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2006

Duette Vs Memento - Parte 2: O Confronto



John Atkinson escreveu um dia a propósito de um teste comparativo de amplificadores, a transístores e válvulas, nas suas várias implementações: “se um destes amplificadores estiver certo, os outros estão errados”...


Deste modo, eximia-se também diplomaticamente a atribuir a qualquer deles a vitória na contenda, alegando que a filosofia de “cada cor seu paladar” acaba por servir melhor o mercado, pois os gostos dos consumidores variam; logo, o “paladar” dos produtos deve abarcar um leque o mais amplo possível para satisfazer todos os gostos.



Embora eu sempre tenha defendido que “isto da crítica” não é apenas uma questão de gosto pessoal, e que aquela se rege por parâmetros objectivos com base no senso comum do que se entende ser um som correcto, que, tal como o conceito de beleza, varia com a época, a verdade é que, se houvesse um “som absoluto”, as colunas, amplificadores, etc., tenderiam a tornar-se cada vez mais iguais no desempenho, na razão directa do preço e da qualidade do projecto.



Ora, é exactamente o oposto que se verifica: são os produtos baratos que soam cada vez mais iguais, enquanto as principais diferenças se situam ao nível do highend, onde as “nuances” se compram ao preço do ouro. No highend, é, pois, nos detalhes que está a diferença, ou seja, no “acessório”, pois o essencial da reprodução está por definição garantido à partida pela qualidade do projecto e do projectista.



Além das questões de pormenor, no highend há uma outra variável: a filosofia do construtor, que é também uma questão cultural. Os audiófilos sabem que uma coluna projectada por Dave Wilson é, na sua génese acústica, diferente de outra concebida por Franco Serblin, do mesmo modo que sabem, mesmo antes de ver os filmes, o que esperar de Tarantino ou Spielberg. Neste contexto, tal como em Direito, coisas diferentes devem ser tratadas de forma diferente. Foi com esse espírito que parti para audição: primeiro das Duette, depois das Memento, sabendo à partida que são experiências singulares, isto é, não comparáveis.



WILSON AUDIO DUETTE
As Duette na 'prateleira'


As Duette foram apresentadas na CES 2005, em Las Vegas, ainda sob a forma de protótipo. Na CES 2006, numa suite do Hotel Mirage, Dave Wilson demonstrou finalmente as Duette, colocadas numa estante, comparando-as com as Krell LAT 2000, montadas sobre suportes, e as B&W 800D (!). Cheguei um pouco atrasado ao evento social, por razões que já tive oportunidade de esclarecer aqui no Hificlube (ver Artigos Relacionados), pelo que posso considerar esta experiência, que me foi amavelmente proporcionada pela Imacústica, como a “primeira audição oficial”.
Auditório principal da Imacústica
Krell FBI no comando das operações


O sistema complementar, composto pelo novo Krell FBI (outra estreia oficial), leitor-CD Krell KPS28 e cabos Transparent, tinha sido previamente montado, no auditório principal da nova loja da Imacústica, por Luís Campos, que, com o profissionalismo e o entusiasmo genuíno que se lhe reconhecem, procedeu também à demonstração e selecção musical, tendo eu apenas interferido, ao solicitar mais ou menos volume numa ou outra faixa. O filtro externo Novel da Duette tinha sido afinado pelo Luís para 'montagem sobre suporte' (é preciso mudar o cabo e duas resistências), e parto do princípio que estava tudo de acordo com as indicações do manual.


Na audição, fiz-me acompanhar por alguns membros da família: a minha esposa Leonor, o meu filho Pedro e Inês, a namorada deste, além de Alexandre Lobo, o feliz contemplado com o 14º Prémio do sorteio do 20º Aniversário, que nunca se manifestou. E refiro a presença da minha família, porque se revelou importante, em especial a capacidade auditiva e emocional do sexo feminino, na “relevância” atribuída, ou avaliação subjectiva, se preferir, de algumas questões de pormenor que distinguem ambas as colunas.


O auditório tem dimensões adequadas e tratamento acústico q.b., além de boas condições de silêncio e conforto. O FBI e as Duette tinham acabado de chegar pelo que não estavam rodados. Não cabe aqui a descrição pormenorizada do amplificador e das colunas, que podem com vantagem ler on line na página da Imacústica. Contudo, realço três aspectos fundamentais das Duette: o filtro divisor externo configurável, a caixa moldada em “X” (o material sintético utilizado nos modelos da marca) e a aposta num tweeter de cúpula mole e num “médio-grave” em papel tratado, ou seja, um regresso aos produtos “naturais”: seda e papel, em detrimento de materiais mais sofisticados.


A Duette é uma 'duas-vias', e sabe-se como, nesta configuração, o woofer tem a seu cargo a parte de leão da reprodução musical. Tratando-se de uma unidade de 8 polegadas, mais adequada para reproduzir médio-graves que médio-agudos, isto significa que tem de haver muito engenho e arte no desenho do filtro para obter resultados satisfatórios. E parece que é o caso. Contudo, uma unidade de médio-graves não é a mais adequada para reproduzir frequências acima dos 5kHz (e esta unidade está ainda bem activa nesta frequência), além de que se torna complicado controlar o padrão de dispersão. É essa, aliás, a principal queixa dos críticos da filosofia áudo de Dave Wilson: a ausência de uma verdadeira unidade de médios.


Há centenas de modelos de 'duas-vias', mas a Duette é um monitor highend e tem de portar-se com tal. Será que justifica o epíteto? O entusiasmo de Luís Campos não deixava margem para dúvidas, mas entusiasmar-se, entusiasmando os outros, não é também o seu papel?...


A audição, sempre com base no Cd-Sampler Burmester 03, teve um início auspicioso com “A time for Love”, de Melissa Walker. A voz de Melissa soou doce, melíflua, ligeiramente “soprada”, com óbvio ênfase na zona de presença, envolta num halo de reverberação controlada, no qual mergulhavam as notas soltas do piano até morrerem na profundidade do decay. Notei um “piquinho de dureza” nos registos médios do piano, típico de um altifalante ainda “verde”. Excelente o recorte da mão esquerda. Extensão q.b. com muito boa integração geral. Notável claridade e definição com evidente transparência da atmosfera envolvente.


A Sonata Concertata, para violino e guitarra, de Nicolo Paganini, revelou a mesma notável claridade e excepcional riqueza de pormenor, ataque e microdinâmica, com perfeita definição de tempo e espaço. O decay impressionou-me de novo e trouxe-me à memória reminiscências das Vivid K1 e das Nautilus originais. Voltei a notar uma ligeira dureza centrada algures nos 3/5kHz propiciada por um “voicing” que aposta na presença e articulação, no controlo e tensão do médio-grave e na ausência de compressão geral (este é o melhor filtro divisor de sempre da Wilson Audio, porque não está apenas fisicamente “fora” da coluna: está “fora” do sinal). Esta opção obriga o “woofer” a trabalho acrescido. Para cumprir a tarefa o “papel” do cone precisa, pois, de algum tempo de maturação.


Com John Lee Hooker, em “Early One Morning”, as Duette sentiram-se finalmente no seu território: a secção rítimica soou com garra “con gusto”, sólida, persistente, entusiasmante, visceral e emotiva. Hooker gosta de gravar a voz à parte com excessivo excipiente de reverberação, mas as Duette não têm culpa disso.



O sax soprado de Bennie Wallace em “It's The Talk of The Town”, sublinhado a traço grosso por uma contrabaixo cantante, rico de nuances interpretativas, a bateria (tarola e pratos), e a guitarra semi-acústica, encheram a sala para revelar outras tantas virtudes das Duette: diferenciação e definição, recorte, forma e dimensão, mas, hélas, não correcção, tímbrica('slightly uptilted').


A Sonata per Archi, de Rossini, provou à saciedade o que já vinha a tornar-se evidente: a imagem estereofónica é excepcional apesar (ou por causa) da wilsoniana “pin point accuracy” com que foca os intervenientes em palco. Nota-se um ligeira “tensão” nas cordas de todos os instrumentos envolvidos, resinosa no tom, que contudo lhes confere a inusitada articulação (oiça-se o pizzicato dos violoncelos e contrabaixos). A amplitude da orquestra é reproduzida com uma facilidade que nega a reduzida dimensão das Duette.


“The Planet”, de Hans Theessink, é o tipo de faixa que “vende” colunas: a voz gravilhenta de barítono, gravada em cima, a tímida sensualidade do coro misto, a guitarra de metal e o “bottleneck slide”, a flauta, as cordas dedilhadas com afinco que tocam, e se tocam, num delírio erótico; o ritmo pausado que dá tempo a cada som para brilhar no palco antes de morrer, como a vela breve da vida de que nos fala Shakespeare. Com faixas destas até um caixote de sabão soa bem…


Com o “Allegro Molto” de Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, fez-se, literalmente, luz no meu espírito. Vamos pôr de parte a questão tímbrica já referida, que atribuo prioritariamente à juventude dos cones; e que, numa peça com estas características de complexidade dinâmica e rítmica, pode por vezes imiscuir-se no som sob a forma de uma “coloração”, um “ênfase” difícil de definir, mas que tanto a Leonor como a Inês e o Pedro, talvez demasiado mimados pelo som electrostático, e admito que influenciados por mim, identificaram como uma “dureza”, à falta de melhor termo.


A verdade é que não conheço nenhuma “duas-vias” deste tamanho capaz de reproduzir Scheherazade assim tão…digamos…allegro molto: dimensão, espaço, forma, ataque, dinâmica, poder, autoridade, «pulmão» (with a little help from the FBI, of course...). O mesmo se pode dizer de Stimela, de Hugh Masekela, que se seguiu, depois de uma peça de Bach para órgão (que já não me convenceu tanto).


Tal como Bush, as Duette não deixam pedra sobre pedra...
Luís Campos apaixonado pelas Duette


Quando ouvi os tambores de Yim Hok-Man, em “Poem of Chinese Drums”, os cortinados atrás esvoaçando com o sopro do pórtico reflex a cada impacte violento da madeira na pele esticada, o ar lá dentro tentando fugir ao castigo num turbilhão louco, percebi melhor o entusiasmo do Luís: é que ele tem os sentidos ainda condicionados pelo convívio com as Alexandria, de que as Duette são as filhas dilectas (muito melhores que as Cub) e adora não só exibições de força como, sejamos francos, também de classe. Salvé, amigo Luís!


SONUS FABER MEMENTO
Sala das Sonus Faber Memento

A audição das Memento foi mais informal, quase que o provar de uma cereja depois de ter a barriga cheia de bolo. Estavam a tocar num auditório aberto com amplificação Jadis DA-88 Signature e fonte Audio Research CD7. O que se ouviu (e ouviram-se faixas do mesmo disco) é a prova definitiva de que não há um som absoluto, que é afinal a tese que pretendo defender nesta já longa dissertação.
A Inês, as Memento e o som dos violinos


Com as Memento as vozes soam mais humanas, os violinos…eh… também. E a Inês que aprendeu a tocar violino, habituada desde criança a ouvir este instrumento de eleição, foi peremptória quando lhe perguntei qual das colunas o reproduzia melhor: as Memento!
Jadis DA-88 e AR CD7


Seria do CD7? Seria das válvulas? Seria o WAF: as Memento são mais bonitas, mais clássicas, e eram para si uma novidade? Não, porque a Leonor, que convive com Sonus Faber há muitos anos, tinha a mesma opinião. E se as mulheres têm os ouvidos biologicamente afinados para tudo o que é humano: a voz, o choro, o riso, o amor, o sorriso...



Com Rimsky-Korsakov, Masekela e Hok-Man, as Memento tornaram claro, contudo, que, neste mundo, não se pode ter tudo, apenas uma parte. E o Luís tem razão como sempre: há um momento em que temos que tomar a difícil decisão de optar pela parte que é mais importante para nós. Porque é apenas essa a parte que nos cabe, enquanto homens, do Todo Absoluto que é Deus, e só a ele pertence. Por isso somos todos indivíduos. Por isso somos todos diferentes. Enquanto Ele é Uno e Indivisível.





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