No Sheraton, se um daqueles “sons” estivesse certo, todos os outros teriam de estar errados, para parafrasear John Atkinson, a propósito das diferenças entre alguns dos melhores amplificadores do mundo. Já Harry Pearson considera que a referência - o som absoluto - ouve-se ao vivo sem amplificação, o som pelo qual todos os outros reproduzidos por equipamento electrónico devem ser aferidos.
Acontece que também aí a diversidade impera: cada sala de concerto, cada orquestra, cada maestro tem um som próprio, personalizado ao ponto de ser pessoal e intransmissível. Já não falo nos estúdios, nos engenheiros de som, nos microfones, nas consolas, etc.Isto ao nível dos “emissores”. Depois temos ainda os “transmissores”: salas de audição e equipamentos de som; e os “receptores”, que somos todos nós, os filhos da biodiversidade, tornada ainda mais diversa pelos gostos, pela cultura e pela experiência pessoal.
Junte-se agora o espaço, o tempo e o modo da audição; o espírito do demonstrador e o estado de espírito do ouvinte, cujo leque pode ir do “lambe-botas” ao “bota-abaixo”; do êxtase do iniciado e a compostura do experimentado à irritação do ressabiado; e ainda o seu estado físico: cansado, constipado, obstipado; ou fresco, bem dormido e bem alimentado; com ou sem álcool no sangue...
Neste contexto, desconfio sempre dos consensos demasiado alargados, mesmo quando neles me vejo involuntariamente envolvido, não porque não sejam credíveis e válidos, mas porque há neles muitas influências externas ao processo de demonstração/audição: gostos, amizades pessoais e interesses comuns para citar apena alguns. Assim, tendo antes a valorizar a polémica, que é uma reacção lógica muito mais consentânea com a natureza humana, logo menos hipócrita. Como diria o outro: não há dois homens num só mundo.
No Sheraton, ouvi tecer loas e dizer das boas sobre as Olissipo. Eu estou do lado dos primeiros: gostei. Muito.
É verdade que só ouvi LPs e não sei como as Olissipo soaram com CDs. É verdade que terei ouvido LPs que outros não terão ouvido e vice-versa. É verdade que tenho versões em CD que são uma sombra do LP. É verdade que estava sentado na “sweet-spot”. É verdade que admiro há muito o trabalho de Luís Pires. É verdade que a nova célula LP estava verde e exibia quiçá um ligeiro ênfase nos registos médio-altos, não escondendo por isso a dureza de alguns sons percutivos de piano que caíam nesta zona do espectro. É verdade que as Olissipo podiam ter mais extensão nos extremos de frequência, sobretudo no grave, apesar da opção inteligente por um pseudo-labirinto interno, e revelam ainda alguns problemas de acoplamento com a sala que se reflectem na articulação do grave, que não tem, hélas, a mesma transparência da gama média, cujo salto qualitativo em relação à versão anterior é evidente. Luís Pires não busca, contudo, a extensão do grave a todo o custo. Como o espeleólogo experiente e avisado prefere descer em segurança até onde as leis da física o permitem com unidades de 8 polegadas.
Mas o que eu ouvi foi um som claro, dinâmico, sem compressão (repito para os incrédulos e os mal intencionados: sem compressão!), com um ataque e velocidade transitória que não está ao alcance do CD, cujos bits, por analogia, parecem espermatozóides a tentar passar pelo colo apertado de um útero estéril. Ao contrário, os LPs reproduzidos pelo conjunto Basis 2800/Vector IV/LP soaram prenhes de música, tal como ela soa ao vivo em concerto amplificado. Nota: não ouvi música clássica.
Eu sei porque já assisti a concertos de Maceo Parker e Diane Schuur sentado na “sweet spot”. E a matriz de GRP Live supostamente digital soa em LP tal como ao vivo. O CD não. “Do it to me, do it to me, do it to me”, grita Schuur ao Reverendo Lee, com todas as sílabas da luxúria, numa sequência vertiginosa de fazer perder o folgo, perseguida pela metralha da pele esticada da tarola, surfando a onda rítmica do baixo ondulante sob a brisa fresca de harmónicos de guitarra eléctrica soprada pelo virtuosismo de Lee Ritenour.
Também no álbum de Maceo, o saxofone e o trombone exibiram o timbre, o ataque e a presença que os distinguem; e, quando, no último disco da sessão, John McLaughlin ataca as cordas com inesperada violência, no meio da uma filigrana de fina percussão de inspiração indiana, as Olissipo responderam com galhardia - lá onde muitas colunas famosas teriam morrido de apoplexia -, num jogo de forças combinadas com o conjunto Plinius. The Olissipos really did it to me, Reverend Lee!...
Acontece que também aí a diversidade impera: cada sala de concerto, cada orquestra, cada maestro tem um som próprio, personalizado ao ponto de ser pessoal e intransmissível. Já não falo nos estúdios, nos engenheiros de som, nos microfones, nas consolas, etc.Isto ao nível dos “emissores”. Depois temos ainda os “transmissores”: salas de audição e equipamentos de som; e os “receptores”, que somos todos nós, os filhos da biodiversidade, tornada ainda mais diversa pelos gostos, pela cultura e pela experiência pessoal.
Junte-se agora o espaço, o tempo e o modo da audição; o espírito do demonstrador e o estado de espírito do ouvinte, cujo leque pode ir do “lambe-botas” ao “bota-abaixo”; do êxtase do iniciado e a compostura do experimentado à irritação do ressabiado; e ainda o seu estado físico: cansado, constipado, obstipado; ou fresco, bem dormido e bem alimentado; com ou sem álcool no sangue...
Neste contexto, desconfio sempre dos consensos demasiado alargados, mesmo quando neles me vejo involuntariamente envolvido, não porque não sejam credíveis e válidos, mas porque há neles muitas influências externas ao processo de demonstração/audição: gostos, amizades pessoais e interesses comuns para citar apena alguns. Assim, tendo antes a valorizar a polémica, que é uma reacção lógica muito mais consentânea com a natureza humana, logo menos hipócrita. Como diria o outro: não há dois homens num só mundo.
No Sheraton, ouvi tecer loas e dizer das boas sobre as Olissipo. Eu estou do lado dos primeiros: gostei. Muito.
É verdade que só ouvi LPs e não sei como as Olissipo soaram com CDs. É verdade que terei ouvido LPs que outros não terão ouvido e vice-versa. É verdade que tenho versões em CD que são uma sombra do LP. É verdade que estava sentado na “sweet-spot”. É verdade que admiro há muito o trabalho de Luís Pires. É verdade que a nova célula LP estava verde e exibia quiçá um ligeiro ênfase nos registos médio-altos, não escondendo por isso a dureza de alguns sons percutivos de piano que caíam nesta zona do espectro. É verdade que as Olissipo podiam ter mais extensão nos extremos de frequência, sobretudo no grave, apesar da opção inteligente por um pseudo-labirinto interno, e revelam ainda alguns problemas de acoplamento com a sala que se reflectem na articulação do grave, que não tem, hélas, a mesma transparência da gama média, cujo salto qualitativo em relação à versão anterior é evidente. Luís Pires não busca, contudo, a extensão do grave a todo o custo. Como o espeleólogo experiente e avisado prefere descer em segurança até onde as leis da física o permitem com unidades de 8 polegadas.
Mas o que eu ouvi foi um som claro, dinâmico, sem compressão (repito para os incrédulos e os mal intencionados: sem compressão!), com um ataque e velocidade transitória que não está ao alcance do CD, cujos bits, por analogia, parecem espermatozóides a tentar passar pelo colo apertado de um útero estéril. Ao contrário, os LPs reproduzidos pelo conjunto Basis 2800/Vector IV/LP soaram prenhes de música, tal como ela soa ao vivo em concerto amplificado. Nota: não ouvi música clássica.
Eu sei porque já assisti a concertos de Maceo Parker e Diane Schuur sentado na “sweet spot”. E a matriz de GRP Live supostamente digital soa em LP tal como ao vivo. O CD não. “Do it to me, do it to me, do it to me”, grita Schuur ao Reverendo Lee, com todas as sílabas da luxúria, numa sequência vertiginosa de fazer perder o folgo, perseguida pela metralha da pele esticada da tarola, surfando a onda rítmica do baixo ondulante sob a brisa fresca de harmónicos de guitarra eléctrica soprada pelo virtuosismo de Lee Ritenour.
Também no álbum de Maceo, o saxofone e o trombone exibiram o timbre, o ataque e a presença que os distinguem; e, quando, no último disco da sessão, John McLaughlin ataca as cordas com inesperada violência, no meio da uma filigrana de fina percussão de inspiração indiana, as Olissipo responderam com galhardia - lá onde muitas colunas famosas teriam morrido de apoplexia -, num jogo de forças combinadas com o conjunto Plinius. The Olissipos really did it to me, Reverend Lee!...