Alexis Park: um deserto com piscina
A verdade é que aquilo estava às moscas. Havia por lá meia-dúzia de gatos pingados, eu e o Rui Calado já incluídos, pois estava a chover. Nas salas só estavam os próprios fabricantes, família e amigos (alguns nem amigos tinham...) e, quando nós entrávamos levantavam-se logo para nos dar lugar na sweet spot. Enquanto audiófilo dedicado, nunca me senti tão frustrado, eu diria, quase envergonhado, por assistir à queda de um mito. Havia mais gente a assistir ao show do Sony Rolly que a ouvir todos os sistemas highend juntos em demonstração no Alexis Park.
DartZeel+Evolution: Robert Harley, TAS, na foto, gostou - eu, nem por isso.
E não pensem que só havia por lá artesanato a válvulas e colunas absurdas com som indescritível. Por exemplo, logo na primeira sala em que entrámos exibiam-se nos DartZeel com umas colunas desconhecidas: Evolution Acoustics MM3 c/médios cerâmicos e tweeter de fita. Os graves eram profuuundos. Os médios rasgavam um pouco. Quanto ao tweeter já ouvi melhor. Mas os DartZeel lá aguentaram o barco até bom porto...
A partir daí, com raras excepções, na Audio Note, por exemplo, foi sempre a descer.Na AudioNote veneravam-se as válvulas de joelhos e ouvia-se boa música.
As colunas são simples mas eficazes: e tocam invariavelmente bem - make it simple dude...
Na AudioNote fazia-se striptease para ver o som com os olhos.
Não percebi o que é a Gamut estava a fazer neste filme, com um som sólido vindo das Phi 7 propulsionadas pelo integrado SI100.
A sala da Soundsmith parecia uma loja regional de artesanato de madeira. O som era de pau. Os prévios e amplificadores até são bonitos: preços entre 15 e 50 mil.
O nome é esquisito: Kunhap. Mais material asiático em busca de distribuidor. Inspiradas nas Sonus Faber, que por sua vez inspiraram as Usher, que por sua vez... a never ending story do costume. O som era um horror com forte proeminência de registos médios, como uma salada com vinagre a mais. São gostos, dizem...
As Reference 3A Grand Veena até nem estavam a tocar nada mal com amplificação Antique Sound Labs Cadenza 01. Mas daí a redefinirem o estado da arte, como afirma Harry Pearson na TAS. Meus amigoszzz, não havia necessidade. Estes tipos arranjam todos os meses uma coisa nova para redefinir qualquer coisa. Ao fim de um tempo, ninguém se lembra delas...
As famosas Eclipse incensadas pela crítica americana, sobretudo online, são outro caso paradigmático. Utilizam um altifalante full-range para cobrir todo o espectro e, em consequência, acabam por não cobrir nem os pés nem a cabeça.
Talvez por isso, a Eclipse tenha proposto um modelo para ouvir na cama, ligado a uma instalação AV.
Querem mais um exemplo: a Edge, outra marca muito badalada, conseguiu o feito de fazer tocar mal as excelentes Avalon Eidolon Diamond. Perguntem ao Rui Calado, que ele conta-lhes como foi...
Na Casa do Gil, perdão na Gill Audio, ouvi as colunas Daedalus Audio Ulysses assistidas por amplificação Clayton Audio. O som era um pavor. O tipo achou que eu não tinha gostado, porque os tijolos da Shakti não estavam bem colocados em cima dos amplificadores e os cabides (que se vêem aos cantos, também da Shakti) estariam mal direccionados. E eu perguntei-me: sou eu que estou doido ou são eles?...
Na sala da PBN Audio, o sistema era impressionante. Ainda tive alguma esperança de que talvez fosse ali que se ia ouvir música. As Montana KAS 2 são activas (1 000W cada) e tinham aquele grave que nos pára a digestão, estilo Cassius Clay a bater no fígado. Não admira que sejam apresentadas como “The Kick Ass Speaker”. Ora para levar pontapés no cú, não valia a pena ir a Las Vegas. O único Kas que me convenceu foi o espectáculo do Cirque du Soleil, com o mesmo nome, em exibição no MGM.
As Project T1 c/ cornetas RCA para cinema estavam lá no mesmo sítio com a mesma música e as mesmas pessoas, como se um ano não tivesse passado, entretanto...
Vocês acreditam se eu lhes disser que este sistema de colunas não tinha graves. Ah, e estavam todas a tocar ao mesmo tempo, o Rui foi lá pôr o ouvido encostado para ter a certeza. Não sei como se chamam, saí antes de perguntar. Does it really matter?...Nota: são as VMPS RM V60, já descobri...
Na sala da Music Culture (mais uma incursão zen) o som era tão artificial como os pessegueiros que decoravam os amplificadores. Prefiro o pessegueiro de Porto Covo plantado pelo vizir que se matou por amor, da canção do Rui Veloso. Aliás, no The Show cheguei a ficar com tendências suicidas. Tudo que se diz de bom na Net sobre isto e outras coisas mais decorre da seguinte trilogia: amostras para testes, distribuição, publicidade. Quando se pedem 35 000 dólares por umas colunas artesanais, cujo altifalante de médios em kevlar é e soa amarelado, convém ser simpático.
Os amplificadores Navison são fabricados no Vietname. Há muito que os vietnamitas descobriram que os americanos gostam de pagar fortunas por coisas exóticas. Os amplificadores de 80W SET custam vinte e tal mil dólares! E os vietcongs sabem-na toda: transformadores Tango; fichas Cardas Gold Rhodium, resistências Riken, condensadores Jensen, Nichicon e Mundorf, solda WBT, etc. O mais engraçado é que o fabricante atribuía grande parte da qualidade do som aos cubos de acrílico (sagrado?) que suspendiam os cabos. Retirados os cubos, o som caía, segundo ele, em qualidade. Também é verdade que uma das estratégias para ganhar a guerra aos americanos foi distribuir droga barata aos soldados...
Seguiram-se uma série de colunas que eram variações em dó do famoso mito do altifalante “full-range”, tipo Lowther ou Feastrex, e que nem as válvulas conseguiram salvar da mediocridade sonora. Como seria de esperar, tinham muita gama média e faltava-lhes o resto:
O Feastrex (full-range driver, o altifalante de baixo é passivo) foi concebido pelo guru Haruhiko Teramoto. A coluna era um protótipo ( 15 000 dólares) e foi alimentada pelo igualmente exótico Red Rock Audio Triode amp (40 mil dólares). Vou ter que me converter ao budismo zen a ver se entendo melhor estas coisas...
As MaxxHorn Lumination utilizam também o Feastrex, além da corneta Tractrix e os resultados não foram melhores, por muito que nos queiram fazer crer o contrário. Por 20 000 dólares é possível fazer melhor, muito melhor. Lá deram a desculpa que eram novas e tal, mas mesmo dando o desconto eu queria mais, muito mais...
As Studio Electric estavam lá no mesmo sítio com a mesma música e as mesmas pessoas, como se um ano não tivesse passado, entretanto...
E para acabar em beleza, as Teresonic Ingenium e Magus, todas elas com óbvias limitações tonais e dinâmicas.
Houve uma honrosa excepção: o velho altifalante concêntrico da Tannoy Glenair, que não é propriamente um altifalante full-range simples, mas soou muito bem com amplificação a válvulas TruLife Audio. Um pouco colorido também, só que pelo menos, era dinâmico e dominador.
Mas, que diabo!, nem tudo era mau. Acabei por ouvir coisas boas, embora não tão boas quanto seria de esperar pelo dinheiro que pediam por elas.
Os amplificadores de Havilland com as colunas Sonist, por exemplo
Na Acoustic Zen Technologies, a amplificação era Halcro, e estes amplificadores nunca soam mal, apenas podem soar menos bem, dependendo das circunstâncias.
Na Rockport, as novas colunas Ankaa foram acolitadas pelos Gryphon Mirage/Antileon. Aqui para nós, sinceramente, já ouvi melhor: o conjunto soou-me com qualidade mas algo artificial, um pouco hifi talvez para um sistema que custa mais de 100 000 dólares. Ouvir sons em shows é como experimentar perfumes no free-shop - às duas por três já estamos baralhados e enjoados...
A Lansche é mais uma marca alemã de grande luxo. As colunas utilizam o famoso tweeter Corona de plasma das aCapella, que, aliás, é fabricado pela Lansche e tem resposta em frequência até aos 150kHz!! Só para ouvir a forma única como este tweeter reproduz as sibilantes (mesmo sabendo que andam ali apenas pelos 7kHz) valeu a pena ficar lá sentado os cinco minutos da ordem. A vantagem do The Show é as salas estarem vazias, assim sentamo-nos sempre na sweet spot...
Não admira que no St. Tropez a NFS, Not For Sale, tivesse criado uma “chill-out” zone, com elementos decorativos da cultura índia e hippie, luzes psicadélicas e... a maior colecção de garrafas de vinho de Las Vegas.
Rui Calado foi o modelo fotográfico de serviço. Na foto a entrar na NFS “chill-out zone”, afastando o espanta-moscas igual aos que se usam nos talhos, pintado com motivos índios, e com um sorriso já a antecipar o que estava para acontecer.
A sala estava às escuras e quem entrasse ficava imediatamente com sarampo verde. Não se via nada, só se ouvia a música.
O ano passado fumaram charros. A coisa deve ter dado para o torto, por isso este ano dedicaram-se ao tinto da Califórnia que está na moda e já substituiu o cigarro nos filmes americanos.
Havia garrafas abertas por todo o lado, e outras ainda por abrir em caixas com gelo dentro do jacuzzi: branco e tinto. Entrámos, saímos, e nem deram por nós - estavam todos bem acompanhados...
Ah, na escuridão pontilhada por bolinhas verdes de luzes de laser, estavam a tocar incógnitas umas cornetas transparentes da Ferguson, que utilizam altifalantes full range Lowther. O som até estava razoável, ou então era dos vapores do alcóol. Para obter esta foto tive de utilizar o flash, por isso é que não se vêem aqui as bolinhas verdes...
Depois de percorrer o The Show é que eu percebi que o vinho funcionava como uma espécie de antídoto contra o mau som que se ouvia por todo o lado. Não admira que alguns críticos tenham gostado tanto de certos sistemas. Havia até uma marca de áudio com o nome de...Red Wine Audio.
Nota: Hificlube agradece a Rui Calado por ter acompanhado estoicamente JVH nesta travessia do deserto de sons (com alguns oásis pelo meio) e por ser testemunha de que tudo o que aqui se escreve é a pura verdade e ficou registado em vídeo.