ABRAÇO. O gesto do abraço apaixonado parece preencher, num momento, para o sujeito, o sonho da união total com o ser amado.
Para o audiófilo há este outro abraço que é um enlace imóvel: estamos encantados, enfeitiçados: é o momento das canções cantadas, o momento da voz que me vem fixar, siderar: todos os momentos estão abolidos, pois parecem definitivamente realizados. O Yba Passion Intégré parece-me perfeito. Definitivo.
ADORÁVEL. Não conseguindo atribuir um nome à especialidade do seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado decide-se por esta palavra um pouco tola: adorável!
Tocado pela impressão da audição da noite anterior, acordo angustiado por um pensamento feliz: o som estava fantástico ontem. E hoje? Vejo-me já na contingência de ter de viver dessa recordação: o brilho, a beleza luminosa, o esplendor do som. Cruzo-me ao longo da vida com centenas de amplificadores. Dessas centenas, não amo senão um? Tal escolha, que apenas contempla o Único, estabelece - diz-se - a diferença entre a transferência analítica e a transferência de amor. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes e, sobretudo, muitas tentativas, para que eu encontrasse a imagem estereofónica que, entre mil, convém ao meu desejo.
AFIRMAÇÃO. Perante e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.
O mundo obriga todo o empreendimento crítico a uma alternativa: é bom ou é mau? Digo bem ou digo mal? Permitam-me utilizar uma lógica contraditória: o que me anima nada tem de táctico; não me interessa se é verdadeiro ou falso; oiço música por amor a ela, sem uma finalidade definida. Devia escrever uma crítica e, em vez disso, escrevo uma carta de amor, ridícula e inútil como todas as cartas de amor. Nascido na crítica áudio, não podendo exprimir-me senão com o auxílio dos meus códigos gastos, estou condenado à minha própria filosofia.
ALTERAÇÃO. Aparecimento breve, no campo do amor, de uma contra-imagem do objecto amado. Devido a ínfimos incidentes ou a leves traços, o sujeito vê a boa Imagem subitamente alterar-se e transformar-se.
O discurso de amor é, normalmente, um envelope liso colado à Imagem, uma luva macia
que rodeia o ser amado. É um discurso devoto, cheio de bons sentimentos. Quando a
Imagem se altera, dilacera-se o envelope da devoção: um tremor modifica a minha própria
linguagem. Fiquei com a impressão de que já ouvi esta canção cantada de forma mais
enérgica, mais determinada. E o grave pareceu-me um pouco redondo.
ANGÚSTIA. A angústia de amor é o receio de uma perda, de um abandono, que já se verificou
desde a origem do amor.
O medo de o perder desvanece-se. Há, por certo, outros amplificadores capazes de satisfazer este meu desejo de perfeição.
ANULAÇÃO. É o amor que o sujeito ama, não o objecto.
Posso respirar descansado. O que eu amo noYba Passion Intégré é a música. E a música ficará
depois de ele partir. Mas será a mesma música? Sinto-me culpado e censuro-me por
deixá-lo partir. Dá-se uma reviravolta: procuro acabar com tal anulação, obrigo-me a sofrer
de novo. Mozart volta para mais um encore. Yves-Bernard André é um audiófilo apaixonado. Engenheiro competente, podia trabalhar numa multinacional. Mas não. Prefere a ascese, o despojamento de quem vive de e para o amor. Não a um objecto. Que é um mero objecto de desejo: caro, quase inacessível. Mas a uma causa: a da música. Por ela assume a negação do que os outros consideram racional: os outros são os «sistemati», a que se refere Barthes nos «Fragmentos» (1).
O «sistema» pressupõe que os amplificadores integrados se construam à volta de um transformador toroidal, tenham um potenciómetro razoavelmente linear a níveis baixos de volume e funcionem em classe A/B. O «Intégré», a última adição da Yba à série de referência «Passion», composta por amplificadores monoblocos, estéreo e um pré-amplificador, utiliza os menos vulgares (são quatro vezes mais caros) transformadores de núcleo em duplo C. Não um mas dois. «Soam melhor», garante André: a saúde das entranhas do corpo determina a pureza da alma? Eliminou também o potenciómetro de volume convencional, seja ele analógico ou digital, substituindo-o por um atenuador de resistências de precisão.
O resultado em termos de transparência justifica o inconveniente do «caminho das pedrinhas», pequenos clics em curtos passos de gueixa; chegados ao destino - o volume exacto - a vantagem é determinante: é como se não existisse nada entre o ponto de partida e o ponto de chegada- e, de facto, quase não há.
O controlo remoto em metal de liga leve que o acompanha deve ser comum ao pré-amplificador pois exibe funções não-activadas no «Intégré», que, aliás, pode funcionar como prévio: aqui fica-se pela selecção de fontes, volume e mute. Balanço (equilíbrio entre canais) e Fase estão lá, mas aos costumes dizem nada. «C'ést dommage»: adoro brincar com a fase absoluta, na minha busca pelo absoluto. Com o volume no mínimo, o «Intégré» fecha os olhos calmos cor de chá de tília (a moldura luminosa do logotipo apaga-se). Como se ela nos dissesse: não queres ouvir a minha voz, retiro-me para não te perturbar. O amor também é isso: dar espaço físico ao tempo do espírito.
Os Yba Passion têm uma classe à parte: Classe Alpha. É uma espécie de fusão fria do átomo: o calor da paixão sem o suor. A fonte de alimentação funciona em Classe A pura; o andar de saída, contudo, adequa a potência disponível às necessidades do sinal musical.
O «Intégré» é «cool» e deixa a música brilhar sem lhe sobrepor a coloração típica da realimentação negativa. Não é um amplificador romântico, na doçura do primeiro amor ou na violência das emoções à solta: falta-lhe a estrutura muscular para lidar com grandes massas orquestrais como as Martin-Logan Odyssey, malgré os 170W sobre 4 ómios. A coerência das Thiel 1.6 e a musicalidade intrínseca das Sonus Faber Amator II são, suponho, um melhor ponto de partida para a criação de um sistema afectivo. Eu vejo Yves-Bernard André como um Mozart que troça das convenções da época e, despojando-se pouco a pouco da ornamentação barroca, nos dá uma filosofia de domínio formal e conteúdo expressivo com um efectivo orquestral reduzido.
Eu amo-te não é uma frase: não transmite um sentido; mas prende-se a uma situação limite: aquela em que, segundo Lacan, o sujeito está suspenso numa relação especular com o outro. Eu amo-te é, para Barthes, uma holofrase. Tão holográfica como a imagem acústica do Yba Passion Intégré. «Je t'aime». O «Intégré» é a paixão em estado puro. O objecto, em si, não justifica o preço? «Amar não existe no infinito: o sujeito e o objecto atingem a palavra ao mesmo tempo que esta é proferida». O Intégré é um objecto performativo: só existe no acto de proferir a palavra, leia-se, a música. É aí - e apenas aí - que está o seu valor.
(1) Roland Barthes, «Fragmentos de um discurso amoroso», Signos 17, edições 70.
Yba Passion Intégré: só para quem ama
Para o audiófilo há este outro abraço que é um enlace imóvel: estamos encantados, enfeitiçados: é o momento das canções cantadas, o momento da voz que me vem fixar, siderar: todos os momentos estão abolidos, pois parecem definitivamente realizados. O Yba Passion Intégré parece-me perfeito. Definitivo.
ADORÁVEL. Não conseguindo atribuir um nome à especialidade do seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado decide-se por esta palavra um pouco tola: adorável!
Tocado pela impressão da audição da noite anterior, acordo angustiado por um pensamento feliz: o som estava fantástico ontem. E hoje? Vejo-me já na contingência de ter de viver dessa recordação: o brilho, a beleza luminosa, o esplendor do som. Cruzo-me ao longo da vida com centenas de amplificadores. Dessas centenas, não amo senão um? Tal escolha, que apenas contempla o Único, estabelece - diz-se - a diferença entre a transferência analítica e a transferência de amor. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes e, sobretudo, muitas tentativas, para que eu encontrasse a imagem estereofónica que, entre mil, convém ao meu desejo.
AFIRMAÇÃO. Perante e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.
O mundo obriga todo o empreendimento crítico a uma alternativa: é bom ou é mau? Digo bem ou digo mal? Permitam-me utilizar uma lógica contraditória: o que me anima nada tem de táctico; não me interessa se é verdadeiro ou falso; oiço música por amor a ela, sem uma finalidade definida. Devia escrever uma crítica e, em vez disso, escrevo uma carta de amor, ridícula e inútil como todas as cartas de amor. Nascido na crítica áudio, não podendo exprimir-me senão com o auxílio dos meus códigos gastos, estou condenado à minha própria filosofia.
ALTERAÇÃO. Aparecimento breve, no campo do amor, de uma contra-imagem do objecto amado. Devido a ínfimos incidentes ou a leves traços, o sujeito vê a boa Imagem subitamente alterar-se e transformar-se.
O discurso de amor é, normalmente, um envelope liso colado à Imagem, uma luva macia
que rodeia o ser amado. É um discurso devoto, cheio de bons sentimentos. Quando a
Imagem se altera, dilacera-se o envelope da devoção: um tremor modifica a minha própria
linguagem. Fiquei com a impressão de que já ouvi esta canção cantada de forma mais
enérgica, mais determinada. E o grave pareceu-me um pouco redondo.
ANGÚSTIA. A angústia de amor é o receio de uma perda, de um abandono, que já se verificou
desde a origem do amor.
O medo de o perder desvanece-se. Há, por certo, outros amplificadores capazes de satisfazer este meu desejo de perfeição.
ANULAÇÃO. É o amor que o sujeito ama, não o objecto.
Posso respirar descansado. O que eu amo noYba Passion Intégré é a música. E a música ficará
depois de ele partir. Mas será a mesma música? Sinto-me culpado e censuro-me por
deixá-lo partir. Dá-se uma reviravolta: procuro acabar com tal anulação, obrigo-me a sofrer
de novo. Mozart volta para mais um encore. Yves-Bernard André é um audiófilo apaixonado. Engenheiro competente, podia trabalhar numa multinacional. Mas não. Prefere a ascese, o despojamento de quem vive de e para o amor. Não a um objecto. Que é um mero objecto de desejo: caro, quase inacessível. Mas a uma causa: a da música. Por ela assume a negação do que os outros consideram racional: os outros são os «sistemati», a que se refere Barthes nos «Fragmentos» (1).
O «sistema» pressupõe que os amplificadores integrados se construam à volta de um transformador toroidal, tenham um potenciómetro razoavelmente linear a níveis baixos de volume e funcionem em classe A/B. O «Intégré», a última adição da Yba à série de referência «Passion», composta por amplificadores monoblocos, estéreo e um pré-amplificador, utiliza os menos vulgares (são quatro vezes mais caros) transformadores de núcleo em duplo C. Não um mas dois. «Soam melhor», garante André: a saúde das entranhas do corpo determina a pureza da alma? Eliminou também o potenciómetro de volume convencional, seja ele analógico ou digital, substituindo-o por um atenuador de resistências de precisão.
O resultado em termos de transparência justifica o inconveniente do «caminho das pedrinhas», pequenos clics em curtos passos de gueixa; chegados ao destino - o volume exacto - a vantagem é determinante: é como se não existisse nada entre o ponto de partida e o ponto de chegada- e, de facto, quase não há.
O controlo remoto em metal de liga leve que o acompanha deve ser comum ao pré-amplificador pois exibe funções não-activadas no «Intégré», que, aliás, pode funcionar como prévio: aqui fica-se pela selecção de fontes, volume e mute. Balanço (equilíbrio entre canais) e Fase estão lá, mas aos costumes dizem nada. «C'ést dommage»: adoro brincar com a fase absoluta, na minha busca pelo absoluto. Com o volume no mínimo, o «Intégré» fecha os olhos calmos cor de chá de tília (a moldura luminosa do logotipo apaga-se). Como se ela nos dissesse: não queres ouvir a minha voz, retiro-me para não te perturbar. O amor também é isso: dar espaço físico ao tempo do espírito.
Os Yba Passion têm uma classe à parte: Classe Alpha. É uma espécie de fusão fria do átomo: o calor da paixão sem o suor. A fonte de alimentação funciona em Classe A pura; o andar de saída, contudo, adequa a potência disponível às necessidades do sinal musical.
O «Intégré» é «cool» e deixa a música brilhar sem lhe sobrepor a coloração típica da realimentação negativa. Não é um amplificador romântico, na doçura do primeiro amor ou na violência das emoções à solta: falta-lhe a estrutura muscular para lidar com grandes massas orquestrais como as Martin-Logan Odyssey, malgré os 170W sobre 4 ómios. A coerência das Thiel 1.6 e a musicalidade intrínseca das Sonus Faber Amator II são, suponho, um melhor ponto de partida para a criação de um sistema afectivo. Eu vejo Yves-Bernard André como um Mozart que troça das convenções da época e, despojando-se pouco a pouco da ornamentação barroca, nos dá uma filosofia de domínio formal e conteúdo expressivo com um efectivo orquestral reduzido.
Eu amo-te não é uma frase: não transmite um sentido; mas prende-se a uma situação limite: aquela em que, segundo Lacan, o sujeito está suspenso numa relação especular com o outro. Eu amo-te é, para Barthes, uma holofrase. Tão holográfica como a imagem acústica do Yba Passion Intégré. «Je t'aime». O «Intégré» é a paixão em estado puro. O objecto, em si, não justifica o preço? «Amar não existe no infinito: o sujeito e o objecto atingem a palavra ao mesmo tempo que esta é proferida». O Intégré é um objecto performativo: só existe no acto de proferir a palavra, leia-se, a música. É aí - e apenas aí - que está o seu valor.
(1) Roland Barthes, «Fragmentos de um discurso amoroso», Signos 17, edições 70.
Yba Passion Intégré: só para quem ama