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2003

Big Brother




Os tempos estão a mudar. Agora já ninguém dispensa um mergulho no que de mais baixo a música tem para oferecer. E ninguém vê nada de grave nisso.



Pronto, confesso que só me servi do título para vos chamar a atenção. O meu reino não é deste mundo. O meu mundo é o do som - não o da imagem. Ainda menos o da televisão, embora seja um consumidor compulsivo de filmes em DVD. Por Big Brother aqui deve entender-se o «subwoofer», essa ovelha negra dos sistemas AV que ninguém sabe onde há-de colocar na sala, apesar do manual afirmar que se pode colocar «anywhere in the room».


O outro, o da TVI, é um ritual mediático para voyeuristas mutantes. Porque o verdadeiro voyeur obtém o prazer partindo do pressuposto que a vítima não sabe que está a ser vista, o que não é manifestamente o caso aqui - estes querem mesmo ser vistos, e por quanto mais gente melhor. Por outro lado, o voyeur é um solitário por natureza - o Big Brother é visto em família por milhões de pessoas que ganharam o mau hábito de espreitar pela janela para dentro da casa do vizinho que, nas cidades, fica à distância de um braço, de um olhar.


O subwoofer e o nome pelo qual os anglo-saxónicos, que dão cartas nesta coisa do hifi - como em tudo o resto, aliás -, designam a unidade activa de sub-graves, com o qual se tira a inocência à nossa música preferida, tornando-a violenta, visceral, física. Regra geral não passa de um caixote quadrado, grande, feio e preto, como se ter voz de bagaço já não fosse suficiente. E deve ser colocado no ponto da sala onde com o mesmo volume toca mais alto - normalmente um canto. Isto para aplicações video. Para ouvir música, aconselho a desligá-lo, ou então coloque-o ao centro e um pouco atrás da linha das colunas de som que devem ser desligadas na fase de afinação. Ponha a tocar um disco com forte conteúdo de graves (a banda sonora de Gladiator, por exemplo) e baixe o volume do subwoofer até que mal se oiça - um múrmúrio cavo e rouco é quanto basta. Agora já pode ligar o par principal de colunas e ouvir música. Os graves profundos devem ouvir-se como se não estivessem lá, estando - como o Big Brother...


Ultimamente está a acontecer com o hifi o contrário do que durante séculos aconteceu com o vestuário. A aristocracia primeiro, a burguesia depois sempre se vestiram de uma determinada maneira até que a roupa começou a ser utilizada pelos criados: o libré, a casaca, o «smoking», etc. Depois partem para outra, porque não gostam de misturas, ou então o círculo fecha-se e os ricos passam a usar a roupa dos pobres e trabalhadores - o melhor exemplo são as jeans.


Sonus Faber, sistema AV: Grand Piano, Solo, Concertino, Gravis


O «surround» era chinesice de hipermercado para o pessoal do subúrbio: uma televisão grande com colunas miniatura de colocar atrás nas paredes da barraca - a electricidade roubava-se no poste mais próximo. Hoje os melhores «costureiros» italianos, como é o caso da Sonus Faber, um dos mais famosos fabricantes de altafidelidade, dedicam-se ao AV Surround como forma de sobreviver, porque os audiófilos puros e duros como eu estão em vias de extinção e os filhos preferem o MP3.


Mas a quem sabe nunca esquece e a classe, o design, a qualidade dos acabamentos mantém-se como uma herança genética. É um facto que até as fotos de promoção são mais informais (atente-se na camisola negligentemente abandonada sobre as costas do sofá), mas é óbvio que o público alvo é o da classe média alta (foto tirada em casa de Cesare Bevilacqua, roam-se de inveja). E, contudo, a base do sistema é composta por dois pares de belissimas Sonus Faber Concertino, com painéis laterais em madeira natural de cerejeira e fronte em cabedal rugoso para melhor dispersão dos reflexos resultantes da actividade frenética do tweeter.


As Concertino, não sendo propriamente «roupa de trabalho» (eu tenho um par e mesmo quando não estão a tocar só de as afagar dá-me gozo), também não custam tanto como um vestido de alta-costura. Acrescente-se um «subwoofer» Gravis - um nome mais adequado seria difícil de encontrar - todo ele forrado a cabedal e com altifalantes múltiplos (repare que se tentou evitar a uniformidade cubista) e uma coluna central de design veneziano, e temos um sistema que é uma obra de arte audio-decorativa: para ricos armados em pobres ou pobres armados em ricos. O Gravis funciona aqui como um irmão mas velho que faz todo o trabalho pesado abaixo dos 200Hz e deixa as Concertino brilhar como adolescentes de saltos altos num baile de finalistas.


O ecrã plano de plasma é a cereja no bolo, o toque de exibicionismo novo-riquista. Mas quem não gostava de ter um...


Distribuidor: Imacústica

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