Tal como sucede com a Lexus, a qualidade de construção dos produtos Esoteric é irrepreensível e imediatamente evidente ao primeiro contacto, sendo o desempenho consentâneo com a aparência. Por outro lado, utiliza tecnologias de ponta, concebidas em exclusivo para a marca, que são autênticos ex-libris que distinguem os seus modelos da concorrência. Refiro-me, claro, ao famoso sistema de transporte VRDS-NEO, que é uma obra prima da engenharia mecânica.
Para tornar a tecnologia VRDS acessível a um público mais alargado, a Esoteric apresentou em Las Vegas, na CES 2008, um modelo comemorativo dos 25 anos de leitor CD/SACD (estéreo apenas) designado por X-05, que incorpora um sistema de transporte/leitura da 5ª geração VRDS-NEO/VMK5, optimizado para alta velocidade de rotação, com engenhosas soluções técnicas que minimizam os erros de leitura e o jitter induzidos por vibração mecânica (1).
(1) Nota: os leitores de índole mais tecnológica podem abrir o pdf no topo da página para ler toda a informação disponível na brochura oficial. A mim, enquanto 'provador do reino', compete-me apenas apontar algumas pistas para uma melhor apreciação de mais este notável produto da escuderia Esoteric, distribuída em Portugal pela Delaudio.
O que mais me atrai nos leitores CD/SACD da Esoteric, a quem a Sony parece ter delegado a defesa oficiosa do formato, depois de o ter abandonado à sua sorte (e o Super Audio CD não merecia isto), é o contraste único entre a solidez estrutural e a leveza do mecanismo da gaveta: precisão e suavidade. Mesmo marcas de renome, conhecidas pela obsessão da qualidade de construção, como a Krell, de que sou um ferveroso adepto, parecem ser incapazes de nos oferecer este movimento perfeito, esta rotatividade silenciosa. A UE, que se preocupa tanto com o queijo da Serra e a linguiça do Alentejo, devia obrigar por decreto todos os leitores CD/SACD a incorporar de origem sistemas VRDS-NEO. E não só pela elegância do funcionamento, também pela beleza discreta do design, num aparelho cujo peso (17 Kg) é o paradigma da insustentável leveza de Kundera.
A principal vantagem de exercer por puro prazer este míster da crítica áudio é não ter de me cingir a 'comer com os olhos'. Entre 'ver' o X-05 exposto na suite da Esoteric, no Venetian, em Las Vegas, e poder 'tê-lo' no prato para provar foi o tempo de um desejo.
Eu sou fiel aos meus princípios e, embora evite ser casmurro ao ponto de não admitir o óbvio (a excelência audiófila das Quad ELS 2905, por exemplo), mesmo depois de, como S. Pedro, a ter negado 3 vezes antes do galo cantar, também não sou um particular partidário do 'flavour of the month'. Ou seja, ainda tenho na memória o gostinho especial do X-01D2 que, na minha opinião, é o melhor 'integrado' da Esoteric, sendo que os 'duas peças' são alegadamente superiores no seu desempenho. A este nível, já estamos no domínio da nuance, do pormenor de apreciação subjectiva, pois as especificações técnicas são muito semelhantes. Não confundir, contudo, 'especificações' com 'funcionalidades'.
O X-01D2 permitia optar por 3 tipos diferentes de conversão: PCM, Bitstream e DSD. O X-05 apenas oferece diferentes tipos de filtragem: 'Narrow' (com filtro rápido brickwall) e 'Wide' (com filtro de pendente mais suave). E com SACD: Normal (corte aos 50kHz) e Direct (corte aos 80kHz). Os filtros DSD também têm efeito na reprodução de CD (-3dB no modo Direct), o que me levou a especular se os sinais PCM não seriam previamente convertidos por 'default' para DSD. Embora o X-05 seja um modelo estéreo, está prevista a opção por multicanal via i-Link (Firewire) para um conversor externo, embora eu ache que ninguém vai optar por 'miscigenar' o X-05 depois de ouvir do que ele é capaz em áudio estéreo, tanto com CD como SACD. De origem o X-05 vem equipado com saídas analógicas estéreo balanceadas e RCA.
Depois de algumas experiências optei pelo modo 'Wide' para música clássica (imagem mais ampla e distante) e 'Narrow' para todos os outros tipos de música (palco menos amplo e mais presença) e deixei a filtragem DSD no modo 'Normal'.
A herança da Sony não é apenas simbólica. O miolo deste X-05 é de origem Sony. Tanto a descodificação PCM como DSD estão a cargo de 'chips' Sony CDX1885Q/2753. Curiosa é a utlização de um 'chip' Yamaha YSS944-V, normalmente utilizado nos leitores DVD para a descodificação DTS e Dolby Digital, e que aqui, segundo François Kahn, da Noveulle Revue du Son, deve servir apenas para funções de sobreamostragem.
Os conversores DA são Cirrus CS3498, dois por canal em modo diferencial para melhorar a relação sinal/ruído.
O X-05 pode ser utilizado como conversor de sinais externos a 44,1, 88,2 e 176,4kHz, e também com frequência universal (CD/SACD/DVD) de 100kHz. Aceita ainda a ligação a um dos geradores de 'clock' da Esoteric.
Saber ouvir é uma arte
Antes que perguntem, informo já que a minha memória selectiva me diz que o som do X-01D2 está mais próximo do meu conceito de perfeição digital. O X-05 consegue o feito de ser o mais 'quente' de todos os Esoteric sem perder aquela limpeza melíflua típica da marca, resultante da ausência de vibrações, que por sua vez produzem ressonâncias, que induzem erros de leitura e 'jitter'. Este é também o Esoteric em que notei menos diferença entre CD e SACD, não porque se tenha nivelado a qualidade do som por baixo, mas porque tudo soa tão natural e correcto que pouco interessa o formato. O X-05 é a resposta da Esoteric a algumas críticas de 'digitalite', em função da reconhecida precisão matemática do desempenho dos seus leitores.
Admito que este tipo de análises, já de si subjectivas, nas quais se utiliza equipamento complementar diferente do utilizado em análises anteriores, ainda é menos objectivo que o habitual, porque integra demasiadas variáveis. Neste caso, utilizei como amplificação um duo Krell Evo 202/302, tendo como referência digital o Krell Evo 505, e as colunas foram as Quad 2905. Terá sido por isso que o X-05 me soou mais 'quente' que o X-01D2? É muito provável. Mas eu também acolitei o X-05 com um Prima Luna Dialogue Two e colunas Sonus Faber Concertino e Monitor Audio Platinum PL100 e o 'carácter' continuava lá. Além disso, tenho um Sony com um 'chip set' idêntico para tirar teimas...
A arte está em ousar ouvir para lá do óbvio, tal como numa reprodução holográfica que, à primeira vista, parece uma imagem sem sentido e, logo que conseguimos entrar mentalmente no seu interior, nos revela segredos antes invisíveis ao olho nu. Esta técnica de 'ouver' exige anos de experiência, e nem sempre é possível transmiti-la aos outros, porque a sua compreensão depende sobretudo deles: podemos passar anos a tentar, até que, de repente, tudo parece fazer sentido.
Há uma lógica interna nas imagens holográficas que certas pessoas nunca terão capacidade de compreender. Não porque sejam estúpidas ou menos inteligentes mas talvez por serem demasiado racionais. Lembro-me da primeira vez que fui colocado perante uma imagem holográfica e só via riscos sem nexo. Ao meu lado, alguém descrevia o que estava a ver: 'Olha é um desenho do fundo do mar, vê-se um barco naufragado e um cofre de piratas aberto com moedas, taças e colares a cair, e anda um tubarão martelo a nadar por ali...'. Eu, quanto mais olhava menos via. Até que, depois de minutos de concentração, 'mergulhei' também no fundo do mar. A partir daí, passei a conseguir entrar mais rapidamente em todas as outras imagens da exposição.
O mais curioso é que, uma vez 'lá dentro', é possível alterar a perspectiva do 'palco' ou concentrarmo-nos apenas neste ou naquele elemento ou objecto. O highend é um pouco isso: um quadro sonoro holográfico. Há equipamentos que nos facilitam o 'mergulho', outros deixam-nos a boiar à superfície da mistura de som. A Esoteric é o sonho de qualquer mergulhador que pretenda explorar as profundezas do mar transparente da música.
A diferença entre o X-01D2 e o X-05 reside sobretudo na definição dos contornos, o 'miolo' dos sons é feito da mesma substância orgânica rica em nutrientes harmónicos. O superior recorte do primeiro traz consigo uma melhor separação entre sons e silêncios, logo dos tempos, logos dos ritmos. Mas ao X-05 não parece faltar a natural predilecção da Esoteric pela nuance cromática da frase sonora, a tonalidade certa e o timbre justo, e aquela rara combinação entre articulação e expansividade que só está ao nível dos grandes leitores. E a diferença de preço tende a favorecer o X-05...
Se bem que os alicerces do edifício musical não vão tão fundo no terreno espectral como no Krell 505, o X-05 é a prova viva de que a solidez da construção tem efeitos positivos na qualidade do som, mesmo quando toda a gente já sabe que 'bits são bits' e, portanto, são imunes ao que os rodeia. Se assim fosse, a qualidade do som de outros aparelhos no mercado que utilizam o mesmo 'chip set' não sofreria variações entre o 'efervescente' e o 'murcho'. O X-05 soará tanto melhor no seu sistema quanto mais neutro ele for. Isto parece uma verdade de La Palisse, mas há quem compre leitores CD cujo 'carácter' compense em certa medida a personalidade (ou a falta dele) do resto do sistema...
Sempre que possível opte pelas saídas XLR: o som tem mais oxigénio e permite-lhe mergulhar mais fundo sem garrafas. Ora há muito quem só faça testes com o auxílio de uma garrafa...
Distribuidor: DELAUDIO