Quando João Cancela, da Esotérico, me propôs testar um novo rádio fiquei entusiasmado. Afinal eu até já produzi um programa na extinta XFM (lembram-se da Audiofilia Aguda?), e ouvir rádio por dever sempre era uma quebra na rotina da milésima audição dos mesmos discos, essenciais para poder estabelecer termos de comparação entre amplificadores, leitores-CD e processadores.
O Tivoli One chegou e eu pensei: o Cancela deve estar a gozar comigo. Eu, JVH, trato-me diariamente com os melhores equipamentos estéreo e multicanal do mundo e era suposto pronunciar-me sobre os (de)méritos de um radiozeco de trinta contos? Ainda por cima monofónico!... Embora, verdade seja dita, saiba bem, de vez em quando, deixar repousar a artilharia.
Só para fazerem uma ideia tenho aqui pelo chão os despojos do campo de batalha em que se transformou a minha sala de audição: dois (!) conversores Chord DAC 64, Krell Showcase (processador e amplificador), o corrector digital de acústica de salas TACT RCS 2.2 X e o único cabo digital Nordost Valhala existente do lado de cá do Atlântico. Além, claro, do actual sistema residente: Krell KPS25c/FPB 400cx/Martin-Logan Odyssey. Perante um arsenal destes, ouvir o Tivoli One exigia uma preparação psicológica prévia, ou uns copos.
Deixei-o pois ficar para ali moribundo até me recuperar da afronta. Entretanto, fui lendo umas coisas - o Tivoli vinha muito bem recomendado: alguns dos mais famosos críticos do mundo já tinham dito de sua justiça em revistas da especialidade, incluindo os meus amigos Ken Kessler e Wes Philips (www.tivoliaudio.com). Ainda pensei: isto deve ser uma forma simpática de homenagem a Henry Kloss (americano como eles), um dos gurus mundiais do hifi, entretanto falecido, de que o Tivoli é a obra póstuma. A análise de KK, na Hifi News, soava-me mais a epitáfio que a teste e isso só reforçou a minha convicção.
Eu não conheci Henry Kloss, e tinha de haver outra razão para a Esotérico me enviar o «One», quando até podia ter enviado o «Two», que, como é fácil de adivinhar, é a versão estéreo. Mas conheço bem o João Cancela: um grande audiófilo - não destes reciclados à pressa só para fazerem negócio, um audiófilo genuíno, convicto. Daqueles que já ouviram e viram de tudo e começam agora a descobrir que o «highend» é antes de mais uma forma de afirmação pessoal e não uma necessidade existencial, pelo que não lhe caem os parentes na lama se apreciar coisas mais prosaicas.
Quando lhe telefonei perplexo com a inesperada proposta, respondeu com uma simplicidade desarmante: «Tenho um Tivoli One em cima da secretária, oiço rádio todos os dias enquanto trabalho, e gosto. Repousa-me. É só isso que te peço: que oiças!».
Ouvi. E gostei. Repousa-me.
O Tivoli One é uma adorável caixinha de madeira como as que o meu avô, que era carpinteiro, construía com uma paciência de santo, enquanto assobiava baixinho modinhas do tempo dele, com os óculos grossos caídos sobre a ponta do nariz. Chamava-se Maurício o meu avô, e eu adorava recolher as aparas com cheiro a resina da madeira fresca...
Se há um modelo de rádio «retro» é o Tivoli One. Andy Warhol teria gostado do painel azul. A sintonia é manual e analógica: roda-se um botão que faz girar um disco que aponta a frequência seleccionada como um relógio marca a hora, enquanto a luz-piloto cor de âmbar se ilumina em pleno indicando que se «apanhou o posto» desejado, calando o irritante sopro de ruído rosa dos rádios de antigamente: ffffff.
Pff, comentei mentalmente, com o sorriso de desdém das memórias do tempo que passa insinuando-se já no pensamento: tinha um rádio assim quando era miúdo. Só que não soava assim. Acho eu.
O «One» descobre estações de rádio nos cantos mais recônditos do espectro com a precisão de um cão de caça. E fixa-se na presa até o dono o mandar avançar para outra. A tecnologia de recepção utilizada é a mesma dos actuais telemóveis topo de gama: um delicioso anacronismo. Nem precisa de antena! Pode levá-lo consigo para todo o lado: a casa de banho, a cozinha, e até a tenda de campismo (entrada 12V). Também tem AM mas esqueça - só em caso de necessidade.
Quando o sinal é de qualidade, o som resultante é doce, cheio, natural, com as vozes masculinas a soarem encorpadas no limite do «dó de peito». Opte por um espaço aberto: uma estante ou armário favorece o efeito de caixa). Além dos limites físicos impostos pelo reduzido diâmetro do altifalante, um circuito de igualização interna impede que os locutores com voz de tenor soem como barítonos. Genial.
Mas o que me surpreendeu mais foi a sensualidade, presença e doçura da voz das locutoras (vozes roliças como madonas renascentistas), e a carga emocional, tanto no discurso como na música (ah, os pianos!), que o altifalante único transmite ao ouvinte (a ausência do sinal estéreo é uma benção, pois é a principal fonte de ruído nos rádios baratuchos), corroborando as palavras de Mark Levinson quando, em recente entrevista publicada na Stereophile, declarou a propósito dos formatos multicanal: «Ainda não há nada que chegue ao som monofónico...». Assim mesmo, ipsis verbis.
Henry Kloss lá no Céu deve estar a sorrir.
Distribuidor: Esotérico
O Tivoli One chegou e eu pensei: o Cancela deve estar a gozar comigo. Eu, JVH, trato-me diariamente com os melhores equipamentos estéreo e multicanal do mundo e era suposto pronunciar-me sobre os (de)méritos de um radiozeco de trinta contos? Ainda por cima monofónico!... Embora, verdade seja dita, saiba bem, de vez em quando, deixar repousar a artilharia.
Só para fazerem uma ideia tenho aqui pelo chão os despojos do campo de batalha em que se transformou a minha sala de audição: dois (!) conversores Chord DAC 64, Krell Showcase (processador e amplificador), o corrector digital de acústica de salas TACT RCS 2.2 X e o único cabo digital Nordost Valhala existente do lado de cá do Atlântico. Além, claro, do actual sistema residente: Krell KPS25c/FPB 400cx/Martin-Logan Odyssey. Perante um arsenal destes, ouvir o Tivoli One exigia uma preparação psicológica prévia, ou uns copos.
Deixei-o pois ficar para ali moribundo até me recuperar da afronta. Entretanto, fui lendo umas coisas - o Tivoli vinha muito bem recomendado: alguns dos mais famosos críticos do mundo já tinham dito de sua justiça em revistas da especialidade, incluindo os meus amigos Ken Kessler e Wes Philips (www.tivoliaudio.com). Ainda pensei: isto deve ser uma forma simpática de homenagem a Henry Kloss (americano como eles), um dos gurus mundiais do hifi, entretanto falecido, de que o Tivoli é a obra póstuma. A análise de KK, na Hifi News, soava-me mais a epitáfio que a teste e isso só reforçou a minha convicção.
Eu não conheci Henry Kloss, e tinha de haver outra razão para a Esotérico me enviar o «One», quando até podia ter enviado o «Two», que, como é fácil de adivinhar, é a versão estéreo. Mas conheço bem o João Cancela: um grande audiófilo - não destes reciclados à pressa só para fazerem negócio, um audiófilo genuíno, convicto. Daqueles que já ouviram e viram de tudo e começam agora a descobrir que o «highend» é antes de mais uma forma de afirmação pessoal e não uma necessidade existencial, pelo que não lhe caem os parentes na lama se apreciar coisas mais prosaicas.
Quando lhe telefonei perplexo com a inesperada proposta, respondeu com uma simplicidade desarmante: «Tenho um Tivoli One em cima da secretária, oiço rádio todos os dias enquanto trabalho, e gosto. Repousa-me. É só isso que te peço: que oiças!».
Ouvi. E gostei. Repousa-me.
O Tivoli One é uma adorável caixinha de madeira como as que o meu avô, que era carpinteiro, construía com uma paciência de santo, enquanto assobiava baixinho modinhas do tempo dele, com os óculos grossos caídos sobre a ponta do nariz. Chamava-se Maurício o meu avô, e eu adorava recolher as aparas com cheiro a resina da madeira fresca...
Se há um modelo de rádio «retro» é o Tivoli One. Andy Warhol teria gostado do painel azul. A sintonia é manual e analógica: roda-se um botão que faz girar um disco que aponta a frequência seleccionada como um relógio marca a hora, enquanto a luz-piloto cor de âmbar se ilumina em pleno indicando que se «apanhou o posto» desejado, calando o irritante sopro de ruído rosa dos rádios de antigamente: ffffff.
Pff, comentei mentalmente, com o sorriso de desdém das memórias do tempo que passa insinuando-se já no pensamento: tinha um rádio assim quando era miúdo. Só que não soava assim. Acho eu.
O «One» descobre estações de rádio nos cantos mais recônditos do espectro com a precisão de um cão de caça. E fixa-se na presa até o dono o mandar avançar para outra. A tecnologia de recepção utilizada é a mesma dos actuais telemóveis topo de gama: um delicioso anacronismo. Nem precisa de antena! Pode levá-lo consigo para todo o lado: a casa de banho, a cozinha, e até a tenda de campismo (entrada 12V). Também tem AM mas esqueça - só em caso de necessidade.
Quando o sinal é de qualidade, o som resultante é doce, cheio, natural, com as vozes masculinas a soarem encorpadas no limite do «dó de peito». Opte por um espaço aberto: uma estante ou armário favorece o efeito de caixa). Além dos limites físicos impostos pelo reduzido diâmetro do altifalante, um circuito de igualização interna impede que os locutores com voz de tenor soem como barítonos. Genial.
Mas o que me surpreendeu mais foi a sensualidade, presença e doçura da voz das locutoras (vozes roliças como madonas renascentistas), e a carga emocional, tanto no discurso como na música (ah, os pianos!), que o altifalante único transmite ao ouvinte (a ausência do sinal estéreo é uma benção, pois é a principal fonte de ruído nos rádios baratuchos), corroborando as palavras de Mark Levinson quando, em recente entrevista publicada na Stereophile, declarou a propósito dos formatos multicanal: «Ainda não há nada que chegue ao som monofónico...». Assim mesmo, ipsis verbis.
Henry Kloss lá no Céu deve estar a sorrir.
Distribuidor: Esotérico