Prima Dialogue Two c/grelha
Os leitores têm todo o direito de saber os pormenores técnicos.Mas hoje, por favor, peço-lhes para acederem à excelente página da Imacústica, sempre actualizada, onde podem ler as chamadas “especificações”, poupando-me ao trabalho repetitivo de as transcrever como se fossem minhas. Assim, livre da obrigação de “mostrar trabalho” (não cobro à página, nem escrevo para “encher chouriços”), tenho mais tempo para me debruçar sobre os aspectos que reputo de fundamentais para a fruição do Dialogue, e que o distinguem da concorrência externa e interna: os Prologue e os Mystère, por exemplo. Nomeadamente, a deliciosa capacidade de comutar entre modo tríodo ou Ultralinear, através do controlo remoto, e sem interromper o fluxo de música.
Não vamos aqui entrar em polémicas sobre qual dos modos é melhor na qualidade de som. Diz-se dos gostos que não se discutem, um aforismo do qual discordo - o gosto educa-se e cultiva-se ao longo dos anos alicerçado na experiência pessoal. E o meu gosto diz-me que, no modo tríodo, o “diálogo” com a música é muito mais gratificante.
Não nego que no modo Ultralinear o som ganha mais impacte, brilho e tensão e torna-se mais explícito, vivo e presente, talvez também porque o nível de saída sobe uns bons 3dB, e sabe-se como, geralmente, “mais alto” é percebido como “melhor”. Contudo, uma vez aferidos os níveis, o modo tríodo confere mais substância ao processo musical.
É certo que o grave se torna mais flácido, cedendo no controlo e na definição, mas os registos médios, sobretudo as vozes, perdem na definição dos contornos das palavras o que ganham em significado emocional.
Admito que é uma sensação subjectiva de bem-estar, de empatia, de entendimento mútuo, e não tanto uma evidência física, embora esta possa ser ilustrada por gráficos de distorção: no modo tríodo, há prevalência da 2ª harmónica; no modo Ultralinear, de 3ª harmónica, e sabe-se como as ordens ímpares são mais difíceis de digerir pelo ouvido humano.
Prima Luna Dialogue Two s/grelha
Ambas são desvios da linearidade, apesar do epíteto de “Ultralinear”, mas todos os grandes feitos da humanidade são realizados por pessoas que fogem à regra, à “linha” de conduta institucional. Dos 'sistemati' não reza a história da paixão, como escreveu Roland Barthes. É também esta “rebeldia” harmónica que torna os amplificadores a válvulas tão humanos, tão próximos de nós, do nosso anseio biológico de diferença de individualidade, mesmo correndo o risco de nos catalogarem como ingénuos, quiçá loucos, por aceitarmos a imperfeição artesanal quando a perfeição obtida em laboratório já é possível nos dias de hoje.
Dungen, o criador, fotografado para o Hificlube na CES 07
A soberba do Homem que ousa substituir-se a Deus não tem limites: a nossa missão na Terra é a de tentar aperfeiçoar a imperfeição original da natureza humana e da sua obra. Seremos tanto mais felizes quanto mais aceitarmos essa inevitabilidade. Eu aceito como inevitável o pecado original dos amplificadores a válvulas: a distorção harmónica. Aprendi a viver com ela. Talvez por isso me sinta feliz quando os oiço. O segredo da vida a dois reside na tolerância e na compreensão.
O Dialogue já anda cá por casa há meses. Podia ter publicado um teste muito antes de qualquer outra revista online ou em papel. Teria sido fácil. Até porque o Dialogue é tão transparente como aquelas pessoas que não sabem mentir - topamo-las logo. Quando o Dialogue chegou, as Sonus Faber Elipsa eram o Ai, Jesus! do meu modesto estúdio. Mas as belas italianas são amantes caras e caprichosas. Não que o Dialogue não fosse homem para elas, faltava ali contudo a autoridade de um braço forte que as impedisse de dar demasiado nas... vistas. Ainda experimentei substituir as KT 88 por EL34 - o Autobias tem destas vantagens - só que, com as Elipsa, às 34 faltava pulmão para “dizer 33”. Para mim o Dialogue é “Two” - a dois, como o tango. E eu adoro dialogar com ele. Sobretudo quando o meu interlocutor tem uma dicção (definição) quase perfeita e uma riqueza lexical (harmónicos) que torna o discurso tão cheio de vocábulos significantes (tons) e tão inteligível (informação) que todos os sons parecem fazer sentido no contexto lato da conversa musical.
Quando a Elipsa foi embora, ele ficou, solidário com a minha dor, e tornamo-nos amigos inseparáveis. É, pois, a ele que eu recorro na desgraçada ausência de vedetas do áudio (tenho o meu estúdio em obras). Ei-lo sempre pronto para me alegrar, fazendo par com outras colunas residentes, como as Martin Logan Clarity ou as Sonus Faber Concertino (as originais). E nunca me deixam ficar mal. No modo tríodo, claro. E de preferência bebendo da torneira de 4 ómios, porque as outras não me satisfazem a sede de música do mesmo modo. Com uma excepção: tolero a saída de 8 ómios quando faço by pass à secção de prévio, ligando o meu velho e fiel Marantz CD63KI, com saída variável, directamente à entrada HT, a única função útil que lhe reconheço, pois não me passaria pela cabeça integrar o Dialogue num sistema AV.
Sem o andar de prévio no caminho do sinal, as KT88 mostram aquilo que realmente valem, aproximando-se da proverbial musicalidade das EL34 (o acetinado das cordas, a presença etérea dos oboés e a projecção isenta de modulação ou vibrato excessivo das flautas e flautins), sem os inconvenientes da fragilidade dinâmica na presença de colunas de abordagem mais difícil, como é o caso das Elipsa.
Mystère IA21, um Prologue de smoking
Antes tinha experimentado o Mystère IA21, um integrado “misterioso”, cujo código genético tem também origem na Prima Luna. Achei-o mais musculado mas demasiado “incisivo”, quase brusco na sua ânsia de negar a origem tubular. Não devemos ter vergonha daquilo que somos. O Dialogue tem orgulho em ser o que é: um amplificador a válvulas, imperfeito e limitado pelo código genético e pela presença dos cromossomas KT 88 e EL34, cujos transformadores de saída lhe conferem agora o controle tonal, a extensão em frequência e a riqueza harmónica que faltava aos Prologue.
O salto no caminho da inefável e inalcançável perfeição sonora não é aqui apenas quantitativo é, sobretudo, qualitativo. Não atinge os píncaros do duo ARC REF3/110 mas também não mergulha tão fundo na sua algibeira. Na música ao vivo sem amplificação (que eu tenho o raro privilégio de ouvir todos os dias), os agudos e os graves são apenas a continuidade da grande gama média, onde se concentra o grosso dos sons audíveis, que soa cheia e natural. Os ARC aproximam-se mais deste desiderato que os Prima Luna - seria escandaloso que assim não fosse...
Antes que me acusem de filosofar em vez de criticar, permitam-me transcrever a minha opinião já anteriormente publicada no Hificlube num registo mais “revisteiro”:
“A potência “subjectiva”é mais elevada (objectivamente há um limite para a potência que se pode gerar com as válvulas utilizadas), ou pelo menos é assim que nos soa. No fundo, o que temos aqui são transformadores de saída de muito melhor qualidade, que permitem um comportamento electroacústico em sobrecarga mais gracioso.
A possibilidade de serem também utilizados no modo tríodo não é despicienda. Dá gozo ouvir os Dialogue no limite, porque a distorção de 2ª harmónica é agora (não me atirem pedras, please!) ainda mais musical e acusticamente saborosa.
Na voz dos Prologue, sentia-se uma certa tensão, chamem-lhe dureza, quando se viam em apertos. Os Dialogue tornam-se expansivos e emotivos, tal como outros grandes amplificadores a válvulas de baixa potência. Estou a lembrar-me dos Jadis Orchestra. Talvez por isso eu opte por lhes dificultar o trabalho e prefira o modo tríodo, mais humano, em detrimento da maior fogosidade, articulação e definição do modo Ultralinear. Basta para isso que no acto de “clicar” se compense a diferença de menor potência dos tríodos com um toque no potenciómetro (o controlo de volume à distância é um pouco brusco, uma espécie de turbo)”.
Quando publiquei o teste do Prologue One (os que acham que soa melhor na língua de Shakespeare podem leraqui ), terminei afirmando: “se isto é o Prólogo, mal posso esperar pelo Epílogo”. Depois deste Diálogo esclarecedor e enriquecedor, aprendi que o futuro não é mais que o amanhã do presente luminoso - e já não me importo tanto de esperar pelo último capítulo deste apaixonante romance holandês...
Distribuidor: IMACÚSTICA
Os leitores têm todo o direito de saber os pormenores técnicos.Mas hoje, por favor, peço-lhes para acederem à excelente página da Imacústica, sempre actualizada, onde podem ler as chamadas “especificações”, poupando-me ao trabalho repetitivo de as transcrever como se fossem minhas. Assim, livre da obrigação de “mostrar trabalho” (não cobro à página, nem escrevo para “encher chouriços”), tenho mais tempo para me debruçar sobre os aspectos que reputo de fundamentais para a fruição do Dialogue, e que o distinguem da concorrência externa e interna: os Prologue e os Mystère, por exemplo. Nomeadamente, a deliciosa capacidade de comutar entre modo tríodo ou Ultralinear, através do controlo remoto, e sem interromper o fluxo de música.
Não vamos aqui entrar em polémicas sobre qual dos modos é melhor na qualidade de som. Diz-se dos gostos que não se discutem, um aforismo do qual discordo - o gosto educa-se e cultiva-se ao longo dos anos alicerçado na experiência pessoal. E o meu gosto diz-me que, no modo tríodo, o “diálogo” com a música é muito mais gratificante.
Não nego que no modo Ultralinear o som ganha mais impacte, brilho e tensão e torna-se mais explícito, vivo e presente, talvez também porque o nível de saída sobe uns bons 3dB, e sabe-se como, geralmente, “mais alto” é percebido como “melhor”. Contudo, uma vez aferidos os níveis, o modo tríodo confere mais substância ao processo musical.
É certo que o grave se torna mais flácido, cedendo no controlo e na definição, mas os registos médios, sobretudo as vozes, perdem na definição dos contornos das palavras o que ganham em significado emocional.
Admito que é uma sensação subjectiva de bem-estar, de empatia, de entendimento mútuo, e não tanto uma evidência física, embora esta possa ser ilustrada por gráficos de distorção: no modo tríodo, há prevalência da 2ª harmónica; no modo Ultralinear, de 3ª harmónica, e sabe-se como as ordens ímpares são mais difíceis de digerir pelo ouvido humano.
Prima Luna Dialogue Two s/grelha
Ambas são desvios da linearidade, apesar do epíteto de “Ultralinear”, mas todos os grandes feitos da humanidade são realizados por pessoas que fogem à regra, à “linha” de conduta institucional. Dos 'sistemati' não reza a história da paixão, como escreveu Roland Barthes. É também esta “rebeldia” harmónica que torna os amplificadores a válvulas tão humanos, tão próximos de nós, do nosso anseio biológico de diferença de individualidade, mesmo correndo o risco de nos catalogarem como ingénuos, quiçá loucos, por aceitarmos a imperfeição artesanal quando a perfeição obtida em laboratório já é possível nos dias de hoje.
Dungen, o criador, fotografado para o Hificlube na CES 07
A soberba do Homem que ousa substituir-se a Deus não tem limites: a nossa missão na Terra é a de tentar aperfeiçoar a imperfeição original da natureza humana e da sua obra. Seremos tanto mais felizes quanto mais aceitarmos essa inevitabilidade. Eu aceito como inevitável o pecado original dos amplificadores a válvulas: a distorção harmónica. Aprendi a viver com ela. Talvez por isso me sinta feliz quando os oiço. O segredo da vida a dois reside na tolerância e na compreensão.
O Dialogue já anda cá por casa há meses. Podia ter publicado um teste muito antes de qualquer outra revista online ou em papel. Teria sido fácil. Até porque o Dialogue é tão transparente como aquelas pessoas que não sabem mentir - topamo-las logo. Quando o Dialogue chegou, as Sonus Faber Elipsa eram o Ai, Jesus! do meu modesto estúdio. Mas as belas italianas são amantes caras e caprichosas. Não que o Dialogue não fosse homem para elas, faltava ali contudo a autoridade de um braço forte que as impedisse de dar demasiado nas... vistas. Ainda experimentei substituir as KT 88 por EL34 - o Autobias tem destas vantagens - só que, com as Elipsa, às 34 faltava pulmão para “dizer 33”. Para mim o Dialogue é “Two” - a dois, como o tango. E eu adoro dialogar com ele. Sobretudo quando o meu interlocutor tem uma dicção (definição) quase perfeita e uma riqueza lexical (harmónicos) que torna o discurso tão cheio de vocábulos significantes (tons) e tão inteligível (informação) que todos os sons parecem fazer sentido no contexto lato da conversa musical.
Quando a Elipsa foi embora, ele ficou, solidário com a minha dor, e tornamo-nos amigos inseparáveis. É, pois, a ele que eu recorro na desgraçada ausência de vedetas do áudio (tenho o meu estúdio em obras). Ei-lo sempre pronto para me alegrar, fazendo par com outras colunas residentes, como as Martin Logan Clarity ou as Sonus Faber Concertino (as originais). E nunca me deixam ficar mal. No modo tríodo, claro. E de preferência bebendo da torneira de 4 ómios, porque as outras não me satisfazem a sede de música do mesmo modo. Com uma excepção: tolero a saída de 8 ómios quando faço by pass à secção de prévio, ligando o meu velho e fiel Marantz CD63KI, com saída variável, directamente à entrada HT, a única função útil que lhe reconheço, pois não me passaria pela cabeça integrar o Dialogue num sistema AV.
Sem o andar de prévio no caminho do sinal, as KT88 mostram aquilo que realmente valem, aproximando-se da proverbial musicalidade das EL34 (o acetinado das cordas, a presença etérea dos oboés e a projecção isenta de modulação ou vibrato excessivo das flautas e flautins), sem os inconvenientes da fragilidade dinâmica na presença de colunas de abordagem mais difícil, como é o caso das Elipsa.
Mystère IA21, um Prologue de smoking
Antes tinha experimentado o Mystère IA21, um integrado “misterioso”, cujo código genético tem também origem na Prima Luna. Achei-o mais musculado mas demasiado “incisivo”, quase brusco na sua ânsia de negar a origem tubular. Não devemos ter vergonha daquilo que somos. O Dialogue tem orgulho em ser o que é: um amplificador a válvulas, imperfeito e limitado pelo código genético e pela presença dos cromossomas KT 88 e EL34, cujos transformadores de saída lhe conferem agora o controle tonal, a extensão em frequência e a riqueza harmónica que faltava aos Prologue.
O salto no caminho da inefável e inalcançável perfeição sonora não é aqui apenas quantitativo é, sobretudo, qualitativo. Não atinge os píncaros do duo ARC REF3/110 mas também não mergulha tão fundo na sua algibeira. Na música ao vivo sem amplificação (que eu tenho o raro privilégio de ouvir todos os dias), os agudos e os graves são apenas a continuidade da grande gama média, onde se concentra o grosso dos sons audíveis, que soa cheia e natural. Os ARC aproximam-se mais deste desiderato que os Prima Luna - seria escandaloso que assim não fosse...
Antes que me acusem de filosofar em vez de criticar, permitam-me transcrever a minha opinião já anteriormente publicada no Hificlube num registo mais “revisteiro”:
“A potência “subjectiva”é mais elevada (objectivamente há um limite para a potência que se pode gerar com as válvulas utilizadas), ou pelo menos é assim que nos soa. No fundo, o que temos aqui são transformadores de saída de muito melhor qualidade, que permitem um comportamento electroacústico em sobrecarga mais gracioso.
A possibilidade de serem também utilizados no modo tríodo não é despicienda. Dá gozo ouvir os Dialogue no limite, porque a distorção de 2ª harmónica é agora (não me atirem pedras, please!) ainda mais musical e acusticamente saborosa.
Na voz dos Prologue, sentia-se uma certa tensão, chamem-lhe dureza, quando se viam em apertos. Os Dialogue tornam-se expansivos e emotivos, tal como outros grandes amplificadores a válvulas de baixa potência. Estou a lembrar-me dos Jadis Orchestra. Talvez por isso eu opte por lhes dificultar o trabalho e prefira o modo tríodo, mais humano, em detrimento da maior fogosidade, articulação e definição do modo Ultralinear. Basta para isso que no acto de “clicar” se compense a diferença de menor potência dos tríodos com um toque no potenciómetro (o controlo de volume à distância é um pouco brusco, uma espécie de turbo)”.
Quando publiquei o teste do Prologue One (os que acham que soa melhor na língua de Shakespeare podem leraqui ), terminei afirmando: “se isto é o Prólogo, mal posso esperar pelo Epílogo”. Depois deste Diálogo esclarecedor e enriquecedor, aprendi que o futuro não é mais que o amanhã do presente luminoso - e já não me importo tanto de esperar pelo último capítulo deste apaixonante romance holandês...
Distribuidor: IMACÚSTICA