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2003

Martin Logan Clarity: O Amigo Americano



Quem vê/ouve uma coluna electrostática Martin-Logan pela primeira vez não consegue evitar uma expressão de choque, de espanto mesmo («Shock and Awe»), e não de pavor como por aí se traduziu: «Mas de onde vem o som?», pergunta-se em desespero de causa.


Uma membrana plástica transparente tornada condutora por vaporização vibra entre dois eléctrodos (a grelha exterior em forma de favo no caso das Martin-Logan) atraída/repelida por uma corrente eléctrica modulada pelo sinal musical. Não tem nada de mágico e a tecnologia é conhecida desde os anos 40 do século passado, sendo a famosa Quad 63 a sua máxima expressão. Mas a Quad era (e continua a ser na nova versão) uma viúva vestida de negro, de rosto tapado, sem graça e sem cintura, e um mamarracho em termos decorativos.


Gayle Sanders, o presidente da Martin-Logan, conseguiu tornar as colunas electrostáticas leves, frescas, atraentes, sensuais e elegantes, despindo-as. Ouve-se e vê-se através delas, o que torna a sua audição numa experiência fantástica. Alguma vez despiu a música com os olhos para excitar os ouvidos?...


O melhor som electrostático que já ouvi foi em Paris, a partir de umas Quad nuas, isto é, sem grelha de protecção, com amplificação Jadis. Mas ao expor-lhes as partes pudendas e horrendas, expomo-nos também nós ao perigo do choque das tensões internas letais. As Martin-Logan exibem-se em pêlo sem vergonha e sem que um manto diáfano de fantasia sequer as cubra para assim melhor podermos apreciar a nudez crua da verdade musical. Os eléctrodos por onde flui a seiva eléctrica estão expostos mas o isolamento é tão eficaz que as podemos beijar sem receio. E vontade não nos falta depois de as ouvirmos cantar...


Gayle Sanders não se dedicou apenas a melhorar os aspectos estéticos. Eliminou uma a uma todas as fragilidades funcionais que caracterizam as colunas electrostáticas, nomeadamente as limitações de potência e de ausência de graves. As Martin-Logan são quase indestrutíveis e atingem níveis de pressão sonora que fazem justiça a todos os géneros musicais e bandas sonoras, mesmo, hélas, as de filmes de guerra. Também da morte se faz o espectáculo do cinema e da televisão.


Gayle conseguiu ainda um outro feito notável: casar um painel electrostático (médios e agudos) com um altifalante convencional (graves). Todos os modelos Martin-Logan são assim híbridos (com excepção das CLS II). Uma proeza genética só comparável à reprodução em cativeiro dos tigres e leões brancos de Siegfried and Roy e com resultados igualmente mágicos, atingindo o auge com as Odyssey, que utilizo como minha referência actual, sobre as quais escrevi aqui:


«Durante anos tentei sem sucesso a cópula perfeita entre um painel electrostático Schackman e um altifalante de graves Kef. Os meus ouvidos estão assim particularmente bem sintonizados para os efeitos perversos da discontinuidade. Talvez por isso, nunca fui um fanático das ML. Apanhava-as sempre em falta na passagem do testemunho: aquela terra de ninguém onde uma membrana, fina e leve como o ar, é obrigada a abrir mão do direito inalienável da música de respirar livremente face ao poder ditatorial do altifalante convencional que, escondido na toca acústica, revela a opacidade do seu carácter. Até na música impera a diplomacia da força! Mas eis que a odisseia da ML na busca do velo de ouro do som termina onde as Odyssey começam. As águas puras, transparentes e claras do rio de registos agudos e médios desaguam agora num oceano profundo de graves sem que a rica fauna de sons se ressinta das inevitáveis diferenças de temperatura tonal. É agora necessário subir muito alto, como na fotografia aérea, para conseguir detectar a zona de transição na foz do piano, no delta das vozes e no estuário de violoncelos e guitarras».


Clarity é como se chama o novo modelo da Martin-Logan. Uma claridade que não se fica pelo nome: é a mais transparente de todas as Martin-Logan, de uma transparência visual e acústica proporcionada pela utilização de uma nova grelha de malha mais fina e de «espaçadores» que quase se confundem com a delicada membrana que lhe dá a voz. É também a primeira a utilizar alimentação de baixa tensão (liga-se à corrente de sector por meio de um pequeno tranformador) e a introduzir a tecnologia NAC (natural ambience compensation) de dispersão horizontal dos agudos, que consiste na montagem de um pequeno «tweeter» de cúpula mole sobre a caixa de graves, na parte de trás do painel electrostático, para compensar a excessiva direccionalidade que resulta da redução das dimensões da membrana. O NAC pode ligar-se ou desligar-se introduzindo um lápis ou caneta num orifício. Segundo pode ler-se no manual, o NAC só tem efeito nas audições «off-axis», melhorando a percepção dos registos agudos para quem está sentado, portanto, fora do eixo de irradiação. Não era o meu caso. Talvez por isso eu tenha preferido sempre ouvir as Clarity sem os «efeitos» do NAC, que serão mais apropriados para configurações de cinema em casa.


Para a reprodução dos graves, Gayle optou por um altifalante ultrarápido de liga leve de alumínio montado numa caixa acústica cilíndrica do tipo «reflex», que se mantém activo na zona crítica dos 900Hz (corte aos 450Hz) para compensar a diminuição da área do painel, denunciando a sua presença em instrumentos como o violoncelo. Contudo, de uma maneira geral a transição faz-se com enorme sucesso, conferindo ao inacreditável poder de resolução, velocidade e dinâmica do som reproduzido pela nova membrana, obtida por microvaporização de grafite em ambiente de gás argon sobre um substrato de polietileno, uma inusitada robustez e corpo sem perda de... claridade: as Clarity soam mais cheias e sólidas que algumas das suas irmãs mais velhas. Merecem, pois, uma forte e...clara recomendação.


As Clarity tanto podem ser utilizadas como par principal numa configuração estéreo como integradas num sistema AV de som «Surround». Para ouvir Super Audio CD em toda a sua glória sugiro 5xClarity+2xDepth (subwoofer). Isso mesmo, Clarity como «central» também!


Recentemente, Gayle Sanders casou com Debbie, que foi durante anos secretária de Ricardo Franassovici, o maior importador europeu de equipamento highend americano. Clarity é claramente fruto dessa união: há aqui uma intenção clara de agradar à mulher. Mulher no sentido lato também: a Clarity não é apenas leve, pequena, fácil de transportar e de colocar, é também um exemplo de beleza, imaginação e inovação tecnológica. Que sejam muito felizes e tenham muitos meninos. Destes e dos outros também.

Distribuidor: Imacústica

Martin Logan Clarity - O amigo americano - DNA/DN Abr2003


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