As caixas das Ref.3.1 são enormes em relação ao seu conteúdo, talvez por serem embaladas já de “burka” vestida. Já as tinha na “sala de espera” há muito tempo, e quis o destino, ou o fado, que uma vaga na minha agenda coincidisse com uma ciática aguda. Assim, embora não sejam pesadas (cerca de 25 quilos vestidas e calçadas), pedi ao meu filho que as desembalasse e colocasse no estúdio na “zona demarcada” mas sem preocupações puristas. Limitei-me depois a ajustar os pés de alumínio para garantir a estabilidade, deixando-as tal como estavam, com “burka” e tudo.
Embora a base seja estreita, o centro de gravidade é baixo, devido sobretudo à colocação rebaixada da panela de escape, perdão, de graves. Mesmo assim, um forte toque lateral pode desequilibrá-las.
As Ref 3.1 tiveram a rara felicidade (elas e eu) de ter a seus pés (literalmente: estão colocados no chão) 4 amplificadores diferentes: Advance Acoustics MAP407, Krell FBI, Halcro Logic MC 20 e um par de Bel Canto M1000. Não foi preciso atirar a moeda ao ar: o MAP407 tinha saído de um prova de esforço e tinha os músculos quentes - comecei com ele. Como sabem (ver teste do MAP 407), eu prefiro ouvi-lo fazendo by-pass à secção de prévio, utilizando as saídas variáveis do Marantz CD63KI, com cabos Nordost Valhalla. E assim foi. O Valhalla é também o melhor cabo de coluna que conheço, pelo que não é por aqui também que o gato vai às filhós - aliás, bem doces.
Já vimos (Parte 3) que as Ref 3.1 não são bicabláveis, nem podiam ser: o “passa-baixas”, que faz a transição aos 125Hz para a dupla secção de médios, é um filtro simples em série de primeira ordem (6dB/oitava). Ora só é possível bicablar filtros em paralelo que permitem separar a “massa” comum.
O segundo par de bornes (Sub-In) serve exclusivamente para ligar o amplificador de graves Gallo Reference SA ao segundo enrolamento independente da bobina do altifalante para “sacar” mais uma oitava à já de si excelente resposta de graves.
Não experimente ligar outro amplificador a este par de bornes (a não ser que disponha de fichas RCA especiais com filtro integrado de passa-baixas centrado nos 40Hz): os resultados são catastróficos em termos acústicos (excesso e descontrolo dos graves e velatura dos médios), embora isso não provoque qualquer avaria.
Gallo SA Sub Amplifier
O SA não veio no enxoval, fica para um próximo “Follow-Up”. Aliás, até foi bom assim, porque me permitiu ouvir as Ref. 3.1 “au naturel” para concluir que o SA, ainda que seja uma boa proposta a considerar, como ficou provado na CES 2006, não é indispensável para um bom desempenho.
A primeira impressão foi de um som natural mas algo escuro. Aliás, a Gallo avisa que as Ref.3.1 precisam de um longo período de “queima”. Não foi preciso esperar muito tempo para o “tweeter” mostrar quem é a estrela da companhia: doce, informativo, coerente e, sobretudo, imperturbável - não há ressonâncias, vibrações, modulação ou modos de quebra. Já tive um “tweeter” parecido na capacidade para resolver as minúcias acústicas sem agredir os ouvidos, o Kelly Ribbon, só que não tinha este poder e extensão em ambas as extremidades da paleta de altas frequências. Superior a este só conheço o “tweeter” de plasma da aCapella.
Ao princípio, notei aqui e ali algum desfasamento do conjunto que o tempo se encarregou de corrigir: agora já se sente a forte ligação afectiva existente entre o “tweeter” e as unidades de médios. A resposta é linear, macia, sem hiatos ou ênfases pontuais. A voz de mulher (estou a ouvir Diana Krall, enquanto escrevo) dá-nos a sensação táctil da mão descendo pelas costas nuas até chegar à encosta exposta ao sol da colina da nádega. O controlo da sibilância característica da bela Diana chega a ser mágico. Já o homem (a voz gravilhenta de barítono de Lou Rawls, por exemplo) precisava de um pouco mais de masculinidade na zona inferior do espectro (e aqui já considero qualquer associação maldosa abusiva…).
A panela de graves é a fundação de todo o edifício acústico, mas a elegância do som reside sobretudo na arquitectura tonal dos registos médio-graves: não há compressão, distorção, coloração. As vozes são inteligíveis, claras e nítidas e têm origem em seres de carne e osso cuja imagem tem os contornos naturais da realidade sem necessidade de se puxar pela função “sharpness” (ênfase nos registos médio-altos) para dar a ilusão de definição.
As REf. 3.1 não são transparentes, no sentido em que as Martin Logan o são, apresentam-se-nos antes com uma translucidez orgânica, em especial na gama média, que perde luminosidade (não confundir com brilho) à medida que descemos na banda audível: o 'woofer' não está ao mesmo nível do 'tweeter'.
O grave precisou, pois, de algum trabalho pesado até entrar nos eixos: afinei-o com doses maciças de percussão. Conhecem “The Gates of Däfos”? Comecei por os ouvir apontados para fora mas acabei a ouvi-los apontados para dentro do palco: há um melhor entrosamento dos registos médios-graves e o som ganha corpo, volume e densidade, à custa da perda de alguma articulação e definição. Faça experiências.
As REf. 3.1 e o MAP407 têm características “organolépticas” muito semelhantes: grave pouco enfático na extensão, médios translúcidos, escuros mas cheios de vida, agudos cremosos e arredondados sem perda de informação. Com a mudança para o Krell FBI (secção de amplificação apenas, no modo Theater Through), atacado pelo prévio McIntosh C2200 , tendo na linha da frente o extraordinário Leitor-SACD/CD Krell Evolution 505, as Ref. 3.1 mantiveram o carácter natural mas houve uma mudança de atitude: resposta mais enérgica, tanto em termos dinâmicos como de conteúdo harmónico, em especial no grave, provando que são colunas de muito alimento.
Sem surpresas e muito positivas foram as experiências com os amplificadores Halcro MC20 e Bel Canto M1000 (sempre com o “Mac” C2200 e Krell Evo 505 ligados por meio de cabos balanceados Siltech 5-60S Pure Silver), foram muito positivas, pois a Classe D é a única forma actual de ter potência de qualidade disponível sem os inconvenientes do peso e do preço excessivo. Para já não falar no calor: ouvir amplificadores de Classe A no Verão é um bom substituto para a sauna. Quando publicar os testes de todos estes amplificadores, debruçar-me-ei em pormenor sobre as suas características acústicas. Para já optei pelo Bel Canto M1000 como o melhor compromisso entre a temperatura do som/temperatura ambiente…
Em nenhum dos casos se verificou, contudo, conflito com os modos da minha sala centrados nos 35Hz. Por experiência própria, sei que isso significa que a resposta das 3.1 na zona inferior do espectro começa a “cair” logo abaixo dos 40Hz. Curiosamente, ligar dois subwoofers MJ Acoustics Reference One, um por canal (ligação Highlevel directa aos bornes do amplificador) não trouxe benefícios assinaláveis, para além da óbvia sensação de maior deslocação de ar (as REf.3.1 são de banda larga mas a “onda de choque” é limitada: as leis da física são imutáveis). A resposta útil declarada até aos 34Hz ( -3 a -6dB) não deve, pois, andar longe da verdade, o que é notável, se considerarmos as dimensões da coluna.
Gallo Nucleus Ref Av e Center
Pouco a pouco, as Ref. 3.1 foram-se soltando e consegui obter níveis de pressão sonora que, não sendo de “live concert”, estão acima da média para colunas deste porte. Notável é o facto de nunca ter conseguido que o som se tornasse áspero ou agressivo mesmo com prego a fundo. Houve, no entanto, uma ou outra situação em que desejei que o grupo médios/tweeter tivesse a configuração da “Nucleus Reference AV”: 4 altifalantes de médios, dois acima e dois abaixo do “tweeter”. Anthony chegou a fazer experiências em protótipos com duas “panelas” de graves simétricas, uma apontando para dentro outra para fora, mas desistiu da ideia. Contudo, algo me diz que as futuras Ref.5 (mais caras, claro) vão ter mais duas “esferas” nos halteres para aplicações mais musculadas. É que a demonstração do sistema “Reference AV”, na CES 2005, não deixou pedra sobre pedra. As Nucleus Reference Center AV deve ser uma das melhores colunas centrais do mercado, algo que em breve irei poder comprovar. Que outra coluna central tem este 'tweeter'?!...
Esta configuração permitiria também elevar um pouco a posição do “tweeter” até à altura média de um ouvinte sentado. Nas Ref 3.1 está um pouco abaixo da linha de audição, e isso prejudica a ilusão de altura da imagem. Os pés mais altos à frente inclinam a coluna para trás para compensar mas não me parece que seja a soluçõa ideal em todas as circunstâncias. O leitor pode experimentar colocar as REf. 3.1 sobre bases de granito com 10 cm de espessura. Ou, em alternativa, optar por uma posição de audição rebaixada. Notei que inclinar as colunas para trás tinha mais efeito no timbre que na imagem. Mas não se assustem: o ângulo de dispersão vertical do “tweeter” não é assim tão apertado que nos impeça de ouvi-las de pé ou a dançar na sala. Em princípio, o ângulo de dispersão horizontal de 300 graus(!)seria suficiente também para anular o efeito de “sweet spot”. Ora isso só é verdade em termos tímbricos. A imagem central desloca-se ligeiramente se movermos a cabeça, como acontece com as electrostáticas - e com as imagens holográficas.
Normalmente, abro as hostilidades com o “Vorführungs-CD II” da Burmester. Nas duas faixas de abertura, “The Moon Is a Harsh Mistress”, de Radka Toneff, e “Live In America”, de Paco Lúcia, notei, de facto, que a imagem parecia “mais baixa” do que estou habituado: as Martin Logan são colunas altas e o painel está activo de alto a baixo. Mas, se pensarmos bem, em ambas as situações os músicos estão sentados em palco. Saltei para “Mariensänge”, de Händel, numa interpretação de provocar calafrios de Anne Sophie Von Otter e a Musica Antiqua, de Colónia, et voilá: Anne Sophie surgiu de pé no palco, talvez um pouco mais baixa que com as Summit. Que altura terá a Anne Sophie? 1,60; 1, 70; 1, 80? Eu diria 1, 73... Claro que estou a brincar. O importante é que ela soou como uma mulher de carne e osso, e não como um ectoplasma electrónico, envolta pelo carinho musical da Musica Antiqua (aqueles violinos reproduzidos pelo “tweeter” piezzoeléctrico, mein Gott!...) e o ar quente e húmido do local de gravação: sem “baffle” e com um rosto estreito e redondo não há difracção, e tanto a profundidade como a largura do palco são reproduzidas até aos limites dessa pura ilusão acústica que é o som estéreo.
Para tirar todas as dúvidas, coloquei na gaveta do Krell Evo 505 o “Sampler audiophile test disc Vol. 1”, da Chesky. A faixa 11 é um curioso teste designado por LEDR, “Listening environment diagnostic recording”. Trata-se de um teste gerado por computador que permite aferir a capacidade de uma coluna para reproduzir a distância na vertical a que a fonte do som está do microfone. Um som semelhante a um sopro (tchtchtch) “sobe” pela coluna até ficar a pairar acima desta. Com as Ref. 3.1 o “sopro” tende a lateralizar a rota na parte final da subida. Constatei que a “burka” era em parte (a outra é o meu tecto baixo) responsável por este fenómeno, apesar de até aqui me ter soado sempre como acusticamente transparente. Se quer que as Ref. 3.1 atinjam o zénite do prazer auditivo, dispa-as! E não é assim noutras circunstâncias também?...
Quando ouvir nas 3.1 Gerhard Oppelt a tocar o poderoso órgão de 84 tubos da Lindenkirche, o 3º maior de Berlim, ele vai soar-lhe grandioso, gigantesco mesmo: em altura, largura e profundidade, apesar de não se tratar de uma catedral gótica mas de um igreja Metodista moderna. Não descem ao Inferno da última oitava, é certo, mas ficamos à espera do SA para tirar isso a limpo. Com o SA aceso a panela de pressão vai ferver em pouca água!...
Orgão da Igreja de LindenKirchen
A minha avó dizia que “quem feio ama, bonito lhe parece”. Eu digo que “quem feia ama, bonita lhe soa”.
Quanto mais oiço as Nucleus Reference 3.1 mais entendo a dimensão da genialidade deste projecto.
Continua: Parte 5: das vozes aos tambores.