Mas primeiro era preciso «viciar» uma geração inteira nos «downloads», ao mesmo tempo que se fazia passar a ideia de benévola tolerância ou de que não era possível combater eficazmente a «pirataria». A impossibilidade de levar a banda larga a todo o lado exigia que se educassem primeiro os «ouvidos» para aceitar como «CD-quality» o som resultante dos algoritmos de compressão do MP3 e afins (WMA, AAC, Ogg Vorbis, FLAC, etc.). É esta geração que, embora disponha agora de meios económicos, continua a fazer «downloads» pelo gozo que dá, a partir de «sites» legítimos que tornaram a «iTunes Music Store» um sucesso de vendas (100 milhões de downloads em poucos meses) quando podiam sem problemas comprar o disco. Reparem que a 90 cêntimos por faixa a cópia fica quase pelo preço do CD original.
O iPod/Mac (não-compatível com ficheiros WMA) é utilizado nos EUA por jovens profissionais da classe média alta «viciados» na net mas que não querem chatices com a polícia. Está aberto o caminho para a globalização, leia-se, para o fabuloso mercado da música em comprimidos digitais: Connect, MusicMatch, Pressplay, RealPlayer, et alia, os «sites» legítimos multiplicam-se. O negócio deve ser bom porque a Apple já processou a RealNetwork apenas por ter disponibilizado software (Harmony) que permite registar ficheiros da Real no seu iPod.
DROGA LEVE
A RIAA achou que tinha chegado a altura de lançar uma campanha intimidatória nos EUA, processando em tribunal a torto e a direito quem ousasse «sacar» música da net e atacando onde dói mais: estudantes e jovens de menor idade processados através das universidades e dos pais, criando um clima de medo, ao mesmo tempo que deixava no ar uma sugestão paternalista: «Ensine os seus filhos a fazer downloads legais: é fácil, é barato e dá (-nos) milhões. Aproveite e faça você também». O facto de o «Napster» ter sido «recuperado» contribuiu ainda para esta ideia reformista de «legalização da música na net». Tal como os laboratórios que ganham agora milhões com drogas de substituição como a metadona. Quanto aos P2P (peer-to-peer) e outros sites activos como o Morpheus e o LimeWire são brindados com ficheiros falsos (spoofs) criados por uma empresa de NY chamada Overpeer Inc. Mais de 30.000 discos já foram assim protegidos de 200 milhões de tentativas de download por mês ao oferecer aos «piratas» gato doente por lebre. De um lado temos agora o Gnutella e o Kazaa a tentar dar a volta ao problema; do outro o Congresso americano que autorizou as empresas que se sintam prejudicadas a «empastelar» os servidores dos P2P com milhões de pedidos falsos se os «spoofs» não resultarem.
LÁGRIMA DE CROCODILO
Como sempre as multinacionais deram a volta por cima e deixaram o mercado com o sentimento de culpa e a ameaça velada. O choro colectivo pela queda de vendas dos CD parece nunca ter passado afinal de lágrimas de crocodilo. Esta deve-se mais aos preços artificialmente inflaccionados do CD e ao sucesso do DVD e dos jogos de computador que à Internet, que acaba até por funcionar como promoção. O DVD está ainda em relativo estado de graça até a banda larga chegar a todo o lado e facilitar também a troca de ficheiros de vídeo de qualidade. O que o futuro próximo nos reserva é contudo a compra de música/filmes através da rede. A DTS anunciou recentemente a possibilidade técnica de disponibilizar ficheiros de música registada a 96/24-bits com compressão sem perda (lossless).
CAMPUS PARTY
No meio desta cruzada fundamentalista, toleram-se por cá, tal como a Igreja tolerou durante séculos o Carnaval antes da Quaresma, iniciativas de outro modo louváveis como o «Campus Party», onde se disponibiliza banda larga para o pessoal «sacar» tudo o que pode para uso próprio e alheio durante quatro dias seguidos até cair para o lado. Será o sacrifício de alguns dos participantes (que chegam a adormecer «ao volante») ditado apenas pelo «gozo» ou também pelo «negócio»? Há quem leve mochilas com discos rígidos portáteis e centenas de discos ópticos virgens e não tenha problemas em declarar frente às câmaras: «Vim cá para jogar, aprender e sacar o máximo...». Alguns nem urinam, espantou-se Paulo Querido, que termina assim ironicamente a sua crónica na Única/Expresso: «Voltaremos...com colchões... e uma caixa suplementar de CD graváveis...».
Sacar o quê?!..., pergunta-se. Música, filmes, jogos e outros programas que podem eventualmente vir a alimentar o mercado paralelo? E tudo isto sob os auspícios de uma empresa pública...
Na CES de Las Vegas, os chamados «burners» estão proibidos. Para conseguir transferir algumas centenas de fotografias para um CD na «Press-Room» tive quase que meter um requerimento e provar que todas as fotos eram da minha autoria. Ninguém se quis arriscar a ser considerado «cúmplice»...
A utilização de cópias de discos de música em CD-ROM está igualmente proibida, não vá o FBI entrar na sala durante uma demonstração. A multa é tão elevada que a prisão é o menor dos males.
Proibir o software de gravação no «Campus Party» teria o mesmo efeito de proibir o álcool na «Paradise Garage». Ficava às moscas...
MP3 É MÚSICA?
Para o fim em vista o MP3 satisfaz. Para o fim «em ouvido» depende. Com débitos abaixo dos 128Kb/s a música em MP3 e WMA soa como se estivesse «dentro de água». Nota: o codec Apple Lossless é muito bom mesmo a 128Kb/s - daí o sucesso do iPod. À medida que se atinge os 192Kb/s ou mais tem qualidade q.b. para ouvir no carro, se descontarmos um ligeiro grão no agudo, alguma dureza nos registos médios e pouca definição nos graves. Perde ainda dinâmica, mas isso até é vantajoso em ambientes ruidosos como o trânsito. Quanto mais complexo é o sinal pior é o som: a situação agrava-se pois com música clássica. Depende também da qualidade da música e do registo original. Comparei recentemente um DVD-A de Crosby-Nash em alta resolução e um CD-ROM de «Van Morrison» sacado da net a 192Kb/s e musicalmente preferi o último, o que só abona em favor da eficácia dos algoritmos de compressão. Ou de Van Morrison...
Na edição da CES2004, a Wilson Audio, que fabrica colunas highend de preço estratosférico, fez esta maldade a alguns «ouvidos de ouro» da crítica internacional presentes: pediu-lhes para avaliarem «de ouvido» o modelo Sophia. Depois de todos terem elogiado a qualidade de som, em especial o poder do grave, Dave Wilson revelou a fonte escondida: um iPod! Consta que alguns dos críticos presentes não se enterraram pelo chão abaixo porque estavam no 37º andar do Hotel Mirage, em Las Vegas...