Advance Acoustics MAP 407, amplificador integrado de 200W/8
O MAP 407 andava cá por casa há meses. Delfim Yanez “esqueceu-se” de o mandar buscar, talvez na esperança agora concretizada de que, com o convívio prolongado, eu acabasse por o adoptar como uma das minhas referências.
Na verdade, com o constante “entra e sai” de equipamentos frescos e a necessidade de manter o Hificlube na crista da onda informativa, nomeadamente com as reportagens dos principais eventos audiófilos, o MAP 407 não tem sido muito utilizado. Já tinha até solicitado que o viessem buscar, tendo publicado várias opiniões sobre ele nos últimos meses.
O certo é que, graças a Deus, não vieram. Vendo-o ali no meu estúdio, em stand by, depois de ter dedicado a minha atenção, durante mais de um mês, aos Nuforce, apeteceu-me sentir o velho sabor da música reproduzida por uma “tecnologia obsoleta”, que cozinha os sons em lume brando para melhor “apurar” o som.
Pelos actuais padrões “Classe D”, o MAP 407 é um monstro “pré-histórico”: pesado e sólido com um tanque de guerra (a minha ciática que o diga), sem nada de aparentemente inovador: nem no design, nem no circuito de amplificação Classe A/b. Neste aspecto, lembra-me os amplificadores “highend” a transístores do anos 80, como os Threshold, que utilizavam o famoso circuito “Stasis”, de Nelson Pass (et pour cause, têm um som semelhante: eu sei porque utilizei um como referência durante muitos anos) e para cujo valor “estimado” muito contribuía o espesso painel de alumínio escovado e os parafusos de aço industrial. A Advance foi ainda mais longe e adicionou ao visual “retro” os vuímetros iluminados, inspirados nos olhos azuis dos McIntosh e nas janelas acesas dos antigos Technics.
Technics A7000, Classe A/B
Algo no som me diz também que há “genes” Technics Classe A-anos 80 no genoma do som, temperados com alguns cromossomas dos deliciosos Luxman Vintage. As principais diferenças residem: na potência, que é aparentemente ilimitada em utilização doméstica (será, porventura, possível fazê-lo “clipar” com cargas malignas de 2 Ohms à máxima potência mas só mesmo por loucura ou teimosia); e no preço de apenas 1 880 euros, que reflecte a origem no “triângulo dourado” da indústria de electrónica do extremo oriente.
Mas será o MAP407 - e, bem assim, toda a gama de produtos da gaulesa Advance Acoustics - apenas mais uma chinesice? No áudio como na vida, não devemos abordar os assuntos pelo prisma da xenofobia: pouco me interessa que o MAP407 tenha os olhos em bico, desde que não me deixe os ouvidos em bico. Ora, convenhamos que não é possível oferecer um produto com estas características, a este preço, fora do circuito de produção asiático. É doloroso, mas é verdade.
Guangzhou AV326
Basta ir aos sites de empresas OEM da China continental, como a Guangzhou, para verificar que eles oferecem produtos muito semelhantes aos Advance Acoustics no seu vasto catálogo. NuansaKrell FPB300c
Aliás, na China até há uma empresa OEM chamada Nuansakrell que, como o nome indica, fabrica Krells na Sumatra, Indonésia!! - e fazem gala em que, pelo menos por fora, sejam exactamente iguais aos originais. O facto de virem anunciados num site chamado Alibaba.com diz tudo. Pelos vistos também lá estão os 40 ladrões...
Posto isto, tudo depende da legitimidade e boa-fé de quem comercializa o produto.
Em Las Vegas, mesmo no coração da CES06, havia um enorme stand colectivo de fabricantes chineses que, com o maior descaramento ofereciam por catálogo cópias de amplificadores, colunas (as Sonus Faber são as mais pretendidas), leitores-DVD, etc, nos quais o comprador só tem de colocar o logótipo da sua empresa. Depois, basta abrir um escritório em Londres, Paris ou Nova Iorque, contratar uma telefonista e começar a vender. Conseguir umas críticas simpáticas nas revistas da moda também ajuda, embora não seja tão fácil como se pensa - é preciso conhecer as pessoas certas nos lugares certos...
Primeira exibição do conjunto Advance Acoustics prévio/monoblocos MPP5055/MAA705
A verdade é que, ao contrário de outras empresas-fantasma, a Advance Acoustics deu a cara em Las Vegas: o stand, tipo open space, era enorme e estava no coração da feira, embora lá quase encostado à parede - e não num vão de escada, ou num quarto de hotel decrépito à média luz para criar ambiente.
O tão aguardado duas-peças da Advance Acoustic com andar de saida a válvulas, ou, como eles lhe chamam 'convertisseur à tubes'
E não vi lá nenhum chinês. Fui atendido por um monsieur genuíno, quando até podiam ter lá plantado uma modelo francesa toda produzida a distribuir catálogos com aquele ar blasé das meninas que não fazem a mínima ideia do que estão ali a fazer.
Ora só isso é bom sinal: it shows a strong commitment, como dizem os americanos…
A Advance Acoustic nunca negou que os seus produtos são fabricados na China. Apenas garante que não se limitam a servir de intermediários para cobrar as mais-valias. Os chassis e as caixas serão, porventura, encomendados por catálogo, a avaliar pelas semelhanças com outros produtos OEM chineses, mas os circuitos são originais e os componentes seleccionados, sendo a montagem acompanhadain loco por um engenheiro da marca. Segundo a Delaudio, nenhum aparelho chega aos distribuidores sem passar primeiro por França para ser testado e comparado com o protótipo. Se pensarmos bem, Pièrre Cardin, Yves-Saint Laurent, etc., também produzem roupa em Portugal e…na China...
Instalações da Advance Acoustic, nos arredores de Paris (foto Advance Acoustic, direitos reservados)
A marca é francesa desde 1995, tem uma casa e um rosto: o “costureiro-chefe” é Jean-Christian Gesson, um verdadeiro perfeccionista: basta olhar para o interior do MAP407. A caixa está dividida em três compartimentos isolados: o primeiro, contém o transformador toroidal (apenas 800VA deixam-me dúvidas quanto à potência declarada do amplificador); o segundo, contém a ponte rectificadora, o banco de filtragem com 40 000 uF de capacidade, além de condensadores de desacoplamento; e o terceiro, contém o andar de préamplificação e de phono MM/MC, entre outros circuitos de regulação.
Longitudinalmente, em duas câmaras laterais, estão os andares de potência, com base numa configuração em triplo-push-pull de transístores bipolares Toshiba 2SC5002/2SA1943 NPN/PNP, que não são propriamente vendidos por aí ao quilo, acompanhando a extensa área de dissipação - curioso, era capaz de jurar pelo som que eram Mosfets, não fora a boa resposta a transitórios. Nota: o leitor Jon Gracio, notável projectista de áudio (tive a honra de ser seu consultor no desenvolvimento do prévio Antipode que utilizei no teste dos Nagra PMA), chamou-me a atençao para o facto de o transístor de deflecção horizontal 2SC5002, uma escolha já de si pouco ortodoxa num andar de potência, ser uma referência da Sanken e não da Toshiba. A questão foi remetida para M.Jean-Christian Gesson, e aguardo a resposta.Resposta: trata-se de uma gralha. O MAP407 utiliza 6 Toshiba SC5200/SA1943 por canal.
Painel posterior do MAP 407
É possível ligar um prévio externo ou processador para integração num sistema AV (Amp-in), uma facilidade pouco usual (inclui ainda a mais comum Pre-out). Eu aproveitei para experimentar ligar directamente as saídas variáveis do CD63KI, tal como fizera com o Nuforce. Só é pena não ter entradas balanceadas para permitir ligações com cabos longos a partir do meu prévio McIntosh. Mas até nisto a Advance mostra ser honesta: teria sido fácil montar fichas XLR pseudo-balanceadas apenas como argumento de venda.
Controlo remoto do MAP 407
Não se pode dizer que seja um amplificador essencialmente neutro: a tonalidade geral é caracterizada pelas cores quentes, as formas redondas e as texturas macias. Em especial, se optarmos pela ligação directa (função “power amps”) no remoto que faz by-pass ao andar de prévio e, consequentemente, a todas as funções de controlo de volume e selecção: o som torna-se ainda mais encorpado, mais orgânico, fluido - já ouvi amplificadores a válvulas soarem mais “transistorizados”. Por outro lado, não sofre do romantismo eufónico dos amplificadores a válvulas clássicos.
A assinatura acústica do andar de prévio não é demasiado óbvia, contudo introduz no som um ligeiro “recorte”, que impressiona a princípio, como sucede com a função “sharpness” na imagem. Ora, nem sempre mais recortado significa mais natural. Se possui um leitor-CD ou conversor com saída variável, não deixe da fazer esta experiência - o ganho em qualidade de som não é substancial mas desaparece por completo o já de si pouco “grão” existente, que parece ter origem no andar de prévio. Dependendo da impedância de saída da fonte, pode perder um pouco de “drive” e sentir um ligeiro - e, com CD, por vezes bem vindo - arredondamento dos agudos. Utilize cabos curtos.
Quando Delfim Yanez descobriu a Advance Acoustic, gostou do que viu e ouviu mas, sobretudo, pareceu-lhe uma boa oportunidade de negócio, num mercado em forte recessão, onde a verba para comprar amplificadores “high-end” não abunda. Passa-se o mesmo com os “pontas-de-lança” no nosso futebol: os jogadores excepcionais custam muito dinheiro e jogam todos no estrangeiro. Assim, temos de nos contentar com os mais “acessíveis”. Acontece que, por vezes, há jogadores cuja integração na equipa é mais fácil e são autênticas surpresas. É o caso do MAP407: forte, poderoso, tipo carregador de piano, corre o campo todo e aguenta os 90 minutos, sem nunca dar sarrafadas na música. O seu desempenho não tem o perfume dos génios, dos Figos e Zidanes da electrónica, mas é de uma consistência notável e não faz “chorar a bola” para utilizar uma expressão de Scolari…
Esta é, pois, a história de um leitor-CD que estava na prateleira (Marantz CD63KI) e de um amplificador que estava no banco (Advance Acoustic MAP 407), enquanto no relvado principal “jogavam” outras vedetas mais mediáticas. Quando resolvi finalmente mandá-los entrar em campo, deram-me uma banhada de música depois de um breve aquecimento prévio. Nota: após meia hora de utilização uma ligeira neblina electrónica desvanece-se, o ar do palco sonoro perde densidade, torna-se mais volátil e transparente, e o recheio acústico ganha volume, relevo e definição.
Eu já tinha utilizado o MAP407 com as Summit, e a apreciação inicial fora positiva. Mas as Summit têm graves activos, logo os amplificadores internos substituem-se ao amplificador externo, privando-nos, deste modo, de parte do seu desempenho. Isto, apesar de o grave das Summit variar com o tipo de amplificador externo, tal como acontece com as ligações high-level nos subwoofers. Perde-se, contudo, o “voicing” original (sim, os amplificadores também têm voicing como as colunas) que deve reflectir, no fundo, a personalidade do seu criador.
Martin Logan Clarity
Já vimos que os Nuforce não são compatíveis com as Summit (problema que está neste momento a ser corrigido pela Imacústica, apenas nos poucos exemplares importados antes de 2006), por isso optei pelas Martin Logan Clarity, que utilizo como par traseiro em aplicações multicanal. Quando o 9SE foi embora, lancei então o MAP407 no jogo, mantendo a mesma estratégia e distribuição da equipa em campo. E senti-me como aquele “olheiro”, que vê actuar um jogador bom e barato, que por pouco não tinha deixado ir embora para o clube rival, sem nunca lhe ter dado o devido valor.
Tal sucede também com os carros de motor V8, cuja principal característica não é a velocidade de ponta mas a capacidade de manter uma velocidade constante, independente dos incidentes de percurso, ou seja, do 'swing dinâmico': o MAP 407 dá-se bem com a complexidade orquestral, mantendo razoavelmente definida a trama harmónica, sem nunca esquecer que as cores e o padrão do tecido podem, por vezes, ser tão ou mais importantes para o ouvinte que revelar a percentagem exacta de linho ou algodão.
Tonalmente é doce sem ser enjoativo, pois o grave majestoso não projecta “sombras chinesas” na luminosa translucidez dos médios - é, aliás, aqui que reside a sua principal virtude. Ninguém diria que este “matulão” trata a música com punhos de renda: há uma cativante musicalidade na forma como reproduz o som, quase que uma assinatura valvular, que não afecta, contudo, a personalidade dinâmica de cada registo.
Não surpreende, pois, que se dê bem com a vivacidade dos tweeters de metal da Monitor Audio, contrariando a ideia feita de que são mais “dourados” aos olhos que aos ouvidos. Por mero acaso ou intuição, Delfim Yanez descobriu o elemento sinérgico perfeito para colocar entre as fontes Esoteric e as colunas Monitor Audio, que também distribui.
O MAP 407 não é nenhum santo, entenda-se. Quando a mostarda lhe chega ao nariz, isto é, quando sai do território audiófilo puro (20W em Classe A - ou 70W!?, como eu já li algures -, eis a questão), dá um murro na mesa e a voz pode endurecer com o esforço. Contudo, não detectei distorção audível que não pudesse ser atribuída às próprias Clarity, razão porque só deixei o botão de volume avançar até pouco mais que as duas da tarde: os níveis subiram de forma suave e consistente. Resumindo: não senti necessidade de mais potência, embora ela estivesse disponível a pedido.
O MAP407 é o Krell dos 'pobres'. Um amplificador de Classe A (com colunas de sensibilidade média-alta funcionará como tal a maior parte do tempo), que tem em reserva quase 200W em Classe B para o que der e vier. Uma pessoa olha para aqueles trinta quilos de músculo e pensa: isto deve ser bom para tocar rock a abrir. Mas não se deixe levar pelas aparências, embora às vezes a força faça muito jeito. Aqui é na qualidade dos primeiros 20W que está o segredo. Aliás, segundo Nelson Pass, é mesmo no “First Watt” que está a essência do som de um amplificador.
A 'Pastoral', de Beethoven (Delos)
Tenho uma versão da “Pastoral” de Beethoven, da etiqueta Delos, pela Chamber Symphony of New York, dirigida por Gerard Schwarz, que é a “cara” do MAP407. O disco foi gravado num estúdio às escuras, apenas iluminado pelos candeeiros das pautas. A interpretação exala serenidade, intimismo e profundidade emocional: mehr Ausdruck der Empfindung als Malerei, segundo Beethoven, que é como quem diz “mais expressão de sentimentos que pintura”. O leit-motiv exposto logo no 1º Andamento é uma melodia de uma simplicidade desarmante, que é repetida continuamente ora pelos violinos, ora pelas flautas e os violoncelos. Dolce pode ler-se nas notas de interpretação à margem feitas por Beethoven. E é isso que se sente na audição: doçura. Mesmo notutti que precede a conclusão, o MAP407 mantém-se atento mas sereno. É só no Allegro do 4º Andamento, “A tempestade”, que ele se serve da energia de reserva para reproduzir o rugir dos contrabaixos, o pizzicato frenético dos violinos e os relâmpagos luminosos dos flautins, que precedem a entrada de rompante dos trombones e o rufo assustador dos tímbales. O Alegretto final, que abre com um clarinete agridoce e fecha com um pianissimode trompa em surdina, foi reproduzido em…classe Ah! Uma agradável surpresa.
A imagem tem amplitude e profundidade, o enfoque é mais abrangente que preciso, como se optasse voluntariamente por mostrar a luxuriante beleza da floresta composta por árvores e não tanto as árvores que compõem a floresta. Não notei modulação “transistorizada” nas altas frequências, nem vibrações “valvulares” no grave, mesmo tendo em conta as limitações das Clarity neste departamento.
A referida “luminosa translucidez” do palco sonoro favorece a reprodução intimista das vozes e dos instrumentos e serve de elemento aglutinador, qual “cimento harmónico” de Vivaldi. Num teste cego, eu teria apostado (e teria perdido, claro) que algures no caminho do sinal brilha a luz de uma válvula, o que significa que há um bom equilíbrio entre as 2ª e 3ª harmónicas na THD com presença negligenciável ou nula de harmónicas mais elevadas.
Não me interessa se o Advance Acoustic MAP407 é francês de gema ou chinês: a música que reproduz é universal. E para voltar à metáfora futebolística de abertura: quantos dos jogadores da selecção gaulesa são franceses genuínos?
Sinto-me como o Filipão, que deixou o Nuno Gomes no banco durante tanto tempo, e afinal foi ele que marcou o golo que salvou a honra do convento…
Vou utilizá-lo, ao MAP 407, não ao Nuno Gomes, credo!, como equipamento complementar no teste das Anthony Gallo Reference III, e vai ser giro compará-lo com o Krell FBI, que chegou hoje. Fica aqui o apelo ao Delfim para que se “esqueça” de o vir buscar durante mais algum tempo…
Conclusão: não conheço nenhum amplificador desta potência (200W), com este nível de construção funcionalidade e som, por este preço (1 880 euros). Mas estou aberto a que me provem que existe...
Para mais informações: DELAUDIO
O MAP 407 andava cá por casa há meses. Delfim Yanez “esqueceu-se” de o mandar buscar, talvez na esperança agora concretizada de que, com o convívio prolongado, eu acabasse por o adoptar como uma das minhas referências.
Na verdade, com o constante “entra e sai” de equipamentos frescos e a necessidade de manter o Hificlube na crista da onda informativa, nomeadamente com as reportagens dos principais eventos audiófilos, o MAP 407 não tem sido muito utilizado. Já tinha até solicitado que o viessem buscar, tendo publicado várias opiniões sobre ele nos últimos meses.
O certo é que, graças a Deus, não vieram. Vendo-o ali no meu estúdio, em stand by, depois de ter dedicado a minha atenção, durante mais de um mês, aos Nuforce, apeteceu-me sentir o velho sabor da música reproduzida por uma “tecnologia obsoleta”, que cozinha os sons em lume brando para melhor “apurar” o som.
Pelos actuais padrões “Classe D”, o MAP 407 é um monstro “pré-histórico”: pesado e sólido com um tanque de guerra (a minha ciática que o diga), sem nada de aparentemente inovador: nem no design, nem no circuito de amplificação Classe A/b. Neste aspecto, lembra-me os amplificadores “highend” a transístores do anos 80, como os Threshold, que utilizavam o famoso circuito “Stasis”, de Nelson Pass (et pour cause, têm um som semelhante: eu sei porque utilizei um como referência durante muitos anos) e para cujo valor “estimado” muito contribuía o espesso painel de alumínio escovado e os parafusos de aço industrial. A Advance foi ainda mais longe e adicionou ao visual “retro” os vuímetros iluminados, inspirados nos olhos azuis dos McIntosh e nas janelas acesas dos antigos Technics.
Technics A7000, Classe A/B
Algo no som me diz também que há “genes” Technics Classe A-anos 80 no genoma do som, temperados com alguns cromossomas dos deliciosos Luxman Vintage. As principais diferenças residem: na potência, que é aparentemente ilimitada em utilização doméstica (será, porventura, possível fazê-lo “clipar” com cargas malignas de 2 Ohms à máxima potência mas só mesmo por loucura ou teimosia); e no preço de apenas 1 880 euros, que reflecte a origem no “triângulo dourado” da indústria de electrónica do extremo oriente.
Mas será o MAP407 - e, bem assim, toda a gama de produtos da gaulesa Advance Acoustics - apenas mais uma chinesice? No áudio como na vida, não devemos abordar os assuntos pelo prisma da xenofobia: pouco me interessa que o MAP407 tenha os olhos em bico, desde que não me deixe os ouvidos em bico. Ora, convenhamos que não é possível oferecer um produto com estas características, a este preço, fora do circuito de produção asiático. É doloroso, mas é verdade.
Guangzhou AV326
Basta ir aos sites de empresas OEM da China continental, como a Guangzhou, para verificar que eles oferecem produtos muito semelhantes aos Advance Acoustics no seu vasto catálogo. NuansaKrell FPB300c
Aliás, na China até há uma empresa OEM chamada Nuansakrell que, como o nome indica, fabrica Krells na Sumatra, Indonésia!! - e fazem gala em que, pelo menos por fora, sejam exactamente iguais aos originais. O facto de virem anunciados num site chamado Alibaba.com diz tudo. Pelos vistos também lá estão os 40 ladrões...
Posto isto, tudo depende da legitimidade e boa-fé de quem comercializa o produto.
Em Las Vegas, mesmo no coração da CES06, havia um enorme stand colectivo de fabricantes chineses que, com o maior descaramento ofereciam por catálogo cópias de amplificadores, colunas (as Sonus Faber são as mais pretendidas), leitores-DVD, etc, nos quais o comprador só tem de colocar o logótipo da sua empresa. Depois, basta abrir um escritório em Londres, Paris ou Nova Iorque, contratar uma telefonista e começar a vender. Conseguir umas críticas simpáticas nas revistas da moda também ajuda, embora não seja tão fácil como se pensa - é preciso conhecer as pessoas certas nos lugares certos...
Primeira exibição do conjunto Advance Acoustics prévio/monoblocos MPP5055/MAA705
A verdade é que, ao contrário de outras empresas-fantasma, a Advance Acoustics deu a cara em Las Vegas: o stand, tipo open space, era enorme e estava no coração da feira, embora lá quase encostado à parede - e não num vão de escada, ou num quarto de hotel decrépito à média luz para criar ambiente.
O tão aguardado duas-peças da Advance Acoustic com andar de saida a válvulas, ou, como eles lhe chamam 'convertisseur à tubes'
E não vi lá nenhum chinês. Fui atendido por um monsieur genuíno, quando até podiam ter lá plantado uma modelo francesa toda produzida a distribuir catálogos com aquele ar blasé das meninas que não fazem a mínima ideia do que estão ali a fazer.
Ora só isso é bom sinal: it shows a strong commitment, como dizem os americanos…
A Advance Acoustic nunca negou que os seus produtos são fabricados na China. Apenas garante que não se limitam a servir de intermediários para cobrar as mais-valias. Os chassis e as caixas serão, porventura, encomendados por catálogo, a avaliar pelas semelhanças com outros produtos OEM chineses, mas os circuitos são originais e os componentes seleccionados, sendo a montagem acompanhadain loco por um engenheiro da marca. Segundo a Delaudio, nenhum aparelho chega aos distribuidores sem passar primeiro por França para ser testado e comparado com o protótipo. Se pensarmos bem, Pièrre Cardin, Yves-Saint Laurent, etc., também produzem roupa em Portugal e…na China...
Instalações da Advance Acoustic, nos arredores de Paris (foto Advance Acoustic, direitos reservados)
A marca é francesa desde 1995, tem uma casa e um rosto: o “costureiro-chefe” é Jean-Christian Gesson, um verdadeiro perfeccionista: basta olhar para o interior do MAP407. A caixa está dividida em três compartimentos isolados: o primeiro, contém o transformador toroidal (apenas 800VA deixam-me dúvidas quanto à potência declarada do amplificador); o segundo, contém a ponte rectificadora, o banco de filtragem com 40 000 uF de capacidade, além de condensadores de desacoplamento; e o terceiro, contém o andar de préamplificação e de phono MM/MC, entre outros circuitos de regulação.
Longitudinalmente, em duas câmaras laterais, estão os andares de potência, com base numa configuração em triplo-push-pull de transístores bipolares Toshiba 2SC5002/2SA1943 NPN/PNP, que não são propriamente vendidos por aí ao quilo, acompanhando a extensa área de dissipação - curioso, era capaz de jurar pelo som que eram Mosfets, não fora a boa resposta a transitórios. Nota: o leitor Jon Gracio, notável projectista de áudio (tive a honra de ser seu consultor no desenvolvimento do prévio Antipode que utilizei no teste dos Nagra PMA), chamou-me a atençao para o facto de o transístor de deflecção horizontal 2SC5002, uma escolha já de si pouco ortodoxa num andar de potência, ser uma referência da Sanken e não da Toshiba. A questão foi remetida para M.Jean-Christian Gesson, e aguardo a resposta.Resposta: trata-se de uma gralha. O MAP407 utiliza 6 Toshiba SC5200/SA1943 por canal.
Painel posterior do MAP 407
É possível ligar um prévio externo ou processador para integração num sistema AV (Amp-in), uma facilidade pouco usual (inclui ainda a mais comum Pre-out). Eu aproveitei para experimentar ligar directamente as saídas variáveis do CD63KI, tal como fizera com o Nuforce. Só é pena não ter entradas balanceadas para permitir ligações com cabos longos a partir do meu prévio McIntosh. Mas até nisto a Advance mostra ser honesta: teria sido fácil montar fichas XLR pseudo-balanceadas apenas como argumento de venda.
Controlo remoto do MAP 407
Não se pode dizer que seja um amplificador essencialmente neutro: a tonalidade geral é caracterizada pelas cores quentes, as formas redondas e as texturas macias. Em especial, se optarmos pela ligação directa (função “power amps”) no remoto que faz by-pass ao andar de prévio e, consequentemente, a todas as funções de controlo de volume e selecção: o som torna-se ainda mais encorpado, mais orgânico, fluido - já ouvi amplificadores a válvulas soarem mais “transistorizados”. Por outro lado, não sofre do romantismo eufónico dos amplificadores a válvulas clássicos.
A assinatura acústica do andar de prévio não é demasiado óbvia, contudo introduz no som um ligeiro “recorte”, que impressiona a princípio, como sucede com a função “sharpness” na imagem. Ora, nem sempre mais recortado significa mais natural. Se possui um leitor-CD ou conversor com saída variável, não deixe da fazer esta experiência - o ganho em qualidade de som não é substancial mas desaparece por completo o já de si pouco “grão” existente, que parece ter origem no andar de prévio. Dependendo da impedância de saída da fonte, pode perder um pouco de “drive” e sentir um ligeiro - e, com CD, por vezes bem vindo - arredondamento dos agudos. Utilize cabos curtos.
Quando Delfim Yanez descobriu a Advance Acoustic, gostou do que viu e ouviu mas, sobretudo, pareceu-lhe uma boa oportunidade de negócio, num mercado em forte recessão, onde a verba para comprar amplificadores “high-end” não abunda. Passa-se o mesmo com os “pontas-de-lança” no nosso futebol: os jogadores excepcionais custam muito dinheiro e jogam todos no estrangeiro. Assim, temos de nos contentar com os mais “acessíveis”. Acontece que, por vezes, há jogadores cuja integração na equipa é mais fácil e são autênticas surpresas. É o caso do MAP407: forte, poderoso, tipo carregador de piano, corre o campo todo e aguenta os 90 minutos, sem nunca dar sarrafadas na música. O seu desempenho não tem o perfume dos génios, dos Figos e Zidanes da electrónica, mas é de uma consistência notável e não faz “chorar a bola” para utilizar uma expressão de Scolari…
Esta é, pois, a história de um leitor-CD que estava na prateleira (Marantz CD63KI) e de um amplificador que estava no banco (Advance Acoustic MAP 407), enquanto no relvado principal “jogavam” outras vedetas mais mediáticas. Quando resolvi finalmente mandá-los entrar em campo, deram-me uma banhada de música depois de um breve aquecimento prévio. Nota: após meia hora de utilização uma ligeira neblina electrónica desvanece-se, o ar do palco sonoro perde densidade, torna-se mais volátil e transparente, e o recheio acústico ganha volume, relevo e definição.
Eu já tinha utilizado o MAP407 com as Summit, e a apreciação inicial fora positiva. Mas as Summit têm graves activos, logo os amplificadores internos substituem-se ao amplificador externo, privando-nos, deste modo, de parte do seu desempenho. Isto, apesar de o grave das Summit variar com o tipo de amplificador externo, tal como acontece com as ligações high-level nos subwoofers. Perde-se, contudo, o “voicing” original (sim, os amplificadores também têm voicing como as colunas) que deve reflectir, no fundo, a personalidade do seu criador.
Martin Logan Clarity
Já vimos que os Nuforce não são compatíveis com as Summit (problema que está neste momento a ser corrigido pela Imacústica, apenas nos poucos exemplares importados antes de 2006), por isso optei pelas Martin Logan Clarity, que utilizo como par traseiro em aplicações multicanal. Quando o 9SE foi embora, lancei então o MAP407 no jogo, mantendo a mesma estratégia e distribuição da equipa em campo. E senti-me como aquele “olheiro”, que vê actuar um jogador bom e barato, que por pouco não tinha deixado ir embora para o clube rival, sem nunca lhe ter dado o devido valor.
Tal sucede também com os carros de motor V8, cuja principal característica não é a velocidade de ponta mas a capacidade de manter uma velocidade constante, independente dos incidentes de percurso, ou seja, do 'swing dinâmico': o MAP 407 dá-se bem com a complexidade orquestral, mantendo razoavelmente definida a trama harmónica, sem nunca esquecer que as cores e o padrão do tecido podem, por vezes, ser tão ou mais importantes para o ouvinte que revelar a percentagem exacta de linho ou algodão.
Tonalmente é doce sem ser enjoativo, pois o grave majestoso não projecta “sombras chinesas” na luminosa translucidez dos médios - é, aliás, aqui que reside a sua principal virtude. Ninguém diria que este “matulão” trata a música com punhos de renda: há uma cativante musicalidade na forma como reproduz o som, quase que uma assinatura valvular, que não afecta, contudo, a personalidade dinâmica de cada registo.
Não surpreende, pois, que se dê bem com a vivacidade dos tweeters de metal da Monitor Audio, contrariando a ideia feita de que são mais “dourados” aos olhos que aos ouvidos. Por mero acaso ou intuição, Delfim Yanez descobriu o elemento sinérgico perfeito para colocar entre as fontes Esoteric e as colunas Monitor Audio, que também distribui.
O MAP 407 não é nenhum santo, entenda-se. Quando a mostarda lhe chega ao nariz, isto é, quando sai do território audiófilo puro (20W em Classe A - ou 70W!?, como eu já li algures -, eis a questão), dá um murro na mesa e a voz pode endurecer com o esforço. Contudo, não detectei distorção audível que não pudesse ser atribuída às próprias Clarity, razão porque só deixei o botão de volume avançar até pouco mais que as duas da tarde: os níveis subiram de forma suave e consistente. Resumindo: não senti necessidade de mais potência, embora ela estivesse disponível a pedido.
O MAP407 é o Krell dos 'pobres'. Um amplificador de Classe A (com colunas de sensibilidade média-alta funcionará como tal a maior parte do tempo), que tem em reserva quase 200W em Classe B para o que der e vier. Uma pessoa olha para aqueles trinta quilos de músculo e pensa: isto deve ser bom para tocar rock a abrir. Mas não se deixe levar pelas aparências, embora às vezes a força faça muito jeito. Aqui é na qualidade dos primeiros 20W que está o segredo. Aliás, segundo Nelson Pass, é mesmo no “First Watt” que está a essência do som de um amplificador.
A 'Pastoral', de Beethoven (Delos)
Tenho uma versão da “Pastoral” de Beethoven, da etiqueta Delos, pela Chamber Symphony of New York, dirigida por Gerard Schwarz, que é a “cara” do MAP407. O disco foi gravado num estúdio às escuras, apenas iluminado pelos candeeiros das pautas. A interpretação exala serenidade, intimismo e profundidade emocional: mehr Ausdruck der Empfindung als Malerei, segundo Beethoven, que é como quem diz “mais expressão de sentimentos que pintura”. O leit-motiv exposto logo no 1º Andamento é uma melodia de uma simplicidade desarmante, que é repetida continuamente ora pelos violinos, ora pelas flautas e os violoncelos. Dolce pode ler-se nas notas de interpretação à margem feitas por Beethoven. E é isso que se sente na audição: doçura. Mesmo notutti que precede a conclusão, o MAP407 mantém-se atento mas sereno. É só no Allegro do 4º Andamento, “A tempestade”, que ele se serve da energia de reserva para reproduzir o rugir dos contrabaixos, o pizzicato frenético dos violinos e os relâmpagos luminosos dos flautins, que precedem a entrada de rompante dos trombones e o rufo assustador dos tímbales. O Alegretto final, que abre com um clarinete agridoce e fecha com um pianissimode trompa em surdina, foi reproduzido em…classe Ah! Uma agradável surpresa.
A imagem tem amplitude e profundidade, o enfoque é mais abrangente que preciso, como se optasse voluntariamente por mostrar a luxuriante beleza da floresta composta por árvores e não tanto as árvores que compõem a floresta. Não notei modulação “transistorizada” nas altas frequências, nem vibrações “valvulares” no grave, mesmo tendo em conta as limitações das Clarity neste departamento.
A referida “luminosa translucidez” do palco sonoro favorece a reprodução intimista das vozes e dos instrumentos e serve de elemento aglutinador, qual “cimento harmónico” de Vivaldi. Num teste cego, eu teria apostado (e teria perdido, claro) que algures no caminho do sinal brilha a luz de uma válvula, o que significa que há um bom equilíbrio entre as 2ª e 3ª harmónicas na THD com presença negligenciável ou nula de harmónicas mais elevadas.
Não me interessa se o Advance Acoustic MAP407 é francês de gema ou chinês: a música que reproduz é universal. E para voltar à metáfora futebolística de abertura: quantos dos jogadores da selecção gaulesa são franceses genuínos?
Sinto-me como o Filipão, que deixou o Nuno Gomes no banco durante tanto tempo, e afinal foi ele que marcou o golo que salvou a honra do convento…
Vou utilizá-lo, ao MAP 407, não ao Nuno Gomes, credo!, como equipamento complementar no teste das Anthony Gallo Reference III, e vai ser giro compará-lo com o Krell FBI, que chegou hoje. Fica aqui o apelo ao Delfim para que se “esqueça” de o vir buscar durante mais algum tempo…
Conclusão: não conheço nenhum amplificador desta potência (200W), com este nível de construção funcionalidade e som, por este preço (1 880 euros). Mas estou aberto a que me provem que existe...
Para mais informações: DELAUDIO