Alertei os leitores pela primeira vez há dois anos para a existência do Super Audio CD. Daí para cá, escrevi vários artigos sobre o tema. O que importa reter é que se trata de um novo CD, num suporte de disco óptico em tudo idêntico, mas de alta densidade, logo com capacidade para registar 4,7GB de informação (CD=600Mb), e a particularidade de ser, no caso dos discos híbridos, composto por duas camadas que o laser lê a diferentes profundidades: uma é compatível com os leitores CD convencionais; a outra exige um novo tipo de leitor-SACD que, por sua vez, também é leitor-CD e até de DVD (ver teste do Sony DVP-S9000ES publicado na semana passada).
Até aqui tudo bem. O problema é que uma pessoa chega a uma loja de discos, pede um SACD, e eles nem sabem o que isso é. Isto um ano após o lançamento comercial do formato. A parceria Sony/Philips que é a principal impulsionadora do projecto tem pouca ou nenhuma oferta dos cerca de 200 títulos já editados e os carolas como eu que gostam de estar na crista da onda têm de recorrer à Internet ou aos importadores independentes para saciar a sua sede de perfeição e pagar oito contos por cada disco (que ainda por cima não tem imagens). Porque é de perfeição que se trata (quando o registo original ajuda, claro). De facto, o Super Audio CD cumpre finalmente a promessa de «som perfeito para sempre» que era o slogan original do CD.
20 anos de CD
Ainda me lembro de, já lá vão quase 20 anos, pregar no deserto (então no semanário Êxito) sobre as virtudes do disco compacto, quando ainda ninguém sabia o que isso era, e não havia discos à venda em Portugal. Vi-me até envolvido numa polémica com a EMI, porque escrevi um artigo sob o título: «Amália em CD - EMIntira», e eles não acharam graça nenhuma. Embora fosse verdade que era mentira. O primeiro CD de Amália, que faz parte da minha colecção (terei muito gosto em oferecê-lo para o museu de Amália), foi, aliás, editado no Japão, não sei se à revelia da EMI.
Então como agora, quando precisava de «material», socorria-me de Eduardo Rodrigues, um amigo que sempre esteve comigo do mesmo lado da barricada (embora as nossas convicções digitais fossem ciclicamente abaladas pela audição de LP por pratos/células de eleição). Em 1982, já ele tinha um leitor-CD, e em 1983 tinha praticamente todos os títulos editados. Hoje passa-se o mesmo com o SACD, embora os anos o tenham tornado mais selectivo - já não compra tudo mas apenas o que é bom. Porque ainda o SACD é uma criança e já há à venda gato por lebre (discos com matriz original PCM são uma fraude).
CD faz mal aos nervos?
As vantagens do CD sobre o LP eram então tão óbvias que a sua aceitação rapidamente se tornou universal. Mas o lançamento foi prematuro e muitos se queixaram de que se ganhara em versatilidade o que se perdera em musicalidade e, por paradoxal que pareça, a sua principal virtude - a claridade - era também a principal fraqueza do som digital, que soava frio e duro. E o DVD-Audio, como muito bem alertou Mark Levinson na palestra a que assisti recentemente em Las Vegas, não vai resolver nada - é apenas mais e melhor do mesmo: continua a ser PCM. De facto, na base do SACD está uma tecnologia de registo digital designada por DSD, Direct Stream digital, que de um assentada resolve os dois principais factores de distorção da tecnologia PCM, Pulse Code Modulation:
- a filtragem brutal dos registos agudos acima da banda áudio
- e a quantificação (medida instantânea da intensidade do som) que está sujeitaa erros grosseiros: só por milagre é que o «valor» exacto de um som num dado momento corresponderia ao «valor» preestabelecido da trama digital.
Ou, como diria, Mark Levinson o PCM (CD) faz mal aos nervos, porque «parte do princípio que». Ora, partir de princípios sem muitas certezas já partiu a cabeça a muita gente. Ou seja: o «valor» atribuído não é exacto mas apenas o que mais se aproxima dentro dos valores disponíveis que estão limitados à partida pela extensão máxima de 16/20 bits das palavras do código binário e pelo número de vezes (44.100) por segundo que o sinal é medido (frequência de amostragem). E a música não se compadece com «quase». Ou é ou não é.
Aumentar para 24-bit e 96.000 vezes por segundo (ou mesmo 192.000) ajuda imenso mas não muda em nada um princípio que está errado à partida (aqui para nós, errado ou não, há CD que no Krell KPS28c soam melhor que SACD, mas isso é outra história). Passar de dois canais para seis canais é apenas dourar a pílula. O DVD-Audio soa bem, sem dúvida, mas é um SOS: «same old shit»; o SACD é algo de revolucionário e diferente.
Nota: as revoluções raramente vingam e o DVA-Audio tem a apoiá-lo o «imperialismo» americano (Dolby, Warner, etc.), pelo que arrisco-me a ter de engolir um sapo vivo para poder continuar a escrever sobre áudio.
SACD: anti-pirata
Ao contrário do que se pensa, a DSD não foi inventada pela Sony que se limitou a pôr em prática uma teoria idealizada há cerca de dez anos pela DBX, uma empresa da Califórnia. Insatisfeitos com os resultados obtidos pelo PCM, os engenheiros da DBX concluíram que em vez de ir buscar 44.100 vezes por segundo «nacos de 16-bit», leia-se «amostras» a partir das quais se pretende reconstruir matematicamente um sinal contínuo no tempo, tendo fé que «nos intervalos» ele não tenha mudado assim tanto, talvez fosse melhor ir lá mais vezes buscar «migalhas» (1-bit), mantendo sob «vigilância» constante todos os movimentos do sinal. Por constante, entenda-se: dois milhões e oitecentas mil vezes por segundo! Só faltava um suporte para meter lá toda esta informação: os novos discos de alta densidade de que o SACD é uma das variantes; a outra é o DVD.
A Sony e a Philips uniram-se de novo para tornar o SACD possível. Contudo, um ano depois do lançamento oficial ainda só há 200 discos editados e o excelente site onde pode ouvir excertos dos discos antes de os encomendar só tem 54 títulos disponíveis - dos quais só 10 valem a pena comprar. Isso é que me irrita. É como pôr o ovo debaixo da galinha e deixar depois o pinto morrer já com a cabeça de fora. E o problema é exactamente esse: faltam chocadeiras. A maior parte dos estúdios está à espera de equipamento de registo e mistura para poder começar a trabalhar. Dentro de um ano, iremos assistir a um «boom» do SACD. O novo formato não é apenas sonicamente superior, é imune à pirataria, e isso é música para os ouvidos das editoras e dos artistas tão castigados pelo MP3. Mesmo que alguém conseguisse entrar no sistema anti-cópia (segundo a Sony teria de ter acesso à matriz original e seria rapidamente detectado) ficaria nos braços com um ficheiro de 5GB! Com a actual velocidade na Internet era precisa quase uma semana para fazer o «download»...
Audiófilos de todo o mundo, uni-vos: o SACD é a revolução do som digital no seu estado puro.
Até aqui tudo bem. O problema é que uma pessoa chega a uma loja de discos, pede um SACD, e eles nem sabem o que isso é. Isto um ano após o lançamento comercial do formato. A parceria Sony/Philips que é a principal impulsionadora do projecto tem pouca ou nenhuma oferta dos cerca de 200 títulos já editados e os carolas como eu que gostam de estar na crista da onda têm de recorrer à Internet ou aos importadores independentes para saciar a sua sede de perfeição e pagar oito contos por cada disco (que ainda por cima não tem imagens). Porque é de perfeição que se trata (quando o registo original ajuda, claro). De facto, o Super Audio CD cumpre finalmente a promessa de «som perfeito para sempre» que era o slogan original do CD.
20 anos de CD
Ainda me lembro de, já lá vão quase 20 anos, pregar no deserto (então no semanário Êxito) sobre as virtudes do disco compacto, quando ainda ninguém sabia o que isso era, e não havia discos à venda em Portugal. Vi-me até envolvido numa polémica com a EMI, porque escrevi um artigo sob o título: «Amália em CD - EMIntira», e eles não acharam graça nenhuma. Embora fosse verdade que era mentira. O primeiro CD de Amália, que faz parte da minha colecção (terei muito gosto em oferecê-lo para o museu de Amália), foi, aliás, editado no Japão, não sei se à revelia da EMI.
Então como agora, quando precisava de «material», socorria-me de Eduardo Rodrigues, um amigo que sempre esteve comigo do mesmo lado da barricada (embora as nossas convicções digitais fossem ciclicamente abaladas pela audição de LP por pratos/células de eleição). Em 1982, já ele tinha um leitor-CD, e em 1983 tinha praticamente todos os títulos editados. Hoje passa-se o mesmo com o SACD, embora os anos o tenham tornado mais selectivo - já não compra tudo mas apenas o que é bom. Porque ainda o SACD é uma criança e já há à venda gato por lebre (discos com matriz original PCM são uma fraude).
CD faz mal aos nervos?
As vantagens do CD sobre o LP eram então tão óbvias que a sua aceitação rapidamente se tornou universal. Mas o lançamento foi prematuro e muitos se queixaram de que se ganhara em versatilidade o que se perdera em musicalidade e, por paradoxal que pareça, a sua principal virtude - a claridade - era também a principal fraqueza do som digital, que soava frio e duro. E o DVD-Audio, como muito bem alertou Mark Levinson na palestra a que assisti recentemente em Las Vegas, não vai resolver nada - é apenas mais e melhor do mesmo: continua a ser PCM. De facto, na base do SACD está uma tecnologia de registo digital designada por DSD, Direct Stream digital, que de um assentada resolve os dois principais factores de distorção da tecnologia PCM, Pulse Code Modulation:
- a filtragem brutal dos registos agudos acima da banda áudio
- e a quantificação (medida instantânea da intensidade do som) que está sujeitaa erros grosseiros: só por milagre é que o «valor» exacto de um som num dado momento corresponderia ao «valor» preestabelecido da trama digital.
Ou, como diria, Mark Levinson o PCM (CD) faz mal aos nervos, porque «parte do princípio que». Ora, partir de princípios sem muitas certezas já partiu a cabeça a muita gente. Ou seja: o «valor» atribuído não é exacto mas apenas o que mais se aproxima dentro dos valores disponíveis que estão limitados à partida pela extensão máxima de 16/20 bits das palavras do código binário e pelo número de vezes (44.100) por segundo que o sinal é medido (frequência de amostragem). E a música não se compadece com «quase». Ou é ou não é.
Aumentar para 24-bit e 96.000 vezes por segundo (ou mesmo 192.000) ajuda imenso mas não muda em nada um princípio que está errado à partida (aqui para nós, errado ou não, há CD que no Krell KPS28c soam melhor que SACD, mas isso é outra história). Passar de dois canais para seis canais é apenas dourar a pílula. O DVD-Audio soa bem, sem dúvida, mas é um SOS: «same old shit»; o SACD é algo de revolucionário e diferente.
Nota: as revoluções raramente vingam e o DVA-Audio tem a apoiá-lo o «imperialismo» americano (Dolby, Warner, etc.), pelo que arrisco-me a ter de engolir um sapo vivo para poder continuar a escrever sobre áudio.
SACD: anti-pirata
Ao contrário do que se pensa, a DSD não foi inventada pela Sony que se limitou a pôr em prática uma teoria idealizada há cerca de dez anos pela DBX, uma empresa da Califórnia. Insatisfeitos com os resultados obtidos pelo PCM, os engenheiros da DBX concluíram que em vez de ir buscar 44.100 vezes por segundo «nacos de 16-bit», leia-se «amostras» a partir das quais se pretende reconstruir matematicamente um sinal contínuo no tempo, tendo fé que «nos intervalos» ele não tenha mudado assim tanto, talvez fosse melhor ir lá mais vezes buscar «migalhas» (1-bit), mantendo sob «vigilância» constante todos os movimentos do sinal. Por constante, entenda-se: dois milhões e oitecentas mil vezes por segundo! Só faltava um suporte para meter lá toda esta informação: os novos discos de alta densidade de que o SACD é uma das variantes; a outra é o DVD.
A Sony e a Philips uniram-se de novo para tornar o SACD possível. Contudo, um ano depois do lançamento oficial ainda só há 200 discos editados e o excelente site onde pode ouvir excertos dos discos antes de os encomendar só tem 54 títulos disponíveis - dos quais só 10 valem a pena comprar. Isso é que me irrita. É como pôr o ovo debaixo da galinha e deixar depois o pinto morrer já com a cabeça de fora. E o problema é exactamente esse: faltam chocadeiras. A maior parte dos estúdios está à espera de equipamento de registo e mistura para poder começar a trabalhar. Dentro de um ano, iremos assistir a um «boom» do SACD. O novo formato não é apenas sonicamente superior, é imune à pirataria, e isso é música para os ouvidos das editoras e dos artistas tão castigados pelo MP3. Mesmo que alguém conseguisse entrar no sistema anti-cópia (segundo a Sony teria de ter acesso à matriz original e seria rapidamente detectado) ficaria nos braços com um ficheiro de 5GB! Com a actual velocidade na Internet era precisa quase uma semana para fazer o «download»...
Audiófilos de todo o mundo, uni-vos: o SACD é a revolução do som digital no seu estado puro.