Aproveito o auspicioso regresso para «puxar a brasa à minha sardinha», no espírito das mais recentes incursões gastronómicas de MEC, e chamar a atenção, na linha editorial de PRD, para a imprensa estrangeira, nomeadamente duas das melhores revistas do mundo sobre temática áudio: a americana «Stereophile», edição de Fevereiro de 2004 e a «very british» Hifi News, edição de Março (já à venda nas bancas em Portugal), cuja capa aqui se reproduz. Ambas publicam artigos sobre as colunas de som Sonus Faber Stradivari com um atraso de cinco meses (!) em relação ao DN («A trilogia de Cremona»).
Na Stereophile, o artigo (assinado por «yours truly») consiste numa versão condensada da reportagem integral da apresentação mundial das Stradivari em Outubro de 2003, em Arcugnano, na Itália (ver Artigos Relacionados). Para situar os leitores isto corresponde a um artigo de PRD ser publicado na New Yorker ou Nuno Galopim assinar uma crítica na Rolling Stone.
Na HifiNews, Martin Colloms e Ken Kessler analisam as Stradivari à lupa, chegando a conclusões que são basicamente idênticas às minhas (as análises objectiva e subjectiva não têm de ser antagónicas) e utilizam para ilustrar a reportagem, pasme-se!, fotos da minha autoria (apelidaram-me de Henriquez, mas se até os nossos empresários acham que devíamos juntar-nos à Espanha...), o que não deixa de ser irónico se considerarmos a inglória «luta fotográfica» que tenho mantido ao longo dos anos com o meu amigo Paulo Barata, a cujo bom gosto e competência técnica se devem também muitos dos prémios de grafismo atribuidos ao DNA.
Na mesma edição da HiFi News, Jim Lesurf publica um interessante artigo sobre os mecanismos da audição humana que responde a muitas das questões dos principais temas de debate audiófilo que têm sido lançados nas páginas de «Sons»: analógico vs digital, válvulas vs transístores, análise subjectiva vs objectiva, ou a dúvida sobre se há vida para além dos 20kHz.
Audição activa
As ondas sonoras entram no ouvido e fazem vibrar o tímpano. Estas vibrações fazem vibrar um conjunto de ossículos que por sua vez fazem vibrar um estrutra interna, a coclea, em forma de espiral. Ao longo da coclea há uma membrana que a divide em duas partes, estando cada uma das partes cheia de um líquido. Na superfície da membrana estão os cílios vibráteis, os sensores que transformam a vibração mecânica em sinais nervosos que são transmitidos ao cérebro que os interpreta. O tamanho dos cílios varia com a frequência: os mais pequenos estão na entrada da coclea e detectam as altas frequências; quanto mais baixa é a frequência maior é a penetração no interior da coclea e o tamanho dos cílios. Até aqui tudo bem. Mas estudos recentes provaram que afinal este sistema não é passivo. Ou seja, os cílios não se limitam a vibrar consoante a frequência e a amplitude do som. Os humanos conseguem ouvir diferenças de pressão sonora de até 120dB: o som mais forte é um milhão de vezes mais intenso que o mais fraco. Se o sistema fosse passivo, a amplitude de movimento dos cílios teria de ser entre 1 metro e um mícron! Mas como os sons mais fortes apenas fazem mover os cílios pouco mais que 1 milímetro, isso significa que os mais fracos os fariam mover apenas um nanometro, logo não os deveríamos ouvir - a verdade é que ouvimos. Como? Emissão otoacústica: quando o som é tão fraco que se seria inaudível, os nossos ouvidos emitem sons «auxiliares» para excitar os cílios. Assim se explica a importância dos «supertweeters», e por que motivo nós não ouvimos frequências puras acima dos 20kHz, mas detectamos frequências até aos 40kHz quando associadas a outras frequências.
Ruído que soa bem
Do mesmo modo se explica a acção benigna do ruído de distorção dos amplificadores a válvulas, o ruído de superfície dos LP e bandas magnéticas e o «dither» (ruído) digital, que melhoram a audição de sons de intensidade tão baixa ao ponto de se tornarem inaudíveis quando isolados. Daí que muitos considerem o som analógico mais natural e defendam que o digital só é mesmo tragável com «dither» (todos os CD são registados com «dither» para melhorar a dinâmica).
Um exemplo para facilitar a compreensão: aos 80 anos Karajan não conseguia por certo ouvir frequências puras acima dos 5kHz, mas detectava imediatamente uma «fífia» do oboé ou do triângulo no meio de uma orquestra a tocar fortissimo. O ouvido humano parece ter a capacidade de «sintetizar» sons inexistentes, ou inaudíveis, a partir de outros sons de frequências diferentes mas harmonicamente relacionadas.
Dos orgãos aos amplificadores a válvulas
Os antigos artesãos construtores de orgãos já tinham descoberto que era possível produzir sons de muito baixa frequência a partir da harmonização de sons de frequência mais alta evitando assim construir tubos de grande dimensão.
O timbre de um instrumento é determinado pelo nível das primeiras harmónicas que se dividem em dois grandes grupos tonais: a terceira e a quinta produzem um som «abafado»; a segunda, quarta e sexta produzem um som «coral», «cantante». Musicalmente a segunda está apenas uma oitava acima da fundamental e é quase inaudível mas adiciona corpo ao som; enquanto a terceira mesmo em pequenas quantidades tem o efeito contrário, conferindo ao som um elemento «metálico». Ora os amplificadores a válvulas são também ricos em «segundas» e os a transístores em «terceiras»: o segredo parece residir no «têmpero do caldo de distorção harmónica», isto é, no relacionamento musical entre as diferentes harmónicas e os tons fundamentais.
Franco Serblin baseou-se na tradição dos artesãos fabricantes de instrumentos de Cremona, como Guarneri, Amati e Stradivari para conseguir um efeito semelhante de «som natural» com as suas colunas. Talvez também por isso Antony Michaelson, da Musical Fidelity, que produz alguns dos melhores leitores-CD e conversores D/A do mercado, tenha declarado como justificação para a sua última criação, o gira-discos analógico M1:
O significado desta parábola é óbvio: ainda há quem prefira analógico a digital e o facto de uma pessoa não ouvir certos sons não significa que outra não os oiça; do mesmo modo que há quem goste e quem não goste de ler «Sons».
É por tudo isto que, qual filho pródigo, regresso hoje ao convívio dos leitores do DNA sem perder os que entretanto ganhei no DN Mais. Melhor seria impossível.
Na Stereophile, o artigo (assinado por «yours truly») consiste numa versão condensada da reportagem integral da apresentação mundial das Stradivari em Outubro de 2003, em Arcugnano, na Itália (ver Artigos Relacionados). Para situar os leitores isto corresponde a um artigo de PRD ser publicado na New Yorker ou Nuno Galopim assinar uma crítica na Rolling Stone.
Na HifiNews, Martin Colloms e Ken Kessler analisam as Stradivari à lupa, chegando a conclusões que são basicamente idênticas às minhas (as análises objectiva e subjectiva não têm de ser antagónicas) e utilizam para ilustrar a reportagem, pasme-se!, fotos da minha autoria (apelidaram-me de Henriquez, mas se até os nossos empresários acham que devíamos juntar-nos à Espanha...), o que não deixa de ser irónico se considerarmos a inglória «luta fotográfica» que tenho mantido ao longo dos anos com o meu amigo Paulo Barata, a cujo bom gosto e competência técnica se devem também muitos dos prémios de grafismo atribuidos ao DNA.
Na mesma edição da HiFi News, Jim Lesurf publica um interessante artigo sobre os mecanismos da audição humana que responde a muitas das questões dos principais temas de debate audiófilo que têm sido lançados nas páginas de «Sons»: analógico vs digital, válvulas vs transístores, análise subjectiva vs objectiva, ou a dúvida sobre se há vida para além dos 20kHz.
Audição activa
As ondas sonoras entram no ouvido e fazem vibrar o tímpano. Estas vibrações fazem vibrar um conjunto de ossículos que por sua vez fazem vibrar um estrutra interna, a coclea, em forma de espiral. Ao longo da coclea há uma membrana que a divide em duas partes, estando cada uma das partes cheia de um líquido. Na superfície da membrana estão os cílios vibráteis, os sensores que transformam a vibração mecânica em sinais nervosos que são transmitidos ao cérebro que os interpreta. O tamanho dos cílios varia com a frequência: os mais pequenos estão na entrada da coclea e detectam as altas frequências; quanto mais baixa é a frequência maior é a penetração no interior da coclea e o tamanho dos cílios. Até aqui tudo bem. Mas estudos recentes provaram que afinal este sistema não é passivo. Ou seja, os cílios não se limitam a vibrar consoante a frequência e a amplitude do som. Os humanos conseguem ouvir diferenças de pressão sonora de até 120dB: o som mais forte é um milhão de vezes mais intenso que o mais fraco. Se o sistema fosse passivo, a amplitude de movimento dos cílios teria de ser entre 1 metro e um mícron! Mas como os sons mais fortes apenas fazem mover os cílios pouco mais que 1 milímetro, isso significa que os mais fracos os fariam mover apenas um nanometro, logo não os deveríamos ouvir - a verdade é que ouvimos. Como? Emissão otoacústica: quando o som é tão fraco que se seria inaudível, os nossos ouvidos emitem sons «auxiliares» para excitar os cílios. Assim se explica a importância dos «supertweeters», e por que motivo nós não ouvimos frequências puras acima dos 20kHz, mas detectamos frequências até aos 40kHz quando associadas a outras frequências.
Ruído que soa bem
Do mesmo modo se explica a acção benigna do ruído de distorção dos amplificadores a válvulas, o ruído de superfície dos LP e bandas magnéticas e o «dither» (ruído) digital, que melhoram a audição de sons de intensidade tão baixa ao ponto de se tornarem inaudíveis quando isolados. Daí que muitos considerem o som analógico mais natural e defendam que o digital só é mesmo tragável com «dither» (todos os CD são registados com «dither» para melhorar a dinâmica).
Um exemplo para facilitar a compreensão: aos 80 anos Karajan não conseguia por certo ouvir frequências puras acima dos 5kHz, mas detectava imediatamente uma «fífia» do oboé ou do triângulo no meio de uma orquestra a tocar fortissimo. O ouvido humano parece ter a capacidade de «sintetizar» sons inexistentes, ou inaudíveis, a partir de outros sons de frequências diferentes mas harmonicamente relacionadas.
Dos orgãos aos amplificadores a válvulas
Os antigos artesãos construtores de orgãos já tinham descoberto que era possível produzir sons de muito baixa frequência a partir da harmonização de sons de frequência mais alta evitando assim construir tubos de grande dimensão.
O timbre de um instrumento é determinado pelo nível das primeiras harmónicas que se dividem em dois grandes grupos tonais: a terceira e a quinta produzem um som «abafado»; a segunda, quarta e sexta produzem um som «coral», «cantante». Musicalmente a segunda está apenas uma oitava acima da fundamental e é quase inaudível mas adiciona corpo ao som; enquanto a terceira mesmo em pequenas quantidades tem o efeito contrário, conferindo ao som um elemento «metálico». Ora os amplificadores a válvulas são também ricos em «segundas» e os a transístores em «terceiras»: o segredo parece residir no «têmpero do caldo de distorção harmónica», isto é, no relacionamento musical entre as diferentes harmónicas e os tons fundamentais.
Franco Serblin baseou-se na tradição dos artesãos fabricantes de instrumentos de Cremona, como Guarneri, Amati e Stradivari para conseguir um efeito semelhante de «som natural» com as suas colunas. Talvez também por isso Antony Michaelson, da Musical Fidelity, que produz alguns dos melhores leitores-CD e conversores D/A do mercado, tenha declarado como justificação para a sua última criação, o gira-discos analógico M1:
«As pessoas que pensam que digital é melhor que analógico devem ser surdas. Eu toco clarinete e recentemente Tony Faulkner gravou a minha interpretação do concerto de Mozart em PCM, DSD e analógico. No final a fita magnética era muito melhor - e estou a falar como músico. As pessoas estão a ficar fartas da «merda» digital e querem é ouvir algo que soe humano. Por isso decidimos produzir uma gira-discos».
O significado desta parábola é óbvio: ainda há quem prefira analógico a digital e o facto de uma pessoa não ouvir certos sons não significa que outra não os oiça; do mesmo modo que há quem goste e quem não goste de ler «Sons».
É por tudo isto que, qual filho pródigo, regresso hoje ao convívio dos leitores do DNA sem perder os que entretanto ganhei no DN Mais. Melhor seria impossível.