Antes deste teste auditivo formal, já tinha ouvido as CM1 em duas ocasiões. Na Transom, com amplificação e fonte Linn (CD12!!); e no Hotel Açores, no arranque do ArtAudio Roadshow (ver Artigo Relacionados), entre dois dedos de conversa e um biscoito. A minha primeira impressão de um grave articulado, médios um pouco “laid back” e agudos doces mas extensos manteve-se ao longo destas duas semanas de audição, a que se juntaram ainda outras “impressões”, daquelas que só deixam marcas com o tempo, e passam despercebidas num primeiro encontro, um pouco como acontece com as pessoas que aprendemos a conhecer melhor com o convívio e o intercâmbio de ideias.
Concordo com o Alberto Silva: as CM1 constituem um ponto de viragem na filosofia da Bowers&Wilkins: na forma e no conteúdo. Tal como outro ex-libris da cultura britânica, o Manchester United, a B&W é propriedade de um americano. Não admira, pois, que os seus modelos de topo não sejam famosos pela discrição e pela contenção. De uma maneira geral, as B&W impõem-se pelo físico (formas arrojadas e distintivas) e pelo poder do som (soam melhor a volumes elevados), sendo que ambos os aspectos são mais consentâneos com salas de dimensão média e grande.
TRADIÇÃO BRITÂNICA
As CM1 recuperam a tradição “very british” do pequeno monitor doméstico, de que as famosas Rogers LS35a são a principal referência. Mas estou a lembrar-me de minimonitores de grande sucesso no mercado como as ProAc Tablette Reference 8, em especial as Signature. E escolho estes dois exemplos porque o conceito das CM1 se situa algures entre ambos. Estará a virtude no meio?
As CM1 inspiram-se na baixa sensibilidade das LS35a, que são de 'caixa-fechada', dita 'infinit baffle', e revelaram na audição uma certa “discrição” e “recuo” dos médios, quase um “low profile” em resultado da depressão na curva de resposta na zona de presença. As LS35a tenham sido optimizadas para a “grande gama média”, o que não é o caso das CM1, que apostam claramente nos extremos do espectro, dentro dos limites apertados das leis da Física, no que concerne à resposta no extremo inferior.
As CM1 exibem a mesma extraordinária capacidade das Tablette para “ludibriar” a Física, nomeadamente na reprodução de graves, com o auxílio de um pórtico reflex sintonizado para uns musculados 58Hz, com as Tablette a atingir níveis de pressão sonora que não estão ao alcance das CM1.
TWEETER DE ELEIÇÃO
De muito pessoal e intransmissível têm as CM1 um “tweeter” de alumínio com tubo de carga Nautilus (que se pode ver através do pórtico aberto atrás) com uma resposta útil até aos 50kHz (!) e a possibilidade de trabalhar com um filtro simples de 1ª ordem, com um único condensador, característica que herdou das 805S. Eu teria preferido um filtro “sinecap”, isto é, isento de condensadores, como o concebido por Franco Serblin para as famosas Extrema, mas não se pode ter tudo, e os resultados falam por si: o agudo da CM1 tem aquela agradável característica de “doçura prolongada”, típica dos “tweeters” de diamante dos modelos de topo da marca, que lhe devem ter servido de referência: uma sensação de puro prazer auditivo resultante da transparência do ar, e da ausência de grão e agressividade, que, na minha experiência, atinge o esplendor máximo com os inimitáveis “tweeters” de plasma das ACapella.
DA TEORIA À PRÁTICA
As B&W CM1 não deviam tocar bem, isto a acreditar nas teorias de que o prato espelhado do “tweeter” e as arestas, tão vivas como o vinco de uma calças acabadas de chegar do alfaiate, são outros tantos factores de difracção, que outros construtores, como a Sonus Faber, cujo modelo Concertino serviu aqui de termo de comparação, se esforçam por eliminar, evitando paredes paralelas, boleando arestas e até forrando o “baffle” de pele rugosa. Por outro lado, a aposta num cone em kevlar de longo curso e pequeno diâmetro, que eclipsa parcialmente o tweeter, na busca do “point source” ideal, reduziu o “baffle” ao mínimo possível, e sabe-se como isso contribui positivamente para a qualidade da imagem estereofónica.
Como todos os monitores compactos, as CM1, cuja dimensão em profundidade tenta compensar de alguma forma o reduzido volume interno, perde em capacidade de movimentar ar o que ganha em baixa coloração de caixa, porque é muito mais fácil eliminar vibrações em painéis de pequena superfície.
NUFORCE: A NUDEZ CRUA DA VERDADE
Os NuForce Reference 9 andavam aqui por casa em período de aclimatação antes da chegada da versão SE. Ora as Summit são incompatíveis com os Nuforce (é necessário fazer o upgrade da fonte de alimentação das Summit, que, aliás, também resolve o tal “grave problema do baixo” - ver teste). Assim as CM1 tiveram a rara felicidade de serem acolitadas por um par de amplificadores NuForce Reference 9, que são notáveis na capacidade revelada para “energizar” colunas de pequeno porte, conferindo aos graves, além de mais uma oitava aparente em extensão, poder, ataque, ritmo, articulação, definição e informação, a que se junta uma inusitada transparência e claridade, fruto da baixa distorção nesta importante área do espectro sonoro, e um controlo férreo resultante do elevado factor de amortecimento, cujo efeito instantâneo de “pára-arranca” não cessa de me surpreender.
O som seco (mas nunca estéril), transparente e incolor dos Nuforce é extensivo aos registos médios. De tal forma que denunciaram de imediato as diferenças entre as CM1 e as Concertino. Embora um pouco mais “coloridas”, de textura menos fina, sobretudo no agudo, as Concertino têm mais presença e ataque nos registos médios, e permitem também atingir níveis de pressão sonora que não estão alcance das CM1. Com transitórios violentos de percussão, as CM1 foram várias vezes ao tapete, revelando tendência para “bottoming” (o altifalante de médio-graves “bate no fundo” ao atingir o limite do seu percurso pistónico). Esta característica limita também à partida a capacidade que as CM1 têm de “encher” uma sala de música. Não é uma questão de tocarem alto ou baixo, é antes uma questão de poder e autoridade intrínseca. Digamos que as CM1 têm um som bonito, delicado, de pele macia, tipicamente feminino.
MAIS EXTENSO, MENOS INTENSO
As CM1 parecem ter mais grave que as Concertino, ainda que isso se deva ao facto do acoplamento aos 58Hz, entre o pórtico reflex e a sala, se verificar na frequência de ressonância típica de uma sala pequena, que é também a frequência onde se centram as fundamentais e alguns harmónicos de certos instrumentos de percussão e a guitarra baixo (neat trick B&W!). Daí o espanto dos ouvintes quando tentam relacionar o que vêem com o que ouvem em termos de dimensão. Será possível?
É curioso como, colocando os “anéis” de espuma, fornecidos pela B&W, na boca do pórtico, temos a sensação subjectiva de “menos” grave, quando, de facto, a frequência do pórtico desce para os 40Hz, tornando o grave menos intenso, mas subjectivamente mais tenso e objectivamente mais extenso. Ou seja, tal como acontece no outro extremo do espectro, um agudo mais extenso torna-se menos incisivo e mais doce, e não o contrário.
É, aliás, assim, que eu prefiro ouvir as CM1, até porque os registos médios soam algo tímidos nas duas oitavas imediatamente acima (120/240Hz) quando na presença duns 50/60Hz reforçados pela sala. Em salas maiores, o contrário poderá ser verdade, pois a onda tem mais campo para se estender e formam-se menos ondas estacionárias centradas na frequência de ressonância. Em ambos os casos, é prudente não encostar as CM1 à parede. Deste modo, a notável articulação mantém-se inalterada, quando não mesmo melhorada, pois a gama média ganha presença e corpo, como se a ligeira depressão na zona de presença 1,5/2kHz tivesse sido “insuflada”, linearizando a resposta em frequência e o balanço tonal. A minha crítica de médios “slightly laid back” torna-se assim menos pertinente (impertinente?...).
Elevar as CM1 um pouco, colocando-as em suportes mais altos, ou incliná-las suavemente para trás também ajuda a colmatar o estado “depressivo” dos médios, conferindo-lhes mais joie de vivre e alguma frontalidade.
ENCHER CHOURIÇOS
Durante muitos anos, utilizei a técnica de “obstrução parcial” dos pórticos reflex das colunas com “chouriços” feitos de meias-de-vidro mais ou menos cheios com lã natural para fazer descer a frequência de ressonância até encontrar o acoplamento ideal com a sala. As Wilson Audio Watt+Puppies 5, por exemplo, sempre me deram água pela barba.
Um dia, no Festival de Música da Póvoa do Varzim, montei, em colaboração com a Imacústica, umas Wilson numa sala enorme com um tecto falso que funcionava como uma corneta de baixas frequências. As Wilson ribombavam como os canhões de Navarone. Enquanto a equipa da Imacústica foi jantar, eu fiquei a dar voltas às colunas e à cabeça, até que decidi “encher chouriços”. Quando eles voltaram do jantar, o som estava já muito aceitável. O Canizes, que na altura fazia parte da equipa, não queria acreditar na transformação. “Como conseguiu controlar o grave?”, perguntou-me. “É segredo…”, respondi-lhe.
Entretanto, à noite, a pedido de um dos presentes, o Canizes coloca no leitor-CD o famoso Hifi News Test Disc I. Nota: este disco esteve na base do concurso internacional de crítica, que ganhei, por unanimidade de um júri que incluía Ken Kessler e John Atkinson (o meu texto foi publicado na revista e o prémio na altura foi um Musical Fidelity A1).
A última faixa é o registo, com microfones Calrec Soundfield, do som real do engenheiro dentro de uma garagem fechada a dar murros na porta metálica. A dinâmica é impressionante. E as Wilson são das poucas coluna capazes de a reproduzir. De repente, com a sala cheia de gente, saem os “chouriços” disparados para trás como balas de canhão…Foi um dos muitos episódios cómicos da minha vida audiófila. Os anéis de espuma das CM1 são cilindros ocos e agarram-se como lapas às paredes do pórtico: once in place they stay in place…
A RFI ANDA POR AÍ
O tweeter é de facto a cereja no bolo das CM1: doce, extenso e informativo com uma performance excepcional nesta categoria de produto. Tanto assim que me permitiu detectar algo que me tinha escapado antes: a influência da RFI (interferência por rádio frequência) no som dos Nuforce Reference 9.
Não, não, o agudo dos Nuforce não é agressivo ou granulado, é algo de muito diferente aquilo com que nos confrontamos aqui: uma idiossincrasia da tecnologia utilizada, aliás reconhecida de imediato por Casey, o meu contacto directo no “support team” do fabricante. A ideia com que fiquei é a de que a NuForce nunca abandona os seus clientes, e informa sempre com honestidade sobre os seus produtos, com o objectivo único de melhorar o já de si excelente desempenho dos seus amplificadores, que, em alguns aspectos, é superior a tudo o que já ouvi antes - e foi muito!... Mas isso fica para o teste dos Nuforce Reference 9 SE, quando voltar de Munique.
Embora seja de Classe D, o Nuforce não tem nada de digital, e a portadora que modula o sinal aos 500kHz, é transmitida como num rádio AM. No final um filtro devia eliminar integralmente a presença da portadora no sinal áudio. Contudo, o que resta de RFI, em princípio inaudível por se situar muito acima da banda áudio, é suficiente para “interferir” com outros equipamentos, como préamplificadores a válvulas ou rádios, e isso ouve-se como uma “metalização” do agudo, um “zing” que está vagamente presente nas notas altas do piano e nos pratos. Na presença dos Nuforce, o meu Tivoli One não consegue captar o sinal FM e a portadora é audível em certas frequências AM. Esta RFI pode voltar a entrar no circuito através dos cabos de corrente de sector, por exemplo. Daí a importância de uns cabos como os Siltech ou outros igualmente imunes às interferências exteriores. Garantidas estas condições, os Nuforce Reference 9 são capazes de levar as CM1 ao êxtase. E nós com elas…
OS MILAGRES NÃO CAEM DO CÉU
As B&W CM1 são um milagre acústico. Mas os milagres não caem do céu. É preciso trabalho e perseverança. E muita fé. Se não obtiver bons resultados logo à primeira, não desanime: optimize a colocação na sala, tente ouvi-las com e sem “anéis” de espuma no pórtico reflex, acasale-as com amplificadores com…tomates (são fáceis de alimentar mas pouco sensíveis), experimente vários tipos de cabos.
Um dia vai poder finalmente perceber a razão por que o fado se canta de olhos fechados: é que já nem nós acreditamos que um povo tão pequeno possa ter cometido tão grandes feitos no passado. Também há colunas de som assim no presente…
Para mais informações: ARTAUDIO