Apesar de estar constantemente rodeado de fillet-mignon audiófilo, ou talvez por isso (quem tem equipamento desta qualidade à sua disposição só lhe apetece ouvir música), tenho andado preguiçoso para escrever. Só o meu sentido de dever - e por dever aqui refiro-me ao respeito que tenho pelos meus leitores fiéis - me obriga a sair desta letargia gostosa e partilhar com eles as minhas mais recentes emoções acústicas.
Quando do teste dos Bel Canto M1000, tinha combinado com o José Martins, da JM Audio, que eu iria manter os amplificadores na minha posse até chegar o DAC3, cujo protótipo me tinha sido apresentado pessoalmente, em Las Vegas, por John Stronczer. Em boa hora o fiz: este, sim, é um verdadeiro trio de ataque
Quem já ouviu de tudo, como eu, tem uma natural tendência para não acreditar em milagres, em especial no campo digital, onde já tudo foi inventado. As coisas são o que são, e sabe-se que já não é possível sacar muito mais sumo do velho CD: ora o “noise floor” do DAC3 é 30dB mais baixo que o da conversão a 16-bit! Como eu adoro que me provem que estou enganado…
BEL CANTO e.One DAC3
Deixemo-nos de tretas. A maior parte dos audiófilos sabe ler em língua inglesa e tem os conhecimentos técnicos básicos para perceber as especificações dos equipamentos de áudio. O “white paper”, ou seja, a descrição técnica completa sobre o DAC3 está disponível na net aqui. Está lá tudo, incluindo gráficos das fabulosas medições obtidas com um Audio Precision. e, portanto, não vale a pena eu estar a perder tempo a traduzir tudo só para “encher papel” e mostrar que sou um tipo com vastos conhecimentos.
Compete-me, contudo, chamar a atenção para alguns dos aspectos específicos do DAC3 que o tornam assim tão especial. Nomeadamente, o facto de ter controlo de volume. Na prática, pode ser utilizado como um pré-amplificador digital com entradas AES, SPDIF RCA/BNC, todas com transformador, Toslink e USB e saídas analógicas simples e balanceadas.
A verdade é que o DAC3 não é um verdadeiro prévio, mas antes um atenuador/selector. A tensão à saída dos DACs é de 4,5V, portanto não precisa de mais ganho. Mas também não se pode considerar um “passivo”: tem um “buffer” activo de saída em Classe A para alimentar cabos longos com um ruído de saída 15dB mais baixo que qualquer prévio conhecido pela humanidade, que não interfere com a gama dinâmica digital de 130dB, ou seja, ao nível do SACD.
A selecção faz-se por meio de pressão/rotação no enorme botão negro do lado esquerdo do painel. A ideia é gira, mas é preciso apanhar o jeito até se conseguir aquilo que se quer.
Nas especificações técnicas deve realçar-se a utilização da tecnologia Ultra-Clock que torna o DAC3 praticamente imune aojitter independentemente da fonte. Ojitter máximo é de 5 ps (!), isto mesmo com 10ns de jitter no sinal à entrada, o que significa que até um leitor-DVD pode servir como transporte. Tal como com o meu Chord DAC64, a conversão é assíncrona (como a dos PC), fazendo-se internamente o re-clock e oupsampling do sinal para 24bit-192kHz.
John Stronczer sugeriu-me que ligasse o DAC3 directamente aos M1000 com cabos balanceados, e foi isso que fiz, utilizando cabos Siltech de 3, 5 m. Neste caso, o volume é regulado no próprio DAC3. Esta é provavelmente a solução mais prática e mais eficaz; e também a mais lógica.
Porquê interpor mais electrónica no caminho do sinal? Por muito bom que um prévio seja, nunca poderá ser melhor que prévio nenhum, right? Wrong.
Pode ser uma tara minha, mas eu acho que os “atenuadores” digitais roubam resolução ao sinal. Já era assim com os Wadia. Com ligação directa aos M1000 o som do DAC3 é excelente. Com o prévio McIntosh MC2200 de permeio, o som é excepcional. Talvez seja mais colorido; talvez tenha (tem com certeza) menos dinâmica, logo mais ruído de fundo (o silêncio do DAC3 é absolutamente espantoso); talvez eu esteja viciado no som (eufónico?) das válvulas; talvez seja até uma estupidez ligar mais um aparelho e ainda esperar que aqueça, logo também mais cabos e fichas; mas estes ouvidos que a terra há-de comer dizem-me que o DAC3 soa melhor com o som no máximo (100 no mostrador) e o volume regulado a gosto no “Mac”. Por melhor, entenda-se apenas um pouco mais de vivacidade e informação (distorção?) nas altas frequências e mais“drive”, pudera, nos graves.
Contudo, se o seu amplificador tem pouco ganho e as suas colunas são pouco eficientes, ou seja, se o nível confortável de audição se obtém com o volume perto do máximo (80-100), então talvez se deva dar o benefício da dúvida. Estou certo que Stronczer me consegue provar que a resolução é exactamente a mesma a qualquer nível de sinal mas eu estou a ficar teimoso com a idade. Não tão teimoso, contudo, que não admita que o DAC3 é superior ao DAC64, nomeadamente ao nível da neutralidade, resolução e patamar de silêncio. O processamento interno faz-se com uma gama dinâmica teórica de 170dB(!), segundo a Bel Canto. Ora isto está abaixo do que é possível medir mesmo com o Audio Precision.
Quando me preparava para publicar, fiz outra experiência: substituí os Siltech balanceados de 3, 5 m por Nordost Valhala de apenas 1 m na ligação DAC3/M1000 e os agudos ganharam alguma da luminosidade perdida. Talvez o problema afinal esteja no comprimento excessivo dos cabos, pensei. Mesmo assim, acho que o DAC3 soa melhor com o volume a 100 à hora. É tudo uma questão de equilíbrio psicológico entre resolução e coesão. O trio DAC3/M1000s é, sem dúvida, muito mais coeso, de uma peça só, que qualquer outra combinação que tentei, como se, finalmente, fosse possível pegar num CD e encostá-lo ao ouvido para ouvir sem mais interferências, como eu fazia em criança com os búzios gigantes na praia, pois a sensação que nos dá é a de que se limita a amplificar os sinais musicais lá registados em código binário.
O DAC3 é, pois, neutro, no sentido em que o detalhe faz parte de um todo orgânico, e se limita a contribuir para a riqueza do tom e a correcção do timbre, sem dar realce excessivo às cores vivas dos transitórios. Na tropa chamava-se a isto “ordem unida”: o pelotão dos sons marcha com a elegância suave de uma lagarta de mil patas: sobe, desce, vira, roda, avança e pára ao ritmo da música, deixando-nos em posição de sentido.
Estou a ouvir “Transparente”, de Mariza, enquanto escrevo. O disco não é isento de críticas: voz e acompanhamento foram gravados em separado, e isso nota-se por vezes como um corpo acústico que rejeita um órgão por sentir que não é seu. Mas, se nos concentrarmos só em Mariza, verificamos que o DAC3 integra a respiração e a voz de tal forma que produz um efeito emocional acrescido na audição, algo que só é possível, de facto, com um jitter muito baixo, pois nos CD quer as sibilantes e fricativas, quer o fluxo controlado de ar têm a tendência malévola para se constituírem em entidades autónomas em função do maior ou menor desvio de fase e de erros no domínio do tempo. Como o cão que persegue o rabo sem nunca o alcançar. Com o DAC3 não há rabos - nem de palha...
Isto é o mais próximo que um CD alguma vez chegou de um master tape. Ou de um LP sem estalos, empenos e fritadeira.
Distribuidor: JM Audio, Av. Arsenal do Alfeite, 64, 1º A . 93 649 47 93 . [email protected]
Preço: 3 000 euros
Quando do teste dos Bel Canto M1000, tinha combinado com o José Martins, da JM Audio, que eu iria manter os amplificadores na minha posse até chegar o DAC3, cujo protótipo me tinha sido apresentado pessoalmente, em Las Vegas, por John Stronczer. Em boa hora o fiz: este, sim, é um verdadeiro trio de ataque
Quem já ouviu de tudo, como eu, tem uma natural tendência para não acreditar em milagres, em especial no campo digital, onde já tudo foi inventado. As coisas são o que são, e sabe-se que já não é possível sacar muito mais sumo do velho CD: ora o “noise floor” do DAC3 é 30dB mais baixo que o da conversão a 16-bit! Como eu adoro que me provem que estou enganado…
BEL CANTO e.One DAC3
Deixemo-nos de tretas. A maior parte dos audiófilos sabe ler em língua inglesa e tem os conhecimentos técnicos básicos para perceber as especificações dos equipamentos de áudio. O “white paper”, ou seja, a descrição técnica completa sobre o DAC3 está disponível na net aqui. Está lá tudo, incluindo gráficos das fabulosas medições obtidas com um Audio Precision. e, portanto, não vale a pena eu estar a perder tempo a traduzir tudo só para “encher papel” e mostrar que sou um tipo com vastos conhecimentos.
Compete-me, contudo, chamar a atenção para alguns dos aspectos específicos do DAC3 que o tornam assim tão especial. Nomeadamente, o facto de ter controlo de volume. Na prática, pode ser utilizado como um pré-amplificador digital com entradas AES, SPDIF RCA/BNC, todas com transformador, Toslink e USB e saídas analógicas simples e balanceadas.
A verdade é que o DAC3 não é um verdadeiro prévio, mas antes um atenuador/selector. A tensão à saída dos DACs é de 4,5V, portanto não precisa de mais ganho. Mas também não se pode considerar um “passivo”: tem um “buffer” activo de saída em Classe A para alimentar cabos longos com um ruído de saída 15dB mais baixo que qualquer prévio conhecido pela humanidade, que não interfere com a gama dinâmica digital de 130dB, ou seja, ao nível do SACD.
A selecção faz-se por meio de pressão/rotação no enorme botão negro do lado esquerdo do painel. A ideia é gira, mas é preciso apanhar o jeito até se conseguir aquilo que se quer.
Nas especificações técnicas deve realçar-se a utilização da tecnologia Ultra-Clock que torna o DAC3 praticamente imune aojitter independentemente da fonte. Ojitter máximo é de 5 ps (!), isto mesmo com 10ns de jitter no sinal à entrada, o que significa que até um leitor-DVD pode servir como transporte. Tal como com o meu Chord DAC64, a conversão é assíncrona (como a dos PC), fazendo-se internamente o re-clock e oupsampling do sinal para 24bit-192kHz.
John Stronczer sugeriu-me que ligasse o DAC3 directamente aos M1000 com cabos balanceados, e foi isso que fiz, utilizando cabos Siltech de 3, 5 m. Neste caso, o volume é regulado no próprio DAC3. Esta é provavelmente a solução mais prática e mais eficaz; e também a mais lógica.
Porquê interpor mais electrónica no caminho do sinal? Por muito bom que um prévio seja, nunca poderá ser melhor que prévio nenhum, right? Wrong.
Pode ser uma tara minha, mas eu acho que os “atenuadores” digitais roubam resolução ao sinal. Já era assim com os Wadia. Com ligação directa aos M1000 o som do DAC3 é excelente. Com o prévio McIntosh MC2200 de permeio, o som é excepcional. Talvez seja mais colorido; talvez tenha (tem com certeza) menos dinâmica, logo mais ruído de fundo (o silêncio do DAC3 é absolutamente espantoso); talvez eu esteja viciado no som (eufónico?) das válvulas; talvez seja até uma estupidez ligar mais um aparelho e ainda esperar que aqueça, logo também mais cabos e fichas; mas estes ouvidos que a terra há-de comer dizem-me que o DAC3 soa melhor com o som no máximo (100 no mostrador) e o volume regulado a gosto no “Mac”. Por melhor, entenda-se apenas um pouco mais de vivacidade e informação (distorção?) nas altas frequências e mais“drive”, pudera, nos graves.
Contudo, se o seu amplificador tem pouco ganho e as suas colunas são pouco eficientes, ou seja, se o nível confortável de audição se obtém com o volume perto do máximo (80-100), então talvez se deva dar o benefício da dúvida. Estou certo que Stronczer me consegue provar que a resolução é exactamente a mesma a qualquer nível de sinal mas eu estou a ficar teimoso com a idade. Não tão teimoso, contudo, que não admita que o DAC3 é superior ao DAC64, nomeadamente ao nível da neutralidade, resolução e patamar de silêncio. O processamento interno faz-se com uma gama dinâmica teórica de 170dB(!), segundo a Bel Canto. Ora isto está abaixo do que é possível medir mesmo com o Audio Precision.
Quando me preparava para publicar, fiz outra experiência: substituí os Siltech balanceados de 3, 5 m por Nordost Valhala de apenas 1 m na ligação DAC3/M1000 e os agudos ganharam alguma da luminosidade perdida. Talvez o problema afinal esteja no comprimento excessivo dos cabos, pensei. Mesmo assim, acho que o DAC3 soa melhor com o volume a 100 à hora. É tudo uma questão de equilíbrio psicológico entre resolução e coesão. O trio DAC3/M1000s é, sem dúvida, muito mais coeso, de uma peça só, que qualquer outra combinação que tentei, como se, finalmente, fosse possível pegar num CD e encostá-lo ao ouvido para ouvir sem mais interferências, como eu fazia em criança com os búzios gigantes na praia, pois a sensação que nos dá é a de que se limita a amplificar os sinais musicais lá registados em código binário.
O DAC3 é, pois, neutro, no sentido em que o detalhe faz parte de um todo orgânico, e se limita a contribuir para a riqueza do tom e a correcção do timbre, sem dar realce excessivo às cores vivas dos transitórios. Na tropa chamava-se a isto “ordem unida”: o pelotão dos sons marcha com a elegância suave de uma lagarta de mil patas: sobe, desce, vira, roda, avança e pára ao ritmo da música, deixando-nos em posição de sentido.
Estou a ouvir “Transparente”, de Mariza, enquanto escrevo. O disco não é isento de críticas: voz e acompanhamento foram gravados em separado, e isso nota-se por vezes como um corpo acústico que rejeita um órgão por sentir que não é seu. Mas, se nos concentrarmos só em Mariza, verificamos que o DAC3 integra a respiração e a voz de tal forma que produz um efeito emocional acrescido na audição, algo que só é possível, de facto, com um jitter muito baixo, pois nos CD quer as sibilantes e fricativas, quer o fluxo controlado de ar têm a tendência malévola para se constituírem em entidades autónomas em função do maior ou menor desvio de fase e de erros no domínio do tempo. Como o cão que persegue o rabo sem nunca o alcançar. Com o DAC3 não há rabos - nem de palha...
Isto é o mais próximo que um CD alguma vez chegou de um master tape. Ou de um LP sem estalos, empenos e fritadeira.
Distribuidor: JM Audio, Av. Arsenal do Alfeite, 64, 1º A . 93 649 47 93 . [email protected]
Preço: 3 000 euros