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2007

Flying Mole Ca-s10: A Toupeira Voadora



A avaliar pelo logotipo da marca, 'flying mole' aqui refere-se mesmo à toupeira. O mais curioso é que eu também li na revista Nature que há grilos chamados 'flying moles' que cantam para atrair as companheiras...


É óbvio que o simples nome Flying Mole é uma provocação, e também um desafio: construir o amplificador perfeito, isto é, sem nenhum dos defeitos associados aos amplificadores integrados de 100W: tamanho, peso, ruído, distorção e gasto de energia. Bom, deixei o preço para o fim, porque há dezenas de amplificadores integrados convencionais de 100W no mercado, que custam uma fracção dos 1600 euros do CA-S10, e também cumprem a sua função com agrado. Mas é esse o busílis da questão, o Flying Mole CA-S10 é tudo menos convencional: tanto na forma de funcionamento como no som resultante da tecnologia de Classe D, erradamente associada com 'digital'.


A Classe D já existia antes do digital, o problema é que os chamados 'DACs com ganho', como o Power DAC da Wadia, os novos amplificadores Theta Virtu e os mais antigos TACT (agora Lyngdorf) também são catalogados como de Classe D, o que só espalha a confusão, pois estes são mesmo digitais.

Os Flying Mole, tal como os Nuforce , são amplificadores analógicos de comutação digital. Neste caso, a fonte de alimentação é comutada, mas não tem necessariamente de o ser: os CIA, por exemplo, utilizam fontes de alimentação lineares. A principal vantagem da fonte comutada reside na dispensa dos enormes transformadores toroidais ou laminados, que tornam os amplificadores grandes, pesados e ruidosos.

Os Flying Mole, tal como, aliás, os Nuforce e os BelCanto (ver Artigos Relacionados), são exactamente aquilo que o quiroprático me receitou para finalmente poupar as costas a anos de abusos domésticos dos pesados Krell: levam-se debaixo do braço e cabem em qualquer prateleira; e, como não aquecem, não precisam de espaço livre à sua volta para respirar, muito menos de ventoinhas. Assim, podem ser construídos integralmente em alumínio, sem necessidade de inestéticos dissipadores, e têm aquele aspecto de coisa sólida e boa: a qualidade de construção dos Flying Mole é superior à dos Nuforce e equipara-se - aqui já entra o gosto de cada um - à dos Belcanto, que têm, contudo, um design mais personalizado. Se fosse carro, o Flying Mole CA-S10 era um Smart: sólido, pequenino, giro, rápido e económico (85% de eficiência!).

Dentro deste verdadeiro guarda-jóias, estão os preciosos circuitos desenhados pela equipa de Yasumasa Sasahara: construção duplo-mono com alimentação independente; pré-amplificador minimalista com controlo de volume de 27 passos (resistências? o movimento é constante e fluido) com regulação activa; selector de entradas por circuito lógico, isto é, sem contactos ou relés no caminho do sinal; circuito de amplificação DC, com banda passante de DC-50kHz; tecnologia PWM de dupla fase (configuração simétrica de dois circuitos de amplificação analógica em Classe D, um para cada meio ciclo, com comutação digital a 400kHz).


O CA-S10 utiliza uma das dezenas de variantes de Classe D: cada cor seu paladar. Trata-se de uma topologia própria (há quem lhe chame 'proprietária') mais na linha do Nuforce e do Halcro, e menos do BelCanto que utiliza módulos ICE, tal como o Jeff Rowland e o Rotel.


Se na Classe A temos transístores que amplificam ambos os ciclos positivo e negativo do sinal áudio - e por isso são pouco eficientes e aquecem muito; na Classe B, temos dois circuitos complementares que amplificam à vez (push-pull), respectivamente o meio ciclo positivo e negativo - e por isso geram mais potência e menos calor - com o inconveniente do 'coitus interruptus', que se verifica na passagem de testemunho entre meios-ciclos.

A Classe D é, no fundo, uma forma mais sofisticada de Classe B: como a comutação entre positivo e negativo não depende da amplitude do sinal, já não precisa de ficar à espera do 'ponto-zero' (o chamado crossover point) e é regulada por PWM (modulação por largura de impulso=espaço/tempo). A comutação entre os dois circuitos simétricos faz-se ciclicamente a uma velocidade de 400 000 vezes por segundo, em qualquer ponto da onda. Na prática funciona como uma Classe A 'a duas mãos', na qual uma delas está sempre a segurar as rédeas das colunas: a impedância de saída é em teoria praticamente zero (0,09 ohms aos 50Hz), pelo que o factor de amortecimento é extremamente elevado, em especial nas baixas frequências. No Flying Mole, quem segura de facto as rédeas é a própria fonte de alimentação (como há sempre um transístor a deixar passar corrente, o que a coluna 'vê' é o rail positivo ou negativo da fonte de alimentação e não o andar de saída).



O calcanhar de Aquiles dos amplificadores de Classe D reside, além da EMI e RFI, interferência electromagnética e por rádio frequência (bem controlada aqui), nas características indutivas dos filtros de saída (as indispensáveis bobinas de filtragem) que fazem elevar a impedância de saída e a distorção por intermodulação em função da subida da frequência do sinal. Ou seja, teoricamente são perfeitos; na prática, lá têm os seus caprichos como todos os outros...

O CA-S10 não é só pequeno no tamanho, também é na oferta ergonómica: à frente o botão rotativo de volume, selector de fontes e comutador on/off; atrás, 3 entradas RCA, uma saída pre-out e bornes que aceitam bananas mas não aceitam forquilhas (eu pensava que as bananas estavam proibidas no espaço Schengen!...). A seu favor tem a qualidade dos materiais; contra tem a indesculpável falta de um controlo remoto, nem que fosse de plástico, caramba! Mas, pronto, talvez o motor interferisse com o circuitos activo do potenciómetro e, assim sendo, estão desculpados. Até porque o CA-S10 é o amplificador integrado mais silencioso que eu já tive o privilégio de testar, descontando um vago sussurro quando se encosta o ouvido ao tweeter e um som característico na comutação on/off (mais on que off), negligenciável pelos padrões da Classe D (o Nuforce é bem pior). A única diferença entre ligado ou desligado é, pois, a música que se ouve.


Nota: A toupeira beneficiou audivelmente da colaboração do filtro Isotek Titan e dos cabos de potência Siltech.


Todos os amplificadores de Classe D são iguais, só que alguns são mais iguais que outros. Quando começou a tocar, logo aos primeiros sons, eu era capaz de ter jurado que estava a ouvir o Nuforce 9.02: a mesma sensação de potência 'no chão', controlo férreo do grave e detalhe abundante.


O CA-S10 foi acolitado primeiro com as Sonus Faber Concertino (modelo original), depois com as Martin Logan Clarity. Em ambos os casos, o que me impressionou foi a qualidade do grave: afinal há vida abaixo dos 100Hz! Tal como sucede com o Nuforce 9.02, o grave é recortado, articulado, definido, rápido e contém abundante informação estéreo e ambiental. Essa história de o grave ser monofónico (e monocórdico) abaixo dos 100Hz, é treta! Talvez lhe falte um pouco do 'peso', da gravitas presente nos melhores exemplares a transístores e a deliciosa 'gordura' harmónica a que estamos habituados com as válvulas. À falta de melhor analogia, eu diria que a diferença é a que existe entre um culturista e um halterofilista: o desenho dos músculos face à força efectiva dos ditos. Por outro lado, a força desta toupeira é de natureza elástica, explosiva, como a do discóbolo ou o lançador de dardo.


Yasumara Sasahasa afirma que o CA-S10 tem as características dos melhores tríodos, talvez por a velocidade de comutação ser tão elevada e o 'coitus interruptus' da Classe B se tornar assim por magia no mais gratificante 'coitus continuum' da Classe A, um factor adicional de prazer - musical, entenda-se...

Mas eu acho que estão em campos opostos: os Flying Mole são melhores no grave e os tríodos no agudo. À medida que se sobe no espectro áudio, o som perde textura e substância. Quanto à gama média, é verdade que o tratamento da voz humana é semelhante, embora a 'toupeira' dê mais importância ao solista e as velas de vácuo iluminem o ambiente que o rodeia com a tradicional luz romântica e cativante. Os amplificadores de Classe D são exímios a reproduzir as fundamentais, não tanto os harmónicos associados, como é o caso das válvulas, ainda que alguns desses 'harmónicos' sejam porventura distorção.


O painel electrostático das Clarity é uma carga difícil de baixa impedância, sobretudo aos 20kHz, pelo que o Flying Mole, ao perder potência, 'arredonda' o agudo (o que até é agradável) mas expõe os registos médio-altos que ganham uma coloração dura, sintomática da presença de distorção. Felizmente as Sonus Faber Elipsa chegaram entretanto para provar que o CA-S10 não tem culpa de se dar melhor com gente da alta finança com sensibilidade e bom senso. Sem perder algumas das características já enunciadas, e reforçando até o excepcional controlo e articulação do grave, a toupeira voou aqui a grande altura. O som não tem a estranha liquidez cintilante que obtenho com os Mystère by Prima Luna, e muito menos a textura perfeita do ARC Ref 110, acolitado pelo McIntosh MC2200, que são de outra galáxia - e também têm outros inconvenientes, como as ventoinhas de arrefecimento - mas é transparente, luminoso e de uma limpeza notável, leia-se ausência de grão e outros artefactos sónicos, ao ponto de ser polido e até discreto, quase 'cool', na apresentação do projecto musical em curso.


Atenção: por 'cool' aqui não se leia 'frio' ou 'anémico', au contraire. A toupeira é 'cool' apenas porque controla os acontecimentos sem nunca perder a cabeça, em especial no grave; e os registos médios são cheios e aveludados. Quanto ao agudo, é tudo menos áspero ou agressivo e, se pecar, é apenas por não ter a subtileza valvular na difícil reprodução das sibilantes. O ataque só tem paralelo na capacidade de projectar as vozes e instrumentos solistas, pelo que não concordo com as acusações de palco recuado ou mal definido. Em 90% dos discos que ouvi não senti falta de nada nem de coisa nenhuma e - com colunas sensíveis como as Elipsa - tem potência disponível q.b.


O ganho é elevado, e caminhei sempre pela frescura das horas matinais, sem nunca ter chegado sequer ao meio-dia no potenciómetro. Colunas com sensibilidades próximas dos 90db e curvas de impedância regulares em toda a banda são recomendáveis, pois, à medida que se aproxima da potência máxima, a distorção aumenta na razão directa da subida da frequência e da descida da impedância, embora a harmónica dominante seja a 2ª, logo acusticamente mais benigna para os ouvidos humanos. Esta é uma característica generalizada a todos os amplificadores de Classe D.


Aqui e ali tive a vaga memória de já ter ouvido interpretações acústicas mais satisfatórias: um ou outro disco revelou mesmo ter mau feitio a níveis elevados (e se calhar até tem), mas posso estar a enganar-me a mim próprio, pois, ao olhar para aquela caixinha de alumínio, não conseguia acreditar que era ela a responsável por aquele som todo...


O simples facto de o Flying Mole CA-S10 se ter portado com tanta dignidade audiófila perante tão insígne companhia é por si uma boa carta de recomendação. Que a Sound Eclipse peça por ele apenas 1 600 euros é que já se pode considerar uma provocação à concorrência. Se a espantosa simplicidade e engenho ecológico da Classe D o atrai, não deixe de ouvir o CA-S10 e de o comparar com os modelos respectivos da Nuforce e Belcanto. Vai ter uma surpresa.


Se já viu um porco a andar de bicicleta, prepare-se agora para ver uma toupeira a voar...


Distribuidor: Soundeclipse






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