acessível aos audiófilos, em sites na internet.
No aspecto físico pouco mudou nos últimos 10 anos. Os DACs da Chord continuam a ter aquele estilo muito próprio de “tijolo” de alumínio sólido com duas “janelas de vigia” náutica (o DAC64 só tem uma que muda de cor com a frequência, um gene que o Qute HD herdou do avô paterno).
No HDSD a janela circular de maior diâmetro tem a dupla função de lupa e de “luz de presença” de tonalidade azul, como as que acalmam os bebés que têm medo de dormir no escuro e, talvez por isso, não se pode desligar. Numa sala às escuras, o efeito pode ser espectacular ou fantasmagórico, depende dos seus próprios medos de infância...
Julgo vislumbrar aqui uma mensagem metafórica subliminar: a transparência permite-nos apreciar em detalhe a beleza física da tecnologia interior (a arrumação dos componentes na parada tem a precisão do exército norte-coreano); e a luz azulada é uma manifestação do espírito da música, como se a Chord pretendesse dizer: fiat lux, que é o princípo de todas as coisas...
A vigia mais pequena é um mostrador luminoso de leds vermelhos com informação sobre a selecção das entradas: COAX, AES, OPT, USB 1 (HD), USB2; POS e NEG (fase/polaridade); 0BUF, MIN, MAX (memória buffer);
E ainda qual a frequência de amostragem do sinal digital à entrada: 44k, 48, 88, 96, 176, 192. E DSD? Não. DSD funciona por múltiplos de 44 kHz, e é aqui representada pelo múltiplo mais elevado que o QBD76 HDSD comporta: 176.
A Chord não utiliza “chips” pré-programados, pois considera que os DACS que utilizam os mesmos “chips” tendem a ter um som semelhante.
Robert Watts (ver Artigos Relacionados: Robert Watts no confessionário) é o génio “dentro da garrafa”, que concebeu a tecnologia FPGA (Field Programmable Gate Arrays), que permite programar num chip Xilinx (que se vê através da janela iluminada) todas as funções lógicas, além do filtro digital WTA, Watts’Transient Aligned, responsável pela excepcional reprodução do agudo e perfeita resposta temporal, que tanto me atraiu no DAC64.
Nós, humanos, somos mais sensíveis à resposta no tempo que à resposta em frequência. Estamos assim geneticamente pré-condicionados para ouvir melhor as frequências correspondentes à voz (e os graves da batida do coração no útero da mãe).
Contudo, somos capazes de detectar diferenças temporais ínfimas, que nos permitem localizar fontes de som no espaço à nossa volta, o que terá garantido à raça humana chegar ao séc. XXI. Um nanosegundo podia ser o momento fatal que nos separava de chegar à caverna vivos, ou ser a refeição do dia de um trigre de dentes de sabre.
Aos 80 anos Karajan já não devia ouvir nada acima de 5kHz, mas sabia muito bem quando o flautista entrava fora de tempo...
Quando ainda nem se falava disso, até porque as saídas coaxiais dos transportes digitais não o permitiam, o DAC64 já tinha capacidade para converter áudio a 96kHz/24 bit. Em 2008, o QBD76 já ia até aos 192kHz com a dupla ligação AES-EBU do Chord Blu (ver Artigos Relacionados).
Além das habituais entradas SPDIF/coaxial (fichas BNC) AES-EBU (balanceadas) duplas e USB (44/48kHz), o QBD76 tinha também uma antena para Bluetooth, que fazia algum sentido em 2008, para ouvir música sem fios de smartphone e do PC, por exemplo, com qualidade...eh... “duvidosa”.
Assim, podia-se alegar que, com excepção da capacidade DSD, a nova versão não traz nada de substancialmente novo. E contudo, a evolução é grande, o que seria de esperar considerando o preço de 6 200 euros...
Em 2013, a versão HDSD substitui o redundante Bluetooth por uma entrada USB HD com uma ficha especial (a Chord fornece o cabo), porque a alta resolução em áudio está agora na moda e recomenda-se.
Lendo o manual do HDSD fica-se com a impressão que só aceita HD via SPDIF e AES-EBU com ligação dupla, mas com um transporte adequado, como o Oppo 93, as entradas SPDIF simples (cabo coaxial RCA/BNC) fazem “lock” e reproduzem discos da Reference Recordings HX (174,4kHz) ou da nórdica 2L (192kHz). Mas não DSD, e isto apenas porque o SACD não o permite.
Portanto, DSD só mesmo via PC (Mac)/USB HD. Há ficheiros dff (DSD) disponíveis na net, embora seja possível fazer e armazenar num disco rígido cópias ISO de SACD (dsf) com uma Playstation 3 da primeira geração.
Enquanto DAC complementar, associado a um bom transporte via cabo digital coaxial ou balanceado (até 192kHz) ou óptico (96kHz), na reprodução de CD ou DVD-audio e Bluray-audio em alta resolução, o “toque mágico” do QBD76 HDSD é a sublimação da excelência já demonstrada pelos modelos anteriores.
Posto isto, contudo, se já é possuidor de um QBD76 (ou de um DAC64), o upgrade para a versão HDSD justifica-se apenas e se pretende fazer uso intensivo da ligação USB HD.
Não será a única razão (o grave do HDSD raia o inaudito em termos de resolução), mas esta é, sem dúvida, a principal. Até porque só assim poderá experimentar as delícias da DSD, o mais analógico dos formatos digitais, sobretudo quando as matrizes originais são em formato dff.
Nota: leia na 'Abertura' deste teste tudo sobre a polémica das vantagens/desvantagens do HD em áudio.
Se tem acompanhado as recentes incursões do Hificlube no reino do áudio HD (ver Reviews/Testes), sabe que vai precisar de um PC (melhor ainda se for um Mac), de preferência um portátil, com boa memória RAM e capacidade de armazenamento (ou um disco rígido externo de 1 terabyte, pois os ficheiros HD e DSD são pesados); da drive para Windows (fornecida pela Chord em CD ou por download grátis) e de um software Media Player para gerir as listas e os modos de audição.
Há muitos disponíveis na net (alguns até gratuitos) mas para PC o J.River é o meu preferido, e tudo o que vai ler a seguir se refere à utilização deste excelente software.
Depois é só seguir as indicações do manual da Chord (a Topaudio e a Absolut Sound&Video tratam disso por si, não se preocupe).
Via DoP, o Chord reconhece o ficheiro DSD como nativo, e é como tal que é reproduzido, embora na 'vigia' não surja DSD mas a frequência “natural” de 176.
Saia do modo DoP se já não vai ouvir mais ficheiros DSD. A J.River recomenda que PCM soa melhor com esta opção no modo None. Eu também acho que sim.
Outra sugestão minha: opte no J.River por 176,4kHz para ouvir em PCM todos os ficheiros greater than 192kHz, apenas por este ser o múltiplo natural de 44,1kHz, incluindo DSD64 e 128 e até DXD a 352, 8kHz (o HDSD não rejeita nenhum desafio e adapta-os dentro dos seus limites).
Caso contrário, J.River propõe automaticamente 96kHz como opção conservadora. Mas se preferir pode ir até ao máximo de 192kHz. Atenção: mais nem sempre signfica melhor.
O “lock” do sinal ouve-se com um “click” de confirmação, e a frequência respectiva aparece em dígitos vermelhos na vigia pequena. A partir daí só se ouve música. E da boa!
O Chord QBD76 HDSD tem saídas analógicas simples e balanceadas (simétricas). O nível de saída via XLR é substancialmente mais elevado (6V). Utilizei ambas com dois amplificadores integrados de categorias também bem diferentes: Ayre XA5 e Roksan Caspian. Sobre o primeiro já publiquei a minha opinião (ver Reviews/Testes).
O Caspian continua a ser uma agradável surpresa, se considerarmos que custa 1/4 do Ayre. As Sonus Faber Concertino, as Monitor Audio GX200 e as Magico S1 deram-lhe voz. Cablagem mista, múltipla e variada: Black Sixteen, Black Sat, Nordost, Siltech, Monster e outros. Sobre as fontes já falámos: Oppo 93 e um Asus portátil, sobretudo este último.
O HDSD tem o equilíbrio perfeito entre transparência, claridade, corpo, textura, volume, musicalidade, micro e macro dinâmica, e ainda consegue o milagre de ser ultradetalhado, mantendo-se fluido e envolvente.
É muito bom com CD, já se sabia isso desde o DAC64. Mas com ficheiros de alta resolução, sobretudo DSD e DXD via USB HD está ao nível dos melhores (ver Reviews/Testes).
Num mundo governado por números, o HDSD reproduz DSD via DoP e DXD a 176(,4kHz).
Mas não veja isso - nem o limite actual dos 192kHz - como défice de qualidade, pois este notável DAC tem uma característica única: a riqueza harmónica e informação espacial, uma expressão que normalmente só atribuo aos agudos e médios, é extensiva ao grave. Os DACs não se medem aos palmos...
Há ritmo e ataque lá em baixo, e ainda se respira música onde o ar costuma ser rarefeito ou se torna agreste. E pensar que há quem utilize um subwoofer mono, porque alega que abaixo dos 80Hz não há informação estéreo. Perdoa-lhes Senhor, porque eles não sabem o que dizem.
Nota: Os CDs e ficheiros a 44,1kHz e 48kHz soam melhor com o buffer na posição Max (4s), aliás como todos os outros. Contudo, com ficheiros de alta resolução a informação é tanta que “inunda” a memória e os primeiros 2 a 3 s das faixas são “amputados”. A solução é clicar stop/play para recomeçar ou “desligar” a memória (0s).
O Qute HD é um mimo!
O QBD76 HDSD fez-se acompanhar do filho, o Qute HD (cute=giro) que com 1/4 do tamanho, do peso e do preço (1 240 euros) faz tudo o que de importante o pai faz, ao nível da reprodução de ficheiros de alta resolução, incluindo DSD, e mais: está pronto para aceitar sinais 384kHz/32bit via SPDIF (mas não via USB, pity) se, e quando houver transportes digitais que os debitem!...
Não tem botões nenhuns: nem de polaridade, nem de “memória”, nem de coisa nenhuma (it's all simplicity and functionality), e só tem uma janelinha circular que nos vai dando a informação sobre os sons num hipnótico jogo de cores silencioso: vermelho (44kHz), alaranjado (48kHz), verde-claro (88kHz), verde (96kHz), azul (176kHz), azul-escuro (192kHz), azul-brilhante matizado de arco íris (DSD), utilizando a combinação de 3 leds de cores primárias: vermelho, verde e azul e um branco. O led branco tem mais intensidade com DSD e o azul aparece suavemente matizado de vermelho. Cute, indeed!...
Nota: um ficheiro DSD reproduzido em PCM emite a cor azul clara ou escura correspondente; reproduzido via DoP emite o tal azul matizado distinto, o que prova que o Qute distingue DSD de PCM 176.
Ligam-se os interconnects (RCA), o cabo USB (normal), coaxial (BNC) ou óptico e o cabo de corrente (com transformador), e pronto! Claro que continua a precisar de instalar a drive no seu PC e do software J.River para ouvir ficheiros áudio HD.
Não me surpreende mesmo nada o enorme sucesso do Qute HD, sobretudo com um preço de 1 240 euros. Não tem o mesmo detalhe, resolução e transparência do pai. Mas soa-me como um jovem DAC64 HD: cheio, robusto, com uma grave menos tenso e extenso mas mais intenso, com volume e presença física, ideal para colunas mais pequenas.
Sente-se uma maior proximidade e centralidade - e menor enfoque - dos músicos na boca do palco, o que altera a geometria da imagem estereofónica em relação ao HDSD, no plano horizontal e da profundidade, como se estivessemos a ver o espectáculo umas filas mais à frente; e tem uma doçura intrínseca que elimina qualquer resquício de digitalite do seu sistema.
O HDSD apela-me à razão, o Qute HD ao coração (que é também o lado da carteira...).
O QBD76 HDSD é um prato requintado de haute cuisine, o Qute HD é um doce conventual. Ambos são versões musicais do pecado da gula!
Oiça 3 Avé Marias, de Schubert, em áudio HD, e está perdoado...