Primaluna Prologue One (sem grelha)
Um amplificador a válvulas era até há bem pouco tempo (ainda é em certa medida), um símbolo de status social. As válvulas eram raras, autênticos objectos em vias de extinção, quais panteras que os ricos exibem como animais domésticos.
Quando uma tecnologia é substituída por outra, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Assim surgem mitos e cultos em círculos restritos da sociedade. É o que se passa com o LP. O passado acaba por se tornar moda ciclicamente.
As válvulas foram salvas da extinção total pela acção dos fiéis, que lutaram para manter a chama viva, com partilha de experiências e projectos, quantas vezes montados pelos próprios em casa, e pelo fim da guerra fria, a queda do muro de Berlim e a abertura ao Ocidente da economia chinesa.
No Ocidente há muito que o transístor substituira a válvula termiónica nos circuitos áudio. A indústria de armamento soviética considerava, contudo, que eram mais fiáveis em casos extremos, nomeadamente na presença de radiação atómica. Os famosos MIG, por exemplo, utilizavam válvulas em certos equipamentos de transmissão a bordo. Quando o império soviético ruiu, alguns fabricantes de equipamento áudio passaram a importar válvulas russas (Sovtek, etc.), jugoslavas (Svetlana, etc.) e chinesas (cópias baratas das famosas GE). Da escassez passou-se para a superabundância.
Nem por isso o preço dos amplificadores a válvulas baixou. São produtos «soldados à mão» de uma robustez quase artesanal, logo de difícil produção em linhas de montagem automatizadas, e que necessitam (com excepção dos OTL) de pesados transformadores para baixar a elevada impedância de saída. O estatuto de prestígio mitológico e a alegada superioridade na reprodução musical não são, hélas, consentâneas com preços populares. Os famosos Audio Note Ongaku utilizam fio de prata no enrolamento dos transformadores e custam dezenas de milhares de euros. E os Wavac SH-833 atingem uns obscenos 300 000 euros!...
Cheio, luxuriante, requintado, luminoso, envolvente, líquido, transparente, «humano» são atributos clássicos do som das válvulas, algo que os detractores garantem não ser mais que o efeito «hipnótico» da luz aliada à distorção de segunda harmónica sobre mentes demasiado crédulas. Será então tudo uma questão de fé?
Pergunte isso a alguns dos mais famosos guitarristas mundiais que não dispensam o amplificador a válvulas. Eles dir-lhe-ão que, além da tonalidade única do som, as válvulas resistem melhor à sobrecarga. Ou seja: distorcem com classe!...
Razões técnicas têm sido avançadas para a alegada superioridade do som das válvulas. A saber: os electrões transmitem-se melhor no vácuo (ou gás) que em pastilhas de estado sólido; a resistência à sobrecarga e a conjugação harmónica, como sucede com certos instrumentos musicais (os grandes orgãos de catedral, por exemplo), segundo Russel O. Hamm; a acção isolante do transformador que protege o andar de saída do ruído induzido pela fonte de alimentação; ou, à revelia da ortodoxia reinante, até a elevada impedância de saída e consequente baixo factor de amortecimento - Nelson Pass dixit - rouba tensão mas confere riqueza harmónica aos registos graves.
No áudio como na vida aprende-se «dando cabeçada», para utilizar uma expressão brasileira. De pouco serve aos pais aconselharem os filhos. Só se aprende com base na experiência: é preciso ouvir. Os conselhos, leia-se críticas, são úteis apenas como guias de audição. No caso do Prologue One, quando o testei já dispunha das opiniões publicadas pela crítica internacional. A verdade é que mais ou menos eufemismo, mais ou menos entusiasmo, mais ou menos rasgo técnico e/ou literário e a inevitável água benta, a minha «audição» não difere muito da dos meus ilustres colegas Ken Kessler, Claudio Checci e Dominic Todd : a objectividade pode resultar assim de um conjunto de subjectividades coincidentes...
Continua (ver Parte 2 em Artigos Relacionados)
Um amplificador a válvulas era até há bem pouco tempo (ainda é em certa medida), um símbolo de status social. As válvulas eram raras, autênticos objectos em vias de extinção, quais panteras que os ricos exibem como animais domésticos.
Quando uma tecnologia é substituída por outra, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Assim surgem mitos e cultos em círculos restritos da sociedade. É o que se passa com o LP. O passado acaba por se tornar moda ciclicamente.
As válvulas foram salvas da extinção total pela acção dos fiéis, que lutaram para manter a chama viva, com partilha de experiências e projectos, quantas vezes montados pelos próprios em casa, e pelo fim da guerra fria, a queda do muro de Berlim e a abertura ao Ocidente da economia chinesa.
No Ocidente há muito que o transístor substituira a válvula termiónica nos circuitos áudio. A indústria de armamento soviética considerava, contudo, que eram mais fiáveis em casos extremos, nomeadamente na presença de radiação atómica. Os famosos MIG, por exemplo, utilizavam válvulas em certos equipamentos de transmissão a bordo. Quando o império soviético ruiu, alguns fabricantes de equipamento áudio passaram a importar válvulas russas (Sovtek, etc.), jugoslavas (Svetlana, etc.) e chinesas (cópias baratas das famosas GE). Da escassez passou-se para a superabundância.
Nem por isso o preço dos amplificadores a válvulas baixou. São produtos «soldados à mão» de uma robustez quase artesanal, logo de difícil produção em linhas de montagem automatizadas, e que necessitam (com excepção dos OTL) de pesados transformadores para baixar a elevada impedância de saída. O estatuto de prestígio mitológico e a alegada superioridade na reprodução musical não são, hélas, consentâneas com preços populares. Os famosos Audio Note Ongaku utilizam fio de prata no enrolamento dos transformadores e custam dezenas de milhares de euros. E os Wavac SH-833 atingem uns obscenos 300 000 euros!...
Cheio, luxuriante, requintado, luminoso, envolvente, líquido, transparente, «humano» são atributos clássicos do som das válvulas, algo que os detractores garantem não ser mais que o efeito «hipnótico» da luz aliada à distorção de segunda harmónica sobre mentes demasiado crédulas. Será então tudo uma questão de fé?
Pergunte isso a alguns dos mais famosos guitarristas mundiais que não dispensam o amplificador a válvulas. Eles dir-lhe-ão que, além da tonalidade única do som, as válvulas resistem melhor à sobrecarga. Ou seja: distorcem com classe!...
Razões técnicas têm sido avançadas para a alegada superioridade do som das válvulas. A saber: os electrões transmitem-se melhor no vácuo (ou gás) que em pastilhas de estado sólido; a resistência à sobrecarga e a conjugação harmónica, como sucede com certos instrumentos musicais (os grandes orgãos de catedral, por exemplo), segundo Russel O. Hamm; a acção isolante do transformador que protege o andar de saída do ruído induzido pela fonte de alimentação; ou, à revelia da ortodoxia reinante, até a elevada impedância de saída e consequente baixo factor de amortecimento - Nelson Pass dixit - rouba tensão mas confere riqueza harmónica aos registos graves.
No áudio como na vida aprende-se «dando cabeçada», para utilizar uma expressão brasileira. De pouco serve aos pais aconselharem os filhos. Só se aprende com base na experiência: é preciso ouvir. Os conselhos, leia-se críticas, são úteis apenas como guias de audição. No caso do Prologue One, quando o testei já dispunha das opiniões publicadas pela crítica internacional. A verdade é que mais ou menos eufemismo, mais ou menos entusiasmo, mais ou menos rasgo técnico e/ou literário e a inevitável água benta, a minha «audição» não difere muito da dos meus ilustres colegas Ken Kessler, Claudio Checci e Dominic Todd : a objectividade pode resultar assim de um conjunto de subjectividades coincidentes...
Continua (ver Parte 2 em Artigos Relacionados)