Augusto Quadros posa para o Hificlube junto das VR1
Admiro as pessoas como o Augusto Quadros e o José Ventura, que ainda têm a capacidade de se entusiasmarem - de se emocionarem até - com as diversas manifestações do fenómeno áudio, que hoje incluem inevitavelmente o AV. E não os admiro apenas pela paixão - hélas, as emoções nem sempre são boas conselheiras nos negócios - mas sobretudo pela coragem. Sim, porque é preciso ter coragem para entrar no complexo jogo da distribuição, num mercado saturado de marcas famosas badaladas pela imprensa especializada nacional e internacional. E logo com a Von Schweikert, uma marca americana (as taxas aduaneiras tornam o produto menos competitivo) com um nome esquisito, difícil de pronunciar e de escrever, até para um americano, que até há bem pouco tempo apenas era referida na imprensa “underground” e por “yours truly” nas muitas reportagens da CES, de Las Vegas, que fui publicando ao longo dos anos no DN e no Hificlube. Em Las Vegas, a Von Schweikert faz sempre gala em demonstrar, no certame paralelo “The Show”, que disponibiliza salas de maiores dimensões, os modelos mais inacessíveis ao comum mortal, tanto no preço como no tamanho. E nem sempre com o sucesso esperado em termos de visitantes, diga-se.
No mundo dos negóciosda electrónica de consumo, o “highend” é uma gota num imenso oceano, e a audiofilia não passa de uma doença rara que afecta uma percentagem ínfima da população mundial. A expressão “somos poucos mas bons”, não passa, pois, da admissão optimista de uma derrota antecipada. A divulgação em círculos restritos; a exigência de um certo nível “cultural” para entender as complexidades da reprodução sonora, que se manifesta também demasiadas vezes numa atitude de sobranceria por parte de alguns dos seus protagonistas; e, claro, os preços altos (embora estes não pareçam constituir um óbice quando se trata de televisores de plasma e LCD), tudo tem contribuído para afastar as pessoas ditas “normais”. Por um processo de evolução natural da espécie, os verdadeiros audiófilos são, contudo, cada vez mais exigentes e entendidos na matéria, e sabem muito bem o que querem (e podem) comprar. Resta-me referir a franja de “hifi freaks” que, tal como os desportistas de bancada, sabem tudo sobre futebol, sem nunca terem dado um pontapé numa bola, ou sequer entrado num estádio, limitando-se a aplicar a todas as situações a mesma meia-dúzia de teorias avulsas mal assimiladas na leitura apressada de revistas estrangeiras, quantas vezes escritas numa língua que não dominam, ou dominam mal, esperando que ninguém note que não fazem a menor ideia do que estão a dizer (ou a escrever…).
Numa época em que as compras via Internet afectam o mercado tradicional, com consequências dramáticas para muitos distribuidores e revendedores nacionais, a melhor solução é a aposta no contacto humano. O bom vendedor é o que sabe colocar-se no lugar do comprador, e não o que tenta impingir-lhe algo que ele deseja, e muitas vezes até tem capacidade económica para comprar, mas que não está ainda preparado para compreender e usufruir em pleno. A fidelização do cliente deve começar pela inoculação - desejada e consentida, nunca imposta - do “bichinho” do áudio. Só depois se devem revelar os mistérios do “highend” com audições e experiências pessoais, porque é caminhando que se faz o caminho. O resto vem por acréscimo.
Não admira, pois, que as lojas personalizadas sejam hoje as únicas que resistem à concorrência desleal das grandes superfícies e, sobretudo, da globalização electrónica. Tal como sucede na indústria do “highend”, vende melhor quem “dá a cara”, ainda que isso implique também muitas vezes “dar o corpo ao manifesto”. O que sempre é melhor que dar o corpo pela alma…
A loja da Quadros&Ventura está situada em Telheiras, numa zona calma, junto ao Parque dos Príncipes, onde, pelo menos a meio de uma tarde de quarta-feira, o estacionamento ainda não é uma batalha perdida. O único problema é ter de enfrentar a enxurrada de carros na 2ª Circular para lá chegar.
No espaço da loja propriamente dita, expõem-se equipamentos de várias marcas, incluindo televisores, numa competição saudável: Advance, Elac, JM Lab, Monitor Audio, Yba, etc. Enfim, uma loja simples, luminosa, bem arrumada, sem confusões ou pretensões e, sobretudo, sem pretensiosismo.
O Augusto recebeu-me com simpatia mas sem honras especiais. Mesmo sabendo de antemão que eu ia lá, não alterou em nada o sistema que tinha em demonstração. E eu não levei discos meus, nem impus qualquer condição ou alteração ao “set up”. Deixou-me à vontade: sem pressões nem sermões, sem imposições ou sugestões. O programa foi o mais variado possível, percorrendo vários géneros musicais, quase sempre tendo a voz humana como protagonista. Não se ouviu música clássica. Ouviram-se antes “clássicos”, do jazz, da pop sinfónica e da world music, que antes tinha o nome politicamente incorrecto de “música étnica”.
Perspectiva da sala de audição
A sala de audição tem dimensões “domésticas” e um mínimo de tratamento acústico: dois painéis reflectores em cada canto, iguais aos que utilizo no meu estúdio, embora eu nos cantos prefira colocar Tubetraps; um tapete no chão e uma tapeçaria farfalhuda na parede de trás. A ideia, segundo o Augusto, é tentar não “assustar” os clientes com a ideia de que o sistema só soa bem porque a sala está “tratada”. Qualquer pessoa pode fazer este “tratamento” em sua casa.
A 'rack' do sistema (o gira-discos Thorens TD170 não foi utlizado)
O sistema composto pelo leitor-CD Advance MCD 203 (uma agradável surpresa!), prévio Naim NAC112X e amp Naim NAP 150X, cabos Acoustic Zen, estava montado ao centro numa “rack” sobre suportes de borracha Vibrapod (cujo efeito benigno é audível). Na parede da frente, um ecrã para projecções de vídeo. As VR1 foram colocadas sobre suportes próprios (bonitos, por sinal), bem afastadas uma da outra e da parede de fundo, o que favoreceu a reprodução em profundidade.
A sala vista do ponto de escuta
Uma mesa de sala com um monte de esparguete de cabos por baixo, outra mais pequena com bebidas (só bebi água, juro!), um cortinado, que esconde a porta da casa de banho, e duas “espreguiçadeiras”, logo pouco 'absorventes' e com um ponto de escuta baixo, completavam a decoração funcional.
Quando entrei, ouvia-se Diana Krall, Live in Paris, na versão CD. Ouvia-se e continuou a ouvir-se. A loira Diana fica sempre bem na fotografia audiófila. O som era agradável, cheio, comunicativo, com timbres verosímeis, em especial o piano e a sua voz quente e dourada, com a característica “oxidação”, que se manifesta na sensual rouquidão benigna da bela canadiana, e que nos dá arrepios na espinha. Diana Krall é a herdeira legítima da coroa de “loira quente” que um dia pertenceu a Marilyn Monroe - que por acaso não era loira. O facto de o registo ser ao vivo ajuda muito: há empatia entre os músicos, há comunicação e, sobretudo, emoção: é possível “ouvir” o sorriso dela a meio da expressão “in other words”. Uau!, “fly me to the moon, baby…”.
O “voicing” das VR1 parece ter sido feito a ouvir Diana Krall “Live”: o tweeter de cúpula mole reproduz as sibilantes com uma parcimónia “very british”, muito “BBC-anos sessenta”, algo pouco comum na cultura audiófila “yankee”; os registos médios são encorpados, com apenas um ligeira ênfase no médio-grave, que, se é verdade que ajuda a reproduzir com realismo as majestosas ressonâncias da caixa do piano de Krall e da guitarra de Caetano, pode soar, nos raros laivos de barítono de sangue africano do famoso cantor brasileiro, como uma coloração “de peito” associada a alguma nasalidade, típica de colunas de duas-vias, que são sempre um compromisso, pois o altifalante médio-grave tem de reproduzir praticamente todo o espectro da voz humana. Ora isso tem também uma vantagem não-negligenciável: a maior parte do som tem origem no mesmo ponto geométrico, eliminando à partida os problemas de fase associados às multivias. Por paradoxal que pareça, só colunas com muito boa resposta de fase reproduzem, com a precisão que as VR1 revelaram, os efeitos de surround-virtual da tecnologia Q-Sound utilizada em Amused To The Death (o que não era o meu caso), de Roger Waters, que se baseia precisamente na manipulação de fase de certos sons, apesar da “sopa ambiental” acabar aqui por afectar também a desejada sensação de presença e corpo do músico no centro do palco. Em especial depois de termos estado expostos a gravações ao vivo com registos de som em obsceno “close-up”, como os de Diana e Caetano, que cantam com os lábios a beijar o microfone: uma técnica de proximidade, ou melhor, de intimidade, que o ouvinte sente como uma deliciosa provocação.
A uniformidade da dispersão, fruto da escolha judiciosa do woofer e do tweeter, faz o resto: manutenção do enfoque, mesmo em situações complexas; e elevada inteligibilidade, mesmo a níveis baixos de volume. A reprodução espacial da VR1 é também notável. Sem perder a característica sensação de “wall of sound”, presente em toda a obra de Von Schweikert, as VR1 desenharam um palco sonoro tridimensional, ainda que num arco alargado e não no desejado trapézio (o rectângulo perfeito só existe no domínio do Graal), com muito bom posicionamento de todos os intervenientes, sobretudo no plano horizontal, mas com inusitada noção de profundidade e relevo sobretudo ao centro. “Onde está você agora?”, pergunta Caetano. “Estou aquiii!” grita alguém lá muito do fundo da sala de concertos. Acontece que este grito é repetido duas vezes: a segunda, aos 3:01 toda a gente ouve; a primeira, aos 2:33, contudo, já exige sistemas com boa resolução. O facto de eu ter ouvido ambas com o volume de som tão baixo é um bom sinal.
A audição terminou com a colectânea de Claude Challe. Ouviu-se “Soledad”, por Pink Martini, sem que a “espessura” antes detectada nos registos médio-graves da voz masculina se imiscuísse desta feita na sua voz de tenor (o mesmo não posso dizer do contrabaixo), o reggae electrónico, estilo “dub”, de Cornell Campbell, e a cereja no bolo: Salif Keita c/ Cesária Évora, com um coro de vozes femininas aberto a toda a largura do palco virtual, a provar que as VR1 são um autêntico camaleão, tal a versatilidade demonstrada ao longo da sessão. Eu diria mesmo que a versatilidade e a inteligibilidade são as suas principais virtudes. E a musicalidade - mais emotiva que racional, logo com as imperfeições de quem canta com o coração - que me transportou de novo às sonoridades afectivas do crioulo africano da Guiné (de má memória: as circunstâncias, não as sonoridades), no veículo privilegiado da voz de Cesária Évora.
Não se pode considerar esta longa dissertação como um teste, é antes um relato de uma experiência auditiva (subjectiva como são todas as experiências pessoais). Até porque não pude controlar nenhuma das variáveis em presença: o resto do sistema, a sala, a música seleccionada, etc. A minha experiência diz-me, no entanto, que os Naim são essencialmente neutros, e que o leitor-CD da Advance teve uma quota parte importante no resultado final da audição - para o bem (muito) e para o mal (pouco ou nada). Este é um bom sistema que não o obriga a hipotecar a casa para o adquirir. E muito menos para o ouvir...
Quadros&Ventura: [email protected]
Admiro as pessoas como o Augusto Quadros e o José Ventura, que ainda têm a capacidade de se entusiasmarem - de se emocionarem até - com as diversas manifestações do fenómeno áudio, que hoje incluem inevitavelmente o AV. E não os admiro apenas pela paixão - hélas, as emoções nem sempre são boas conselheiras nos negócios - mas sobretudo pela coragem. Sim, porque é preciso ter coragem para entrar no complexo jogo da distribuição, num mercado saturado de marcas famosas badaladas pela imprensa especializada nacional e internacional. E logo com a Von Schweikert, uma marca americana (as taxas aduaneiras tornam o produto menos competitivo) com um nome esquisito, difícil de pronunciar e de escrever, até para um americano, que até há bem pouco tempo apenas era referida na imprensa “underground” e por “yours truly” nas muitas reportagens da CES, de Las Vegas, que fui publicando ao longo dos anos no DN e no Hificlube. Em Las Vegas, a Von Schweikert faz sempre gala em demonstrar, no certame paralelo “The Show”, que disponibiliza salas de maiores dimensões, os modelos mais inacessíveis ao comum mortal, tanto no preço como no tamanho. E nem sempre com o sucesso esperado em termos de visitantes, diga-se.
No mundo dos negóciosda electrónica de consumo, o “highend” é uma gota num imenso oceano, e a audiofilia não passa de uma doença rara que afecta uma percentagem ínfima da população mundial. A expressão “somos poucos mas bons”, não passa, pois, da admissão optimista de uma derrota antecipada. A divulgação em círculos restritos; a exigência de um certo nível “cultural” para entender as complexidades da reprodução sonora, que se manifesta também demasiadas vezes numa atitude de sobranceria por parte de alguns dos seus protagonistas; e, claro, os preços altos (embora estes não pareçam constituir um óbice quando se trata de televisores de plasma e LCD), tudo tem contribuído para afastar as pessoas ditas “normais”. Por um processo de evolução natural da espécie, os verdadeiros audiófilos são, contudo, cada vez mais exigentes e entendidos na matéria, e sabem muito bem o que querem (e podem) comprar. Resta-me referir a franja de “hifi freaks” que, tal como os desportistas de bancada, sabem tudo sobre futebol, sem nunca terem dado um pontapé numa bola, ou sequer entrado num estádio, limitando-se a aplicar a todas as situações a mesma meia-dúzia de teorias avulsas mal assimiladas na leitura apressada de revistas estrangeiras, quantas vezes escritas numa língua que não dominam, ou dominam mal, esperando que ninguém note que não fazem a menor ideia do que estão a dizer (ou a escrever…).
Numa época em que as compras via Internet afectam o mercado tradicional, com consequências dramáticas para muitos distribuidores e revendedores nacionais, a melhor solução é a aposta no contacto humano. O bom vendedor é o que sabe colocar-se no lugar do comprador, e não o que tenta impingir-lhe algo que ele deseja, e muitas vezes até tem capacidade económica para comprar, mas que não está ainda preparado para compreender e usufruir em pleno. A fidelização do cliente deve começar pela inoculação - desejada e consentida, nunca imposta - do “bichinho” do áudio. Só depois se devem revelar os mistérios do “highend” com audições e experiências pessoais, porque é caminhando que se faz o caminho. O resto vem por acréscimo.
Não admira, pois, que as lojas personalizadas sejam hoje as únicas que resistem à concorrência desleal das grandes superfícies e, sobretudo, da globalização electrónica. Tal como sucede na indústria do “highend”, vende melhor quem “dá a cara”, ainda que isso implique também muitas vezes “dar o corpo ao manifesto”. O que sempre é melhor que dar o corpo pela alma…
A loja da Quadros&Ventura está situada em Telheiras, numa zona calma, junto ao Parque dos Príncipes, onde, pelo menos a meio de uma tarde de quarta-feira, o estacionamento ainda não é uma batalha perdida. O único problema é ter de enfrentar a enxurrada de carros na 2ª Circular para lá chegar.
No espaço da loja propriamente dita, expõem-se equipamentos de várias marcas, incluindo televisores, numa competição saudável: Advance, Elac, JM Lab, Monitor Audio, Yba, etc. Enfim, uma loja simples, luminosa, bem arrumada, sem confusões ou pretensões e, sobretudo, sem pretensiosismo.
O Augusto recebeu-me com simpatia mas sem honras especiais. Mesmo sabendo de antemão que eu ia lá, não alterou em nada o sistema que tinha em demonstração. E eu não levei discos meus, nem impus qualquer condição ou alteração ao “set up”. Deixou-me à vontade: sem pressões nem sermões, sem imposições ou sugestões. O programa foi o mais variado possível, percorrendo vários géneros musicais, quase sempre tendo a voz humana como protagonista. Não se ouviu música clássica. Ouviram-se antes “clássicos”, do jazz, da pop sinfónica e da world music, que antes tinha o nome politicamente incorrecto de “música étnica”.
Perspectiva da sala de audição
A sala de audição tem dimensões “domésticas” e um mínimo de tratamento acústico: dois painéis reflectores em cada canto, iguais aos que utilizo no meu estúdio, embora eu nos cantos prefira colocar Tubetraps; um tapete no chão e uma tapeçaria farfalhuda na parede de trás. A ideia, segundo o Augusto, é tentar não “assustar” os clientes com a ideia de que o sistema só soa bem porque a sala está “tratada”. Qualquer pessoa pode fazer este “tratamento” em sua casa.
A 'rack' do sistema (o gira-discos Thorens TD170 não foi utlizado)
O sistema composto pelo leitor-CD Advance MCD 203 (uma agradável surpresa!), prévio Naim NAC112X e amp Naim NAP 150X, cabos Acoustic Zen, estava montado ao centro numa “rack” sobre suportes de borracha Vibrapod (cujo efeito benigno é audível). Na parede da frente, um ecrã para projecções de vídeo. As VR1 foram colocadas sobre suportes próprios (bonitos, por sinal), bem afastadas uma da outra e da parede de fundo, o que favoreceu a reprodução em profundidade.
A sala vista do ponto de escuta
Uma mesa de sala com um monte de esparguete de cabos por baixo, outra mais pequena com bebidas (só bebi água, juro!), um cortinado, que esconde a porta da casa de banho, e duas “espreguiçadeiras”, logo pouco 'absorventes' e com um ponto de escuta baixo, completavam a decoração funcional.
Quando entrei, ouvia-se Diana Krall, Live in Paris, na versão CD. Ouvia-se e continuou a ouvir-se. A loira Diana fica sempre bem na fotografia audiófila. O som era agradável, cheio, comunicativo, com timbres verosímeis, em especial o piano e a sua voz quente e dourada, com a característica “oxidação”, que se manifesta na sensual rouquidão benigna da bela canadiana, e que nos dá arrepios na espinha. Diana Krall é a herdeira legítima da coroa de “loira quente” que um dia pertenceu a Marilyn Monroe - que por acaso não era loira. O facto de o registo ser ao vivo ajuda muito: há empatia entre os músicos, há comunicação e, sobretudo, emoção: é possível “ouvir” o sorriso dela a meio da expressão “in other words”. Uau!, “fly me to the moon, baby…”.
O “voicing” das VR1 parece ter sido feito a ouvir Diana Krall “Live”: o tweeter de cúpula mole reproduz as sibilantes com uma parcimónia “very british”, muito “BBC-anos sessenta”, algo pouco comum na cultura audiófila “yankee”; os registos médios são encorpados, com apenas um ligeira ênfase no médio-grave, que, se é verdade que ajuda a reproduzir com realismo as majestosas ressonâncias da caixa do piano de Krall e da guitarra de Caetano, pode soar, nos raros laivos de barítono de sangue africano do famoso cantor brasileiro, como uma coloração “de peito” associada a alguma nasalidade, típica de colunas de duas-vias, que são sempre um compromisso, pois o altifalante médio-grave tem de reproduzir praticamente todo o espectro da voz humana. Ora isso tem também uma vantagem não-negligenciável: a maior parte do som tem origem no mesmo ponto geométrico, eliminando à partida os problemas de fase associados às multivias. Por paradoxal que pareça, só colunas com muito boa resposta de fase reproduzem, com a precisão que as VR1 revelaram, os efeitos de surround-virtual da tecnologia Q-Sound utilizada em Amused To The Death (o que não era o meu caso), de Roger Waters, que se baseia precisamente na manipulação de fase de certos sons, apesar da “sopa ambiental” acabar aqui por afectar também a desejada sensação de presença e corpo do músico no centro do palco. Em especial depois de termos estado expostos a gravações ao vivo com registos de som em obsceno “close-up”, como os de Diana e Caetano, que cantam com os lábios a beijar o microfone: uma técnica de proximidade, ou melhor, de intimidade, que o ouvinte sente como uma deliciosa provocação.
A uniformidade da dispersão, fruto da escolha judiciosa do woofer e do tweeter, faz o resto: manutenção do enfoque, mesmo em situações complexas; e elevada inteligibilidade, mesmo a níveis baixos de volume. A reprodução espacial da VR1 é também notável. Sem perder a característica sensação de “wall of sound”, presente em toda a obra de Von Schweikert, as VR1 desenharam um palco sonoro tridimensional, ainda que num arco alargado e não no desejado trapézio (o rectângulo perfeito só existe no domínio do Graal), com muito bom posicionamento de todos os intervenientes, sobretudo no plano horizontal, mas com inusitada noção de profundidade e relevo sobretudo ao centro. “Onde está você agora?”, pergunta Caetano. “Estou aquiii!” grita alguém lá muito do fundo da sala de concertos. Acontece que este grito é repetido duas vezes: a segunda, aos 3:01 toda a gente ouve; a primeira, aos 2:33, contudo, já exige sistemas com boa resolução. O facto de eu ter ouvido ambas com o volume de som tão baixo é um bom sinal.
A audição terminou com a colectânea de Claude Challe. Ouviu-se “Soledad”, por Pink Martini, sem que a “espessura” antes detectada nos registos médio-graves da voz masculina se imiscuísse desta feita na sua voz de tenor (o mesmo não posso dizer do contrabaixo), o reggae electrónico, estilo “dub”, de Cornell Campbell, e a cereja no bolo: Salif Keita c/ Cesária Évora, com um coro de vozes femininas aberto a toda a largura do palco virtual, a provar que as VR1 são um autêntico camaleão, tal a versatilidade demonstrada ao longo da sessão. Eu diria mesmo que a versatilidade e a inteligibilidade são as suas principais virtudes. E a musicalidade - mais emotiva que racional, logo com as imperfeições de quem canta com o coração - que me transportou de novo às sonoridades afectivas do crioulo africano da Guiné (de má memória: as circunstâncias, não as sonoridades), no veículo privilegiado da voz de Cesária Évora.
Não se pode considerar esta longa dissertação como um teste, é antes um relato de uma experiência auditiva (subjectiva como são todas as experiências pessoais). Até porque não pude controlar nenhuma das variáveis em presença: o resto do sistema, a sala, a música seleccionada, etc. A minha experiência diz-me, no entanto, que os Naim são essencialmente neutros, e que o leitor-CD da Advance teve uma quota parte importante no resultado final da audição - para o bem (muito) e para o mal (pouco ou nada). Este é um bom sistema que não o obriga a hipotecar a casa para o adquirir. E muito menos para o ouvir...
Quadros&Ventura: [email protected]