Dan D'Agostino exibe orgulhoso o prévio de referência KCT
A experiência militar de Dan não parece ter afectado a sua bonomia: o sorriso enigmático perante questões incómodas é desarmante; ou o gosto epicurista pelas coisas boas da vida: grande garfo, bom copo (a sua paixão pelos havanos puros é o único defeito que lhe conheço neste departamento: detesto o cheiro!); o humor subtil: grande contador de histórias na boa tradição americana; a afectividade: coração tão sobredimensionado como os transformadores que utiliza nos seus amplificadores; e a sensibilidade: a sua cultura musical só tem paralelo na incrível intuição e discernimento auditivo.
É este lado emotivo da sua personalidade que enforma a sublime musicalidade e energia inesgotável dos amplificadores Krell, aliada à capacidade de descer às profundezas dos oceanos acústicos e de dar resposta imediata a qualquer provocação no decorrer do processo musical em curso. São estas as emoções Krell: profundas e epidérmicas. Do fundo do coração até à flor da pele. Rapidamente e em força.
Vinte anos é muito tempo
Um dia, John Atkinson, actual editor da revista Stereophile, em visita à fábrica da Krell, declarou após uma audição: «Até ouvir um Krell eu era virgem no áudio». Eu senti o mesmo quando comprei o meu primeiro Krell KSA 100 II - na altura ainda usavam ventoinhas para arrefecer os «ânimos». Os dele e os meus.
Há quase vinte anos que regularmente me sujeito a um processo de purificação interior, ouvindo amplificadores Krell, por períodos mais ou menos prolongados, com hiatos mais longos do que desejaria, porque nem só de Krells se faz o dia-a-dia de um crítico de áudio, contando com a generosidade do importador Manuel Dias para atrasar o mais possível a inevitável síndrome da abstinência: é quando eles partem que mais sentimos a sua falta.
A minha última incursão séria sobre a Krell foi em 1998. Há tanto tempo, já? Na altura, escrevi sobre os Krell FPB250M:
«Sem perder o proverbial poder nos graves («slam», «wallop» «guts», «cojones», chamem-lhe o que quiserem), os «M» têm agora também «médios» cremosos, sem serem xaroposos, e agudos isentos de artefactos electrónicos, a lembrar as «válvulas», mas com a dinâmica - e o característico poder de «pára-arranca» - que só um amplificador capaz de dobrar a potência na razão inversa da impedância das colunas pode exibir».
Krell FPB250Mc
Os FPB250M voltaram agora com mais um «c» no curriculum e uma nova cara: ora côncava, de um negro brilhante, acetinado e sensual; ora convexa ao centro, com o estigma - o triângulo mágico de leds azuis - gravado a fogo na testa. Dois frisos verticais contrastantes delimitam as fronteiras do côncavo e do convexo. A cabeleira de dissipadores está penteada para um dos lados apenas: são monoblocos - siameses negros separados à nascença. Poderosos e rápidos como corredores olímpicos de velocidade prolongada. Aparentemente, nada os diferencia dos 250M a não ser o «facies» e o misterioso «c». Não penso assim. Soaram-me ainda mais lineares, «de-uma-peça-só», sem perder o controlo vicioso e viciante sobre o grave que tornou os Krell célebres. De facto, o 250Mc reage como um organismo vivo aos estímulos musicais. Comparo esta reacção à de um cardume de peixes, um bando de pássaros, que muda de direção, de velocidade, sobe, desce, como um todo orgânico, sem que qualquer elemento harmónico se afaste, fique para trás. Não é caso único, mas são poucos os amplificadores que exibem esta integridade acústica, esta «solidariedade sonora».
Dan D'Agostino conseguiu, finalmente, que os Krell deixassem de impor a sua personalidade à música, colocando-os ao seu serviço como uma guarda pretoriana bem treinada e disposta a tudo para a proteger. O proverbial poder do grave continua lá, mas esta energia é agora extensiva a todo o espectro sonoro, e já não é possível separar graves, médios e agudos como entidades acusticamente distintas. São partes de um todo. Complexo. Musical. Dispendioso.
Current Audio Signal Transmission. É a nova acha (o tal «c») deitada para a fogueira tecnológica por Dan D'Agostino. Polémica como tudo o que «queima» interesses instalados e preconceitos arreigados. Todos os preamplificadores convertem corrente em tensão para poder transmitir o sinal áudio para o amplificador através dos cabos com o seu cortejo de colorações.
A tecnologia CAST permite manter o sinal no modo de ganho de corrente na transmissão entre os diferentes componentes. Na prática, isto significa que o comprimento (e até a qualidade) dos cabos deixou de ter importância: o cabo tanto pode ter trinta centímetros como trinta metros!
Assim, já pode colocar o leitor-CD perto de si, o prévio a meio caminho e o amplificador perto das colunas sem ter de gastar uma fortuma em cabos (os cabos CAST são relativamente baratos). Ora, isto deixou os fabricantes de cabos (alguns custam centenas de contos por metro!) à beira de um ataque de nervos.
Martin Colloms, da HiFiNews, e Jonathan Scull, da Stereophile, que testaram recentemente Krells da série «Mc» vieram pôr água na fervura: preferiram o modo normal. Martin, porque acha que o modo CAST tira ritmo ao som; Jonathan, porque, pasme-se!, gosta de «temperar» o som com os cabos. («I beg to differ») Permitam-me discordar: o modo CAST é mais «neutro», e não é só uma questão de tom e de timbre mas de «arquitectura sonora».
Concordo com Dan D'Agostino quando afirma que: «CAST alcança o objectivo de unificar componentes separados num todo funcional». Mas o relato desta experiência vai ter de ficar para um próximo capítulo em que os principais protagonistas serão o preamplificador Krell KCT e o leitor-CD KPS28c. Para lhes espicaçar a curiosidade, duas deixas: é a primeira vez que Dan D'Agostino se deixa fotografar oficialmente com um preamplificador Krell ao colo, leia-se, dá a cara por ele - e isso diz tudo; o KPS28c a reproduzir um XRCD de Mighty Sam McClain bateu perante testemunhas a versão SACD reproduzida por um Sony SCD-X940 - e isso diz tudo.
Krell FPB Mc, amplificador monobloco: especificações
A construção é imaculada, o poder absoluto: os Krell são construídos como sofisticados tanques blindados. Instrumentos de paz prontos para a guerra. Cada uma das obras de Dan D'Agostino é um reflexo da sua própria personalidade. Dan serviu na Marinha dos E.U.A. como engenheiro na frota de submarinos nucleares. A consciência do enorme poder de fogo, o gosto pela exploração das profundezas, a garantia de fiabilidade absoluta do material em condições extremas, a necessidade de estar sempre um passo à frente do inimigo, e o forte espírito de grupo, moldaram-lhe o espírito e o engenho.
A Krell tem um tempo tecnológico que está sempre um passo à frente do tempo cronológico: em cada momento da evolução do áudio são exemplos acabados do estado da arte:
- Ganho no modo-corrente: mais linear e estável que o modo-tensão convencional;
- Andar de saída integralmente regulado, fonte inesgotável de corrente em todas as situações: dobram a potência na razão inversa da impedância, alimentando sem problemas cargas de 1 ohm (!); um modelo de 250W/c, como o FPB250Mc, pode assim gerar 2000W de potência se as circunstâncias o exigirem. E muitas vezes exigem-no!
- Balanceamento dos andares de entrada e saída: funcionamento integral em modo diferencial;
- Polarização em Classe A por patamares: as vantagens da Classe A (a mais pura forma de amplificação) sem os inconvenientes do desperdício de energia e dissipação de calor;
- Acoplamento directo: sem condensadores ou transformadores no andar de saída que afectam a qualidade do som.
- Auto calibração: ajustamento interno automático dos parâmetros eléctricos. Dan não admite que alguém questione a superioridade técnica dos Krell, do mesmo modo que o Pentágono não aceita que ponham em causa o seu poderio bélico. Os Krell são do tipo forte e feio. Feitos para durar. E não admitem concessões. São, segundo Dan, tecnicamente perfeitos. Ou o nome não fosse inspirado numa raça superior, com origem noutro planeta, que foi protagonista de uma famosa banda desenhada americana. É este o estilo de Dan D'Agostino. É este o estilo Krell.