Há entre o escriba e a Mcintosh uma inegável empatia. Talvez porque dobrámos ambos já o tormentoso cabo do cinquentenário (feito que eles comemoram e eu tento esquecer). Que também o é da boa esperança. A esperança de que, apesar da evolução imparável do digital no som e na imagem, as velhas válvulas de antanho ainda têm uma sonora palavra a dizer quando se trata de reproduzir música.
Na boa tradição americana, a McIntosh (convém lembrar aos mais novos que não se trata da «Mac» dos computadores da maçã, mas da «Mac Labs» fabricante de amplificadores de som e afins) soube manter toda a cultura iconográfica que distingue os seus produtos: «olhos azuis», vuímetros de agulhas, design retro; e, ao mesmo tempo, garantir a constante evolução tecnológica, na estreita e exclusivista faixa do estado da arte.
Tal como toda a concorrência a nível mundial a McIntosh também apostou na actual tendência para o AV, dito «Cinema Em Casa», tendo este ano em Las Vegas apresentado (e demonstrado) o primeiro processador digital de oito canais. E tem modelos para todos os gostos e necessidades: dos leitores-DVD aos processadores mais sofisticados. Mas não esqueceu o audiófilo purista em-vias-de extinção, que continua ainda a considerar o estéreo em dois canais como a melhor forma de apreciar o vasto espólio musical de todo um século de enorme criatividade. Ora é esta forma de estar no mercado que os distingue dos adoradores de números: os dígitos binários e os outros, os da conta bancária.
O C2200 é o mais esperado preamplificador de todos os tempos. Não só por todos quantos, tendo já comprado o fabuloso amplificador a válvulas MC2000 (ou a versão mais «económica» MC2102), aguardavam impacientes a «noiva» ideal; também por todos aqueles que sabem que um circuito a válvulas com a assinatura do patriarca Sidney Corderman e a inovação electrónica do projectista Roger Stockholm é um acontecimento a nível mundial mesmo para os conhecedores mais exigentes.
Assisti a todas as fases da sua prolongada criação, incluindo a fase radical (que felizmente não vingou) de prescindir de todo o historial estilístico da marca e lançar um modelo em dois chassis com um design novoriquista que pouco se distinguia da concorrência. Alguém deve ter dado um murro na mesa e o bom senso prevaleceu, a ponto de se ter «exagerado» agora na herança genética: o C2200 quase se confunde com os «integrados» da McIntosh, incluindo os familiares vuímetros de agulhas dançantes em fundo azul eléctrico. «Foi uma exigência do público», confessou recentemente Larry Fish. Talvez sejam «agulhas» a mais para quem já as tem também nos amplificadores (com a ilustre excepção do clássico MC275 todos os outros modelos as exibem orgulhosos).
No meu caso, utilizei o C2200 para atacar um amplificador Krell FPB400c com cabos balanceados Siltech e adorei rever aquele bailado hipnótico e luminoso no escuro da sala de audição. Luminosidade é, aliás, a expressão que melhor descreve o cativante desempenho deste preamplificador da McIntosh que, partindo de uma base conservadora no circuito e no estilo, é técnica e ergonomicamente revolucionário.
O C2200 ilumina-se por fora e ilumina-nos por dentro. E não me refiro ao brilho dos olhos azuis, ao mostrador que nos mantém a par de todas as opções: fonte seleccionada, volume, equilíbrio entre canais, «mute», aferição de níveis entre fontes, «pass-through» para o integrar num sistema AV, etc. ( a versatilidade do C2200 é de facto espantosa para um aparelho a válvulas). Não me refiro sequer ao fogo fátuo das válvulas que se acendem no seu interior como o coração de ET. Refiro-me à «luminosidade» do som, à restauração harmónica proporcionada pelas válvulas, como a designou Sam Tellig. A dinâmica musical revelada pelo C2200 é algo de muito raro na minha vasta experiência de analista: os músicos saltam do palco com uma inusitada alacridade, conferindo um entusiasmo contagiante à sua performance. Disco após disco, parti à descoberta de novos sons apresentados de uma forma nova. Talvez porque o ponto de partida é um patamar de silêncio fantasmagórico; nunca ouvi um amplificador a válvulas tão silencioso («O segredo está no andar de atenuação controlado por um microprocessador com 214 posições em passos de 0,5dB!», explica Larry Fish). Ou talvez porque a dinâmica está aqui intimamente associada à referida integridade harmónica. Admito que adequei a tonalidade ao meu gosto pessoal «cortando» mui ligeiramente os agudos, como quem «corta» um uísque (bourbon?) velho de 50 anos com um pouco de água «to bring out the flavour in it». Heresia das heresias!, até os controlos de tonalidade (graves e agudos) cumprem aqui correctamente a sua função. Outros há que soam a água com lixívia em uísque marado.
Se o leitor acidental é um das muitas dezenas de felizes possuidores em Portugal do amplificador MC2000, não hesite em investir no preamplificador C2200. E mesmo os que têm um bom amplificador a transístores, saibam que o desempenho do C2200 chega a ser comprometedor para a fama de alguns dos seus concorrentes high-end.
Quando se liga o C2200, a palavra «warm-up» ilumina-se no mostrador durante 30 segundos, enquanto o filamento das válvulas aquece, tempo durante o qual o prévio está inactivo para evitar ruídos de comutação. Só depois se percebe que é também uma mensagem subliminar para o ouvinte: «Let me warm you up, baby!». «Quentes e boas!» -o pregão tradicional dos vendedores de castanhas aplica-se aqui também aos discos.
Vou sentir saudades desta chama que arde sem se ver e nos acalenta a alma com o conforto quente da música reproduzida no limite da perfeição.
Nota máxima para a beleza, ergonomia e musicalidade intrínseca (e extrínseca!) do preamplificador McIntosh C2200. O preço, nestas circunstâncias, não passa de um mero detalhe. Tenho visto anúncios a relógios bem mais caros. Como se o preço incluísse a possibilidade de parar a marcha inexorável do tempo. Viva antes cada minuto do tempo que lhe resta com um McIntosh C2200.