Conheço Anthony Gallo há tantos anos que o primeiro encontro se perde na confusão do tempo e da memória. Creio que foi no velho e decrépito Hotel Sahara, em Las Vegas, no decorrer de uma das vinte edições da CES a que assisti. Anthony estava então ligado à Audio Alchemy, que fabricava miniconversores digitais revolucionários para a época. Já era óbvio, então, que pretendia voar por si próprio, logo que ganhasse asas. Mas não é fácil voar: quem sai do ninho antes de tempo arrisca-se a cair.
A partir do ano em que passou a assinar as suas próprias colunas, as Gallo, que chegaram a ser distribuídas em Portugal pela Imacústica, sem grande êxito, diga-se, nunca mais deixei de o visitar para me informar sobre a evolução da espécie. Uma vezes melhor, outras nem por isso, mas sempre com um toque de originalidade, as Gallo distinguiam-se sobretudo pela forma esférica, talvez pela influência física do seu próprio Criador …
Anthony Gallo na apresentação mundial das Nucleus Reference, no Stereophile Show de Nova Iorque, em 1996 no Waldorf Astoria. De notar (em baixo à esquerda) o Golden Award, de cujo júri fiz parte.
As Nucleus Reference já tinham então a actual assinatura cromossomática que está na origem das actuais Ref. 3: os altifalantes montados em duas bolas de “bowling” sobrepostas com um estranho tweeter cilíndrico colocado em cima como um chapéu de carnaval, num equilíbrio circense. O conceito acústico é inatacável, contudo. Sabe-se que a esfera é o melhor antídoto contra efeitos de difracção e ondas estacionárias; por outro lado, a dispersão polar a 360 graus do tweeter CDT conferia uma amplitude extraordinária à imagem estereofónica.
Só que Anthony é um idealista e o mundo em que vivemos é também o mundo da “outra” imagem, onde, segundo Shakespeare, a beleza está nos olhos de quem vê. E o que se vê acaba sempre por afectar o que se ouve. As Nucleus Reference foram descontinuadas poucos anos depois de serem comercializadas, tornando-se objecto de colecção, e, com um amargo de boca, Anthony deixou o “high-end” em hibernação, dedicando-se, numa atitude mais pragmática, a fabricar pequenas esferas coloridas para aplicações AV com o sucesso que se reconhece hoje às Micro e às Diva.
Primeira foto da Ref.3 em demonstração na CES2004
Em 2004, contudo, Anthony was back with a revenge, e espantou os meios audiófilos com a apresentação na CES das Reference 3, uma 3-vias composta por duas esferas em aço inoxidável, com altifalantes de 4 polegadas em fibra de carbono, e o já conhecido tweeter CDT cilíndrico, agora na versão MkII, numa configuração d'Apollito. A caixa de graves também cilíndrica albergava um altifalante de longo curso de 10 polegadas que “dispara” para o lado. Todos os componentes estão montados em “alto-relevo”, como as figuras de Mount Rushmore, numa “coluna vertebral” de metal oco que assenta sobre uma base de madeira com bicos ajustáveis.
O “design” é, uma vez mais, pouco ortodoxo, um termo erudito que utilizo para designar uma coluna que é, no mínimo, esquisita - e estou a ser simpático. Só que os resultados acústicos fazem-nos esquecer de imediato as reservas visuais. Mais ainda quando compreendemos que há razões técnicas para todas as opções estéticas.
Lembro-me, aliás, do que senti quando as ouvi pela primeira vez, em Las Vegas. Felizmente, eu escrevo (e publico) tudo o que sinto, pelo que posso sempre recuperar as emoções lendo as descrições:
“Foi preciso um brinquedo feio, concebido por Anthony Gallo, as Nucleus Reference 3, cuja caixa de graves se parece com um tacho de alumínio; e que, sem grelha, são um susto digno de um filme de ficção científica tipo «Alien», para me voltar a empolgar: há muito tempo que não ouvia um grave tão definido e articulado com o resto do espectro. Eu bem procurei o «subwoofer» escondido, mas Gallo garantiu-me que vinha tudo do «tacho de guisado». Eis um som «bem apurado», daqueles que apetece «molhar o pão e lamber os dedos...”. in Reportagem CES 2004
Ora quando “a bota não dá com a perdigota”, para citar uma expressão que ouvia muitas vezes em miúdo à minha avó, ou seja, quando uma coluna “esquelética” não tem um som “anoréctico”, bem pelo contrário, há forte motivo para investigar. Qual será o segredo?
Carlos Henriques posa com as Gallo Ref.3
Carlos Henriques, da Interlux, que, não sendo meu parente, até que alguém me prove o contrário (consta que a Igreja Mórmon tem o registo em microfilme de todas as certidões de nascimento portuguesas!), além de partilhar o meu nome de família, partilha também dos meus gostos audiófilos, ouviu o que eu ouvi, sentiu o que eu senti, e teve a coragem (há quem lhe chame loucura saudável) de as importar. Por vicissitudes várias, quando chegaram às minha mãos já vinham na versão 3.1, que foi apresentada este ano com igual sucesso:
Demonstração das Gallo Ref.3 na CES 2006
“Uma sala enorme completamente “prenhe” de som com um par de colunas minúsculo (sem subwoofer! mas com o amplificador de graves das Gallo Reference 3.1). Um dos grandes sons de Las Vegas. Se ainda houvesse dúvidas, elas dissiparam-se...”. in Reportagem CES 2006
No próximo capítulo, Parte 3: “O Segredo das Gallo”, iremos finalmente partir todos juntos à descoberta desta extraordinária coluna de som. Stay tuned.
A partir do ano em que passou a assinar as suas próprias colunas, as Gallo, que chegaram a ser distribuídas em Portugal pela Imacústica, sem grande êxito, diga-se, nunca mais deixei de o visitar para me informar sobre a evolução da espécie. Uma vezes melhor, outras nem por isso, mas sempre com um toque de originalidade, as Gallo distinguiam-se sobretudo pela forma esférica, talvez pela influência física do seu próprio Criador …
Anthony Gallo na apresentação mundial das Nucleus Reference, no Stereophile Show de Nova Iorque, em 1996 no Waldorf Astoria. De notar (em baixo à esquerda) o Golden Award, de cujo júri fiz parte.
As Nucleus Reference já tinham então a actual assinatura cromossomática que está na origem das actuais Ref. 3: os altifalantes montados em duas bolas de “bowling” sobrepostas com um estranho tweeter cilíndrico colocado em cima como um chapéu de carnaval, num equilíbrio circense. O conceito acústico é inatacável, contudo. Sabe-se que a esfera é o melhor antídoto contra efeitos de difracção e ondas estacionárias; por outro lado, a dispersão polar a 360 graus do tweeter CDT conferia uma amplitude extraordinária à imagem estereofónica.
Só que Anthony é um idealista e o mundo em que vivemos é também o mundo da “outra” imagem, onde, segundo Shakespeare, a beleza está nos olhos de quem vê. E o que se vê acaba sempre por afectar o que se ouve. As Nucleus Reference foram descontinuadas poucos anos depois de serem comercializadas, tornando-se objecto de colecção, e, com um amargo de boca, Anthony deixou o “high-end” em hibernação, dedicando-se, numa atitude mais pragmática, a fabricar pequenas esferas coloridas para aplicações AV com o sucesso que se reconhece hoje às Micro e às Diva.
Primeira foto da Ref.3 em demonstração na CES2004
Em 2004, contudo, Anthony was back with a revenge, e espantou os meios audiófilos com a apresentação na CES das Reference 3, uma 3-vias composta por duas esferas em aço inoxidável, com altifalantes de 4 polegadas em fibra de carbono, e o já conhecido tweeter CDT cilíndrico, agora na versão MkII, numa configuração d'Apollito. A caixa de graves também cilíndrica albergava um altifalante de longo curso de 10 polegadas que “dispara” para o lado. Todos os componentes estão montados em “alto-relevo”, como as figuras de Mount Rushmore, numa “coluna vertebral” de metal oco que assenta sobre uma base de madeira com bicos ajustáveis.
O “design” é, uma vez mais, pouco ortodoxo, um termo erudito que utilizo para designar uma coluna que é, no mínimo, esquisita - e estou a ser simpático. Só que os resultados acústicos fazem-nos esquecer de imediato as reservas visuais. Mais ainda quando compreendemos que há razões técnicas para todas as opções estéticas.
Lembro-me, aliás, do que senti quando as ouvi pela primeira vez, em Las Vegas. Felizmente, eu escrevo (e publico) tudo o que sinto, pelo que posso sempre recuperar as emoções lendo as descrições:
“Foi preciso um brinquedo feio, concebido por Anthony Gallo, as Nucleus Reference 3, cuja caixa de graves se parece com um tacho de alumínio; e que, sem grelha, são um susto digno de um filme de ficção científica tipo «Alien», para me voltar a empolgar: há muito tempo que não ouvia um grave tão definido e articulado com o resto do espectro. Eu bem procurei o «subwoofer» escondido, mas Gallo garantiu-me que vinha tudo do «tacho de guisado». Eis um som «bem apurado», daqueles que apetece «molhar o pão e lamber os dedos...”. in Reportagem CES 2004
Ora quando “a bota não dá com a perdigota”, para citar uma expressão que ouvia muitas vezes em miúdo à minha avó, ou seja, quando uma coluna “esquelética” não tem um som “anoréctico”, bem pelo contrário, há forte motivo para investigar. Qual será o segredo?
Carlos Henriques posa com as Gallo Ref.3
Carlos Henriques, da Interlux, que, não sendo meu parente, até que alguém me prove o contrário (consta que a Igreja Mórmon tem o registo em microfilme de todas as certidões de nascimento portuguesas!), além de partilhar o meu nome de família, partilha também dos meus gostos audiófilos, ouviu o que eu ouvi, sentiu o que eu senti, e teve a coragem (há quem lhe chame loucura saudável) de as importar. Por vicissitudes várias, quando chegaram às minha mãos já vinham na versão 3.1, que foi apresentada este ano com igual sucesso:
Demonstração das Gallo Ref.3 na CES 2006
“Uma sala enorme completamente “prenhe” de som com um par de colunas minúsculo (sem subwoofer! mas com o amplificador de graves das Gallo Reference 3.1). Um dos grandes sons de Las Vegas. Se ainda houvesse dúvidas, elas dissiparam-se...”. in Reportagem CES 2006
No próximo capítulo, Parte 3: “O Segredo das Gallo”, iremos finalmente partir todos juntos à descoberta desta extraordinária coluna de som. Stay tuned.