Ao contrário do que sucedeu em Londres, a ARTaudio optou por uma demonstração purista em estéreo, com as exóticas 802D acolitadas por um conjunto Classé leitor/prévio/amp: CDP 100/CP500/CA2200, numa sala que esteve constantemente composta por um público atento e conhecedor. Que, ao contrário do que sucede nos «hifishows», foi lá «para ficar», com tempo, com disponibilidade para ouvir música e não apenas «som»...
Na sala ao lado, os visitantes puderam apreciar um conjunto AV, com a artilharia toda da série S: 804, HTM2, ASW875, etc.
O Francisco Ribeiro aproveitou ainda uma antecâmara envidraçada para demonstrar pela primeira vez os novos satélites M1 «MiniTheater» com o curioso «subwoofer» esférico (apresentado em Las Vegas na CES2004), onde os audiófilos esperavam a oportunidade para entrar na sala principal, conversando e bebendo um copo, ao mesmo tempo que visionavam o DVD com o «Making Of» das novas Nautilus.
A AUDIÇÃO (IN)FORMAL
A sala principal tinha as condições de dignidade, conforto, espaço (pé- direito) e decoração ideais para um evento desta natureza, embora, como sempre acontece em hotéis, os materiais utilizados nas divisórias internas (e também os painéis que delimitavam o «palco») imponham inevitavelmente a sua assinatura acústica, que, neste caso, era de natureza benigna, e se fazia sentir apenas a determinadas frequências - logo, não com todos os discos -, algo que eu ouso designar por um «espessamento» na transição dos registos médios-graves para os graves. Coisa pouca, que também se podia, em jeito de especulação, atribuir, ainda que em menor medida, à diferença de «carácter» do Rohacell dos altifalantes de graves e do Kevlar do altifalante de médios-graves (acusticamente mais transparente este), na zona de transição, ou a um modo específico da sala. Tanto assim que se fazia sentir com maior ou menor intensidade, dependendo do ponto de audição: mais nos lugares junto à parede, menos nos lugares da frente e praticamente nada junto do posto de trabalho do Alberto. A verdade é que o identifiquei em vozes masculinas, com o que me pareceu ser um «disco pedido», daqueles que alguém levou para ouvir, com música portuguesa: Carlos do Carmo, Pedro Abrunhosa, etc. Podia ser o disco, lá isso podia...
Depois, mudei de lugar (sentei-me à frente, ao centro) e o efeito surgiu apenas a espaços - e sempre de forma benigna - no halo de reverberação do Mosteiro dos Jerónimos (provavelmente até lá está na realidade), com música de Carlos Seixas, e num ou outro som de contrabaixo.
A HUMANIZAÇÃO DAS NAUTILUS
A verdade é que as Nautilus se «humanizaram»: estão agora mais próximas das Stradivari que da «Mãe-Caracol». Tal como as Stradivari, embora o ênfase destas se situe um pouco mais abaixo no espectro, o som das 802D tem agora a textura própria da realidade, quer esta agrade a todos quer não. Por outro lado, perdem em relação à sua progenitora na precisão espacial da colocação dos sons, em especial no plano da profundidade, e na reprodução natural do «decaimento» das notas finais, um aspecto particular da performance em que estas são exímias e, na minha experiência, inultrapassáveis.
Acontece que é exactamente esta nova «textura» dos registos médio-graves (chamem-lhe coloração se quiserem), em perigoso equilíbrio na fronteira da neutralidade, aqui e ali colocando um pé atrevido no lado errado da noite, que confere também o corpo e desenvoltura aos metais: oiça-se o ataque, o timbre, a tonalidade e a estrutura harmónica dos metais de Wynton Marsalis e da Lincoln Center Jazz Orchestra; humaniza ainda mais o gemer dolente do violoncelo de Yo-Yo Ma sem, contudo, afectar a expressividade vocal de Bobby McFerrin em «Hush» (um dueto tão surpreendente quanto fabuloso!); e nos deixa na beira da cadeira com o impacte violento dos transitórios de percussão presentes (é o termo!) em La Folia d'España, a única concessão «audiófila» do Alberto na sessão musical de uma hora a que tive o prazer de assistir no Méridien.
CITIUS, ALTIUS, FORTIUS
Aliás, as 802D são melhores em todos os parâmetros do que o modelo anterior: mais rápidas a responder, mais dinâmicas, mais coesas, tonalmente mais equilibradas, mais informativas, mais «encorpadas», naturais e transparentes, em especial na ligação médio-agudo.
O novo tweeter tem o brilho acetinado dos diamantes e reproduz as insidiosas sibilantes e as difíceis fricativas com classe e eficácia sem perder uma gota de sentimento e emoção do ser humano que as articula, homem ou mulher.
A imagem estereofónica surgiu aos meus ouvidos como sólida, estável e bem focada, no plano horizontal, com excelente colocação dos intervenientes em palco (dependendo, claro, do engenho e arte, ou falta dela, dos engenheiros de som). Menos bem no plano da profundidade (efeito de absorção dos painéis?). Ou então sou eu que estou influenciado pelo facto de utilizar habitualmente dipolos para ouvir música...
CLASSE PURA
Que os novos Classé (que nem sequer eram os topos de gama) tenham conseguido acompanhá-las nesta brilhante actuação sem esforço ou interferência, é um bom indício de que a renovação da marca não se operou apenas a nível do design.
«MAÎTRE HONORIS CAUSA»
A minha vasta experiência de milhares de horas de audições e demonstrações por esse mundo fora permite-me, na qualidade de antigo júri honorário da Academia Americana para o Desenvolvimento do HighEnd, atribuir finalmente ao Alberto o grau de «Maître».
Ao contrário de outros «mestres-demonstradores», o Alberto não selecciona apenas discos ditos audiófilos, com faixas de música simples, voz e guitarra, por exemplo, gravadas em «close-ups» obscenos para impressionar o ouvinte; nem pretende influenciar o público com discursos prévios de preparação mental, gestos significativos, durante a reprodução de certas passagens musicais, ou poses afectadas de alegada superioridade auditiva.
Coloca na gaveta discos de música variada, como se estivesse em casa sozinho a ouvir apenas aquilo de que gosta, mesmo quando certas faixas possam pôr a descoberto aspectos menos positivos da performance do equipamento; regula o nível de som com moderação e a propósito e afasta-se depois para o seu «cantinho».
Aparentemente, limita-se a «virar o disco»; de facto, por detrás desta simplicidade de processos, estão horas de trabalho de montagem e afinação e longas audições comparativas: muito suor e alguma inspiração. E o instinto natural que nasce com as pessoas e se revela depois com a aprendizagem.
A dado passo Bobby McFerrin declara perante o auditório: «I got carried away...». Também eu. E fui ficando, ficando. Eu e os outros, que não arredavam pé! Ora isto só pode ter um significado: tanto o corpo como a alma gostaram do que ouviram...