Numa cidade onde a Torre Eiffel, a Esfinge de Gizé e a Ponte de Rialto, sendo a brincar, são a sério, o campo é fértil para os «impersonators», ou seja, anónimos que, por devoção ou a troco de uns cobres, se fazem passar por pessoas famosas. Há a Cleópatra e o Júlio César, ou o mais vulgar Elvis, o ícone dos ícones da cultura americana. Em Las Vegas, há tantos Elvis que, se voltasse à terra, ninguém ia acreditar que era ele...
É neste grandioso cenário de fantasia que todos os anos, em Janeiro, se realiza a CES, a maior feira de electrónica de consumo do mundo, algo que de tão gigantesco é impossível a uma única pessoa cobrir na integra: 2.500 empresas exibiram mais de 15.000 produtos em 400.000 metros quadrados perante 130.000 profissionais. Os hotéis estavam a abarrotar, os voos sobrelotados e os restaurantes tinham bichas enormes à porta. Portabilidade, conectividade e interactividade foram os temas deste ano que assistiu ao triunfo dos ecrãs de plasma e LCD: maiores, mais nítidos e mais brilhantes. E a digitalização total do lar. Qual o papel do áudio highend neste contexto? (ver artigos relacionados).
Na CES, as multinacionais investem milhões em stands faraónicos e promoção paralela. As empresas mais pequenas têm pois de puxar pela imaginação para atrair os media. A D2Audio, que ninguém conhece, contratou a famosa personagem Austin Powers, ou o diabo por ele!, mais as suas diabinhas... A festa decorreu no Ghost Bar, com vista sobre a cidade, os copos brilhavam no escuro e o sistema de som era inenarrável (as colunas só tinham os tweeters a tocar) - em casa de ferreiro...
Mas com a Marilyn Monroe a tirar fotografias com os convidados e as «girls» do Austin a passearem os atributos por entre as mesas ninguém deu por nada...
Ao contrário de Elvis, Tom Jones, o próprio, continua «alive and kicking» no MGM, e anuncia-se para breve Elton John no ecrã gigante do Ceasar's Palace. Las Vegas tornou-se num cemitério de elefantes, onde as grandes vedetas vão depositar os ossos depois de uma longa carreira.
Céline Dion actua no Colosseum, do Ceasar's Palace. Os bilhetes estão esgotados mesmo os de 200 euros e os candongueiros assediam as pessoas que esperam nas bichas por uma sobra milagrosa. Lá como cá. Detectores de metais (e telemóveis) e revista aos espectadores à entrada. Menos cá do que lá: o código laranja a tanto obriga. O espectáculo é magnífico e os cenários virtuais de Dragone, criados por projecção de vídeo e laser tridimensional, são deslumbrantes. Céline está em grande forma e a sua capacidade física chega a ser inacreditável: corre, canta (que voz!) e dança num palco gigantesco como se fosse a jovem Britney Spears. Não dá uma fífia e nunca fica ofegante, mesmo quando tem de subir escadas por imposição cenográfica. Como é possível alguém exibir diariamente aquela pirotecnia vocal durante os três anos do contrato? De tal forma que cheguei a pensar se não seria «play-back». Eis como em Las Vegas mesmo aquilo que é, pode afinal não ser...
A Monster, o maior fabricante de cabos para áudio e vídeo do EUA, ofereceu o verdadeiro Santana aos seus convidados, num dos salões do sumptuoso Hotel Paris. Milhares de pessoas empurraram-se para entrar. A segurança era apertada. E havia discussões por causa de uma cadeira. E para quê? O som estava tão alto que o pedal da bateria parou-me a digestão. A distorção toldou-me a razão. E o espectáculo magoou-me o coração. Se este é o verdadeiro Santana, eu prefiro a cópia em DVD: soa muito melhor no meu sistema. À segunda canção atirei a toalha para o chão...
Habituámo-nos de tal forma à realidade virtual que nos é proporcionada pela actual tecnologia áudio e vídeo que, quando somos confrontados com a realidade factual, sofremos com a comparação.
Por outro lado, não acredito que Mike Myers, o verdadeiro Austin Powers, se prestasse a animar uma festa privada; nem nunca teria sido possível ficar com os lábios de Marilyn marcados a batôn-rouge no meu rosto: «Call me Norma. Yeah, baby. Groovy…»