Mas o iPod não tem nada de inovador em termos tecnológicos. No fundo, é apenas um disco rígido de pequenas dimensões e elevada capacidade, montado numa caixa elegante de design moderno, excelente ergonomia e notável qualidade de som (também grava áudio sem compressão), ao qual foram associadas funções que respondem às necessidades da vida moderna, nomeadamente o acesso legal a um gigantesco banco de dados de música, que surgiu na altura exacta em que Associação Fonográfica Americana ameaçava mandar prender todos os que se dedicavam aos downloads ilegais de música através da net, incluindo velhos e crianças. A Apple tinha acabado de reinventar o “walkman” tal como a Swatch reinventou o relógio de pulso.
Há mais de dez anos, num artigo que escrevi para o DN, intitulado “Nostradamus”, profetizei o fim de todos os suportes físicos de áudio e vídeo. O disco rígido do iPod continua a ser um suporte físico com o inconveniente acrescido do sistema de leitura mecânico, tal como os discos ópticos. Falta ainda, pois, cumprir a profecia da substituição integral de todos estes suportes pelas memórias de estado sólido, já utilizadas em gravadores de áudio e máquinas fotográficas digitais. Finalmente, atingir-se-á a fase dos implantes cerebrais à nascença com ligação à biobase de dados do estado galáctico com “injecção” constante e directa na área respectiva do córtex cerebral de todos os cidadãos de informação cultural, política e de entretenimento. Os auscultadores que os jovens utilizam hoje em dia - durante todo o dia - ligados ao iPod são já uma forma de adaptação genética. Com uma diferença: por enquanto ainda têm a liberdade de o desligar...
Entretanto, estou a preparar a minha habitual viagem a Las Vegas para fazer a reportagem da CES 2006, o maior acontecimento mundial na área da electrónica de consumo. As informações que me vão chegando prometem maravilhas nunca vistas, como os telefones celulares com televisão 3D em directo do Super Bowl e uma nova tecnologia de ecrãs de televisão de luz orgânica que vai tornar o LCD obsoleto dentro de pouco tempo, ou a Sony Playstation 3 que, por um preço na casa dos 500 dólares, reproduz Blu-Ray, o futuro disco vídeo de alta resolução a 1080p, o único que proporciona a verdadeira imagem de alta definição e que por seu lado também vai tornar todos os actuais televisores de plasma e LCD obsoletos, não só porque a resolução nativa é inferior, mas também porque não têm a necessária ligação HDMI 1.2. Ou seja, a única garantia de futuro do constante progresso tecnológico é a insustentável obsolescência de todos os equipamentos electrónicos em períodos cada vez mais curtos, que hoje não ultrapassam os seis meses.
Neste contexto, considero, à revelia do que por certo será o sentimento comum, e correndo o risco de me considerarem ultrapassado e retrógrado, que a única tecnologia sólida com futuro assegurado na minha área especializada do áudio puro e duro é a tecnologia do vácuo: a válvula termiónica.
Tem a idade de Mário Soares, é certo, mas ainda dá muita luta. Além de que a sua aura romântica (refiro-me às válvulas e não ao Mário) confere aos equipamentos que as utilizam um elevado valor sentimental.
Sou neste momento um dos poucos críticos a nível mundial que tem acesso ao leitor-CD Audio Research CD7. A evolução da tecnologia de reprodução de CD está limitada à partida pelas especificações do formato. Assim, todas as tentativas para ir buscar ao disco mais informação do que foi registada a 16-bit/44,1kHz, com técnicas de “up-sampling”, “oversampling” e outras “samplagens” radicais a 24-bit/192kHz, esbarram invariavelmente no pecado da resolução original. Consciente de que não há “ave-marias” digitais que salvem a alma do CD, Bill Johnson, da Audio Research, resolveu acender seis velas (válvulas) devotas, integrando a totalidade do andar de saída do pré amplificador Reference 3 no leitor-CD7.
O resultado é pouco menos que milagroso, levando-me a concluir que o mais importante não parece ser tanto o que se consegue extrair do disco mas antes a forma como se transmite essa informação musical complexa ao andar seguinte da cadeia de reprodução áudio: a transparência, claridade e dinâmica dos registos médios e, sobretudo, o poder, extensão, articulação e definição do grave do CD7 trouxeram de novo à luz do dia verdadeiras peças arqueológicas do meu arquivo discográfico, obrigando-me a rever a história e a retractar-me em algumas das minhas afirmações recentes.
O CD prova que ainda tem capacidade para resistir ao SACD e ao mais que o futuro lhe reservar “with a little help from the tubes”, pelo que a notícia que eu publiquei aqui da sua morte é manifestamente exagerada. Afinal, há vida para além do iPod: basta seguir o caminho da Luz em 2006.
Um bom ano audiófilo para todos os leitores do Hificlube.
Há mais de dez anos, num artigo que escrevi para o DN, intitulado “Nostradamus”, profetizei o fim de todos os suportes físicos de áudio e vídeo. O disco rígido do iPod continua a ser um suporte físico com o inconveniente acrescido do sistema de leitura mecânico, tal como os discos ópticos. Falta ainda, pois, cumprir a profecia da substituição integral de todos estes suportes pelas memórias de estado sólido, já utilizadas em gravadores de áudio e máquinas fotográficas digitais. Finalmente, atingir-se-á a fase dos implantes cerebrais à nascença com ligação à biobase de dados do estado galáctico com “injecção” constante e directa na área respectiva do córtex cerebral de todos os cidadãos de informação cultural, política e de entretenimento. Os auscultadores que os jovens utilizam hoje em dia - durante todo o dia - ligados ao iPod são já uma forma de adaptação genética. Com uma diferença: por enquanto ainda têm a liberdade de o desligar...
Entretanto, estou a preparar a minha habitual viagem a Las Vegas para fazer a reportagem da CES 2006, o maior acontecimento mundial na área da electrónica de consumo. As informações que me vão chegando prometem maravilhas nunca vistas, como os telefones celulares com televisão 3D em directo do Super Bowl e uma nova tecnologia de ecrãs de televisão de luz orgânica que vai tornar o LCD obsoleto dentro de pouco tempo, ou a Sony Playstation 3 que, por um preço na casa dos 500 dólares, reproduz Blu-Ray, o futuro disco vídeo de alta resolução a 1080p, o único que proporciona a verdadeira imagem de alta definição e que por seu lado também vai tornar todos os actuais televisores de plasma e LCD obsoletos, não só porque a resolução nativa é inferior, mas também porque não têm a necessária ligação HDMI 1.2. Ou seja, a única garantia de futuro do constante progresso tecnológico é a insustentável obsolescência de todos os equipamentos electrónicos em períodos cada vez mais curtos, que hoje não ultrapassam os seis meses.
Neste contexto, considero, à revelia do que por certo será o sentimento comum, e correndo o risco de me considerarem ultrapassado e retrógrado, que a única tecnologia sólida com futuro assegurado na minha área especializada do áudio puro e duro é a tecnologia do vácuo: a válvula termiónica.
Tem a idade de Mário Soares, é certo, mas ainda dá muita luta. Além de que a sua aura romântica (refiro-me às válvulas e não ao Mário) confere aos equipamentos que as utilizam um elevado valor sentimental.
Sou neste momento um dos poucos críticos a nível mundial que tem acesso ao leitor-CD Audio Research CD7. A evolução da tecnologia de reprodução de CD está limitada à partida pelas especificações do formato. Assim, todas as tentativas para ir buscar ao disco mais informação do que foi registada a 16-bit/44,1kHz, com técnicas de “up-sampling”, “oversampling” e outras “samplagens” radicais a 24-bit/192kHz, esbarram invariavelmente no pecado da resolução original. Consciente de que não há “ave-marias” digitais que salvem a alma do CD, Bill Johnson, da Audio Research, resolveu acender seis velas (válvulas) devotas, integrando a totalidade do andar de saída do pré amplificador Reference 3 no leitor-CD7.
O resultado é pouco menos que milagroso, levando-me a concluir que o mais importante não parece ser tanto o que se consegue extrair do disco mas antes a forma como se transmite essa informação musical complexa ao andar seguinte da cadeia de reprodução áudio: a transparência, claridade e dinâmica dos registos médios e, sobretudo, o poder, extensão, articulação e definição do grave do CD7 trouxeram de novo à luz do dia verdadeiras peças arqueológicas do meu arquivo discográfico, obrigando-me a rever a história e a retractar-me em algumas das minhas afirmações recentes.
O CD prova que ainda tem capacidade para resistir ao SACD e ao mais que o futuro lhe reservar “with a little help from the tubes”, pelo que a notícia que eu publiquei aqui da sua morte é manifestamente exagerada. Afinal, há vida para além do iPod: basta seguir o caminho da Luz em 2006.
Um bom ano audiófilo para todos os leitores do Hificlube.