Na última edição da revista Hificritic, a tecnologia de amplificação de Classe D, ou melhor, algumas das suas implementações comerciais mais conhecidas, nomeadamente BelCanto, CIA, Flying Mole, Nuforce, além da Sharp, Yamahaet alia, é arrasada sem apelo nem agravo, de tal forma que num rebate de consciência, Colloms termina por pôr alguma água na fervura, alegando que, com medidas laboratoriais daquelas, até era de justiça dar os parabéns aos projectistas pelos resultados alcançados.
Et pour cause, a Hificritic arroga-se de independente face ao poder económico e editorial vigente (não tem publicidade mas continua a ter que contar - aliás, como todos nós - com a boa vontade dos fabricantes e distribuidores para poder testar os equipamentos). Num mundo material, a independência só pode ser um estado de espírito...
Os 18 pecados mortais da Classe D
Segundo Colloms, os amplificadores de Classe D sofrem de 18 pecados mortais. Mais, portanto, que os da Santa Madre Igreja, mesmo tendo sido recentemente acrescentados alguns, como poluir e enriquecer (mas porque será que quase tudo o que é bom é pecado?). Dispenso-me de os enumerar a todos (os leitores poderão obter a lista completa aqui), mas apenas meia-dúzia deles seriam mais que suficientes para arrumar os amplificadores de Classe D no inferno das boas ideias audiófilas.
Alguns dos 'pecados' são óbvios até para um leigo. E nunca deixei de chamar a atenção para eles nos testes que publiquei (ver Artigos Relacionados), sendo que o mais óbvio de todos é o ruído de rádio frequência (RFI), que nenhum filtro parece ter conseguido eliminar completamente até agora.
Para sermos justos, dos 18 pecados apontados por Colloms, para aí uns 10 resumem-se às várias manifestações do ruído e outras interferências electromagnéticas, incluindo elevadíssimos níveis de DC na saída do amplificador. Os outros já são mais polémicos, embora facilmente mesuráveis, logo objectivos (?) e referem-se aos elevados níveis de realimentação negativa (que os fabricantes defendem), à variação da impedância de saída com a frequência (que os fabricantes negam), às desvantagens (vantagens no entender dos fabricantes) do elevado factor de amortecimento sobretudo nas baixas frequências.
Enfim, o rol é extenso, e a mim parece-me que Colloms (que eu conheço pessoalmente e admiro pela sua competência técnica e vasta experiência como crítico) se comporta aqui como um inspector da ASAE, ao apontar os perigos para a saúde dos enchidos e queijos artesanais, que nós depois comemos à mesa com prazer, acompanhados por um tinto do barril, fabricado com uvas esmagadas pelos pés (espero que lavados, mas para o efeito também não teria importância nenhuma).
Chapter Précis, amplificador integrado de Classe D c/ controlo remoto
É verdade que os Chapter não foram incluídos no grupo em análise e utilizam uma tecnologia própria (?), mas no fundo são apenas mais uma variante da Classe D, já abundantemente explicada no Hificlube. No que diz respeito a RFI, por exemplo, o Précis parece bem mais 'blindado' que qualquer dos outros citados, nomeadamente os BelCanto, Flying Mole e, em especial, os Nuforce (a versão SE foi melhorada neste aspecto) que interferem com a recepção FM do meu Tivoli.
Por outro lado, tem um comportamento curioso: se a estação de rádio estiver bem sintonizada e com sinal forte, a interferência é mínima, mas nas frequências intermédias não ocupadas, quando colocado muito próximo do Précis, é possível ouvir no Tivoli o sinal áudio do amplificador e reconhecer até a música! Ou seja: nada nem ninguém parece escapar ao seu destino genético...
Portanto, se você é daqueles que manda analisar a comida ao miscroscópio antes de a comer por causa das bactérias, e passa a vida a pensar no colesterol, a ponto de nada lhe saber bem, porque fica com sentimentos de culpa logo à primeira garfada, o melhor é passar à frente, pois o amplificador integrado Chapter Précis utiliza tecnologia de amplificação de Classe D, a tal que, segundo o evangelho de Colloms, devia ser banida do mundo do áudio porque, e cito, sendo uma inovação tecnológica, paradoxalmente faz recuar a tecnologia de amplificação até à idade da pedra do som.
Defeitos e virtudes da Classe D
Em termos acústicos, as principais queixas sobre o desempenho da Classe D referem-se à bidimensionalidade da imagem estéreo (flat as a pancake, é uma expressão muito utilizada), à falta de ritmo e consonância harmónica do grave e anorexia do agudo, que soa mais como uma manifestação eléctrica de ruído branco associada aonoise shapingque a algo de vagamente relacionado com música.
As virtudes mais óbvias para um leigo são o poder e controlo do grave, o enfoque e definição dos sons no primeiro plano e a abundância de detalhes e outras minudências sonoras. A inteligibilidade e dicção perfeita das vozes, masculinas e femininas, por exemplo, torna-os indispensáveis para quem quer aprender línguas ou deseja finalmente saber o que Bob Dylan diz aos 2 m e 30 s da faixa tal do disco tal. O agudo, de facto, pode variar entre uma sensação subjectiva que, segundo os critérios, vai do doce ao abafado na última oitava (devido à filtragem agressiva) com algumas manifestações de mau génio (estridência?) talvez relacionadas com a má qualidade das gravações.
A agenda secreta da CIA
Mesmo sabendo, e tendo experimentado isto tudo, o que por si só bastaria para sugestionar uma pessoa menos avisada, o Précis soou-me limpo e escorreito, embora admita que (tal como todos os outros antes dele) precisa do têmpero de algumas ervas aromáticas para disfarçar o mau gosto da RFI, nomeadamente cabos de corrente Siltech e, sobretudo, do filtro de corrente Isotek Titan.
De notar que o Précis, ao contrário do seu progenitor, o amplificador Couplet, utiliza uma fonte de alimentação linear, com um transformador toroidal de 800 VA, e não a habitual fonte comutada, que Colloms considera uma aberração audiófila, e cito:
'Generally these are designed for supplying dc and are demonstrably imperfect faced with near audio bandwidth loading at a wide dynamic range'.
Assim, pesa tanto como um integrado 'normal', e,hélas, até 'ronrona', quando directamente ligado à tomada de sector. O ruído desaparece contudo como por magia quando é o Titan a servir-lhe a corrente purificada. Mas não deixe que isso o desmotive de fazer uma experiência auditiva, pois o Précis soa bem mesmo sem cabos e filtros especiais, apenas soa melhor quando coadjuvado por estes.
Eu era capaz de apostar que o Chapter Précis utiliza uma variante da tecnologia UcD de Bruno Putzeys, implementada nos CIA, que também aposta em fontes de alimentação lineares com uma bateria de pequenos condensadores (300 000 uF de capacidade, no caso do Précis!) e, na prática, se limita a modular o sumo que vai buscar à tomada de sector - daí que a qualidade da corrente seja tão importante para a qualidade do som. Mais convencido fico quando no manual se pode ler que o Précis é imune (?) à carga a alimentar e mantém a mesma resposta de frequência independentemente da impedância. Ora este é um dos calcanhares de Aquiles da Classe D (ver lista de 'Pecados') que Putzey torneou ao colocar os sensores de comutação depois dos filtros junto dos terminais de saída.
O amplificador que veio do espaço
Se compararmos o Précis com os Nuforce (refiro-me agora ao aspecto visual), não há comparação possível, passe a redundância da contradição. Os Nuforce são um produto artesanal, os BelCanto e os Flying Mole, por esta ordem ascendente, são um avanço significativo em termos de design, mas o Précis parece saído de um filme de ficção científica, em especial aquele botão luminoso sensível ao toque que o desperta da letargia dostand-by mudando de vermelho para azul; e o óculo graduado da janela que nos permite espreitar lá para dentro das entranhas, no estilo original da Chord. Das grelhas de arrefecimento (não que façam muita falta:it runs cool, man) estamos sempre à espera de ver sair o vapor do ar condicionado, como se o Précis fosse uma laboratório espacial habitado por músicos de carne e osso.
O botão rotativo translúcido, que brilha como o coração de um ET vindo do Planeta Azul, é o centro nevrálgico de todas as operações. A luminosidade pode ser regulada ou simplesmente desligada, mas, neste último caso, seria quase uma maldade como a da criança que tira a cauda ao pirilampo: perde-se a magia. Por falar em crianças e adolescentes, eles vão ficar contentes por saber que o novo amplificador do pai tem uma entrada para iPod! Mais deliciados vão ficar se o pai os deixar brincar com o botão de'stand-by'...
Ao fim de pouco tempo, mesmo sem recurso ao manual, percebe-se como funciona o botão azul: roda-se para aumentar e avançar, pressiona-se para seleccionar e o mostrador vai-nos informando do resultado de cada acção: volume (em passos de 0,1dB ou 1dB, dependendo da velocidade de rotação); equilíbrio entre canais, regulação de ganho e selecção de fontes e Fase (Polaridade do sinal de saída). Aqui chegado, permitam-me divagar um pouco.
Fase absoluta: mito ou realidade?
A fase absoluta é um tema recorrente e polémico da cultura audiófila dos anos oitenta, lançado à colação, como tantos outros, pelo não menos polémico Harry Pearson. Não deve ser confundido com 'em fase' e 'fora-de-fase', algo que é imediatamente audível. Num dos primeiros Audioshows, realizado na Escola Superior de Educação, as Martin Logan Monolith tocaram um dia inteiro ligadas fora-de-fase, e toda a gente gostou! Quando finalmente eu chamei a atenção para o facto e as ligações foram corrigidas, houve ainda quem achasse por absurdo que se tinha perdido algum...ar e, pasme-se!...ambiência...
Ora, já a fase absoluta é algo de audição bem mais subtil, ao ponto de ser considerada uma mistificação por outra luminária audiófila igualmente polémica: Ivor Tiefenbrun.
Para simplificar, em termos fáceis de entender por qualquer iniciado, digamos que, quando um sistema está ligado fora-de-fase, isto é, com a polaridade das ligações de um dos canais (apenas um) invertidas em relação ao outro, na presença de um sinal positivo, os altifalantes de uma das colunas avançam enquanto os da outra recuam (visível a olho nu na unidade de graves em resposta à pancada do pedal de umkick drum, por exemplo).
Em estéreo, o efeito acústico mais evidente é o de perda de enfoque ao centro (o solista surge 'espalhado' por todo o palco sonoro como um ectoplasma) e de óbvia ausência de graves. O diagnóstico mais fácil faz-se com um sinal mono: o som tende a desaparecer por completo (ou quase) porque o canal esquerdo e direito se cancelam mutuamente. Corrige-se o problema invertendo as ligações positivo/negativo de uma - e só uma, neste caso - das colunas num sistema estéreo.
No binómio fase relativa/absoluta, ambas as colunas estão, contudo, correctamente ligadas, logo não há cancelamento em mono, e em estéreo os respectivos altifalantes avançam ou recuam simultaneamente quando excitados pelo mesmo sinal. O problema é que por vezes avançam quando deviam recuar e vice-versa, dependendo da fase/polaridade do sinal original, como na tal resposta ao pedal do baterista, que tem muito mais impacte quando todos os altifalantes avançam em simultâneo.
Ora isso depende sobretudo dos discos (há até casos em que diferentes instrumentos foram gravados ou registados posteriormente na mistura de estúdio numa mesma faixa com polaridades diferentes); e do facto de haver fontes e amplificadores que invertem também o sinal à saída.
Para já não falar de colunas cujo filtro divisor inverte a polaridade dos médios em relação aos graves e agudos (as Wilson e as Sonus Faber, por exemplo) ou destes em relação aos graves (dezenas de outras marcas), num compromisso assumido na busca da linearidade de resposta em frequência em detrimento da resposta impulsiva. A Thiel e Vandersteen optam sempre pela optimização da resposta ao impulso. Tal como, aliás, todas as colunas de altifalante/diafragma/transdutor único - estou a lembrar-me das Quad que são as únicas no mundo alegadamente capazes de reproduzir uma onda quadrada de 10kHz que, recuperada por um microfone, e reproduzida num osciloscópio se assemelha à original. Mas para o caso vertente, isto não passa de um parêntesis.
Seja como for há quem diga que não é possível ouvir a diferença entre fase relativa/absoluta. Contudo, se o leitor-CD ou prévio (ou integrado como o Précis) nos permitir inverter a polaridade, sem a chatice de ter de trocar as ligações positivo/negativo (atenção: de ambas as colunas, neste caso), não custa nada experimentar. Com certos discos a diferença é deveras surpreendente e bastante para calar as vozes dissonantes dos que não têm fé. De tal forma que fazer comparações A/B entre dois conversores digitais de igual calibre, sendo um deles a minha referência residente - o Chord DAC64 -, sem ter em conta que este inverte o sinal na saída, pode fazer cair a nossa preferência para um ou outro lado dependendo sobretudo dos discos ou faixas utilizadas.
Para quem não tem equipamento que permita a inversão e quer perceber'what the fuss is all about', há discos-teste com o mesmíssimo registo musical, a voz de Eileen Farrell, editada sequencialmente em mono e depois em estéreo: em fase, fora-de-fase, fase relativa e absoluta só para tirar teimas. Se não conseguir ouvir as diferenças, dedique-se antes ao aeromodelismo como hóbi, pois como audiófilo você é um caso perdido...
Em desespero de causa, compre uma bifurcação RCA de qualidade, ligue-a à saída do leitor-CD com dois pares de cabos (interconnects) idênticos, sendo que num dos pares inverteu (em ambos os cabos mas apenas numa das pontas as ligações positivo (condutor)/negativo (malha) na ficha RCA (precisa de ferro de soldar), ligue depois ambos os pares de cabos (o normal e o invertido, salvo seja) a entradas diferentes do prévio/amplificador, que pode assim seleccionar no controlo remoto sem ter de interromper a audição. (Nota: para facilitar utilize interconnects com condutores entrançados sem malha de blindagem). Oiça a mesma faixa sucessivamente nas entradas A e B. Tome nota da que gostar mais, tendo em conta que há discos nos quais cada faixa soa melhor com uma polaridades diferente!... Ufa!...
Tudo isto para chamar a atenção da importância do inversor de fase (polaridade é tecnicamente mais correcto) que o Précis oferece e, por que não, aproveitar para dizer também que, tratando-se de uma comparação que resulta melhor quando estamos nasweet spot, não tem lógica que, por uma questão de comodidade e facilidade de comparação, o Précis não tenha esta função duplicada no controlo remoto. Pronto, já disse: o controlo é de metal sólido e todo estiloso mas devia ter um botão de'phase'.
A prova do pudim
Posto isto, vamos provar o pudim, que a avaliar pela leitura da 'receita' de Martin Colloms só pode ser amargo. Em verdade vos digo que o Précis é de comer e chorar por mais...
O Précis pode ser utilizado como integrado (pré+amp) e apenas como Pré ou Amp separados. No modo Amp, o controlo de volume continua activo, pelo que se quer mesmo desactivá-lo a solução é optar pelo modo AV bypass, circunstância feliz em que pude utilizá-lo com o meu prévio McIntosh C2200, depois de concluir que, ao contrário do que diziam as más línguas, ele merecia ser integrado no meu sistema de referência ao lado de Krells e afins. Agora o que não deve fazer é optar pelo modo Av bypass e ligá-lo directamente ao leitor-CD, pois arrisca-se a ficar com os altifalantes no colo, embora numa primeira fase eu tenha optado por acolitá-lo com um velho leitor-CD Marantz 64KI com saída variável.
De Mariah Carey a Mozart e Rachmaninov and everything else in between
As primeiras audições decorreram sem objectivos de análise com o Précis a puxar sem dificuldade por um par de Sonus Faber Concertino (originais). Ouvi de tudo um pouco, incluindo, não o nego, Mariah Carey, cujos trejeitos e sussurros ofegantes mtvianos eu abomino, mas que se rodeia de bons músicos e produtores e tem uma variedade desconcertante de ritmos e percussões acústicas e digitais.
O Précis comete a proeza de separar, com precisão clínica, a voz da roliça Mariah do excipiente acústico que a rodeia, que varia entre o estranho negrume do zero digital e uma multiplicidade de padrões de reverberação electrónica, qual deles o mais artificial, o que só por si é demonstrativo de uma elevada resolução subjectiva (a resolução efectiva é outra coisa diferente, pois é condicionada na Classe D pela velocidade de comutação), o Précis oferece-nos um verdadeiro compêndio de reprodução de graves, tal como, aliás, todos os seus congéneres.
A Classe D tem uma forma única de recortar e projectar os sons graves, sobretudo a percussão, com uma tensão e impacte que envergonha amplificadores mais potentes das Classes A/B. Há até quem diga que só deviam ser utilizados como amplificadores dedicados para subwoofers. De facto, o principal problema da Classe D é manter o carácter 'de cima a baixo', pois perdem qualidade à medida que se sobe no espectro sonoro.
O Précis é de todos os amplificadores de Classe D que ouvi (e de uma maneira geral gostei de todos) o menos brusco e o mais coerente 'de cima a baixo', mantendo-se homogéneo até quase à última oitava do agudo, lá onde a níveis elevados a distorção costuma fazer das suas.
Não, não tem aquele brilho acetinado das válvulas no olhar, mas os registos médios quase chegaram a enganar-me não fora a perspectiva algo 'laid-back' que é em parte responsável pela aparente cremosidade valvular. E não me enganaram só a mim. Li duas ou três críticas de tal forma encomiásticas que colocam o Précis no Olimpo dos amplificadores (abrir pdf no topo da página ou clicar aqui.
Tendo-as lido antecipadamente, torci o nariz, desconfiado; tendo-o ouvido posteriormente, torci a orelha, convencido. E só não alinho pelo diapasão do Krell-killer, porque entretanto aterraram no meu estúdio um par de Krell Evolution 400, e não foi preciso muito tempo para concluir que estão num patamar acústico à parte. Como estarão os Chord, do mesmo distribuidor do Précis, a TopAudio.
Embora poderoso, recortado e definido, o grave do Précis não tem, passe a aparente redundância, a gravitas, a autoridade, a textura orgânica do grave dos Krells, que os tornaram lendários. Notável só por si é o facto de eu ousar comparar amplificadores com conceitos, tecnologias, peso, tamanho, preço e consumo de energia tão opostos. A comparação é injusta, admito: os Krell custam tanto como um BMW novinho em folha. E contudo, a superioridade do Krell só é imediatamente óbvia quando o ouvimos depois do Précis; e já não tanto o inverso (pelo menos para as minhas visitas leigas na matéria), o que diz muito da forma como a Classe D, que Colloms considera filha de um deus menor, pode enganar se não todos durante todo o tempo pelo menos alguns durante algum tempo.
Extraordinário mimetismo acústico
A verdade é que o Précis soa grande quando tem de soar grande e se adapta depois mimeticamente aos ambientes mais intimistas:
Oiça-se a título de exemplo o Adantino do Concerto nº9, 'Jeunehomme', para piano e orquestra de Mozart. O lamento inicial é repetido na parte final em imitação pelo piano e o 1º violino. O trilo de conclusão morre lentamente no silêncio intersticial como se a orquestra guardasse respeito antes de se decidir a acompanhar o solista no seu sofrimento pungente e contido. Cada instrumento (além do piano, 2 violinos, viola, 2 oboés, 2 trompas, violoncelo e baixo) tem o seu espaço próprio sem atropelos e confusões tímbricas. Não vi sinceramente, ou melhor, não ouvi aqui nenhum dos 18 pecados mortais. Será que o Précis foi baptizado à nascença?
Outro concerto para piano e orquestra, o nº 2 de Rachmaninov. No final do Maestoso, o solista martela no piano com apaixonado frenesim um cascata de acordes que se sobrepôem à orquestra que recupera o tema inicial. Esta sobreposição não abafa um único som da orquestra em fundo, contrariando a afirmação de Colloms de que onoise shapingvaria com o nível e produz profundas alterações tímbricas. Sinceramente não notei nada de anormal para além do facto de o Précis não ter a mesma capacidade de projecção sonora de um Krell. Seria lícito esperar outra coisa?
Mesmo a níveis muito baixos de volume é ainda assim possível distinguir a minúcia de cada fio do delicados têxteis acústicos com a perturbante perseverança da cerzideira curvada sobre a chaga aberta no tecido musical, tentando corrigir os erros cometidos pelos músicos e engenheiros.
Do mesmo modo que desmascara sem rebuço a prata e o cobre dos cabos, a presença uni ou multifilar da rede vascular interna que transporta os sons sob a capa arterial de dieléctricos sofisticados, no jogo de gato e rato entre a limpeza da definição e o calor da emoção que tem apaixonado gerações de audiófilos. É este despudor, este descaramento quase juvenil, que nos desarma na audição do Précis: não estamos habituados a tanta franqueza. Nós, humanos, temos uma certa capacidade - que não é inata, é sociocultural - para lidar com a hipocrisia, que muitas vezes confundimos com empatia, leia-se, eufonia, daí a nossa paixão - a minha ao menos - pela 'sweet deceitfulness of tubes'. Mas quando alguém nos diz na cara o que tem a dizer, ressentimo-nos.
Vi uma vez um episódio de Ally McBeal no qual a protagonista decide dizer, não o que é socialmente correcto dizer-se em certas ocasiões, mas aquilo que realmente pensa das pessoas. Acabou por se incompatibilizar com todos os amigos e conhecidos, até cair em si quando a secretária lhe disse o que realmente pensava dela também.
O Précis não me incompatibilizou com os meus discos. Pelo contrário, ajudou-me a conhecê-los melhor, mesmo quando aqui e ali não gostei do que ouvi. A mentira piedosa pode confortar, mas a verdade liberta. Utilizado na sua integridade indivisível, afinal estamos a falar de um 'integrado', o Précis é mais 'cínico', leia-se, 'socialmente correcto', e menos 'clínico', aproximando-se da natureza valvular, mas é óbvio que não estamos perante a'real stuff'(ainda que imite bem). Assim, preferi sempre optar pela poderosa lupa do andar de amplificação, no modo AV bypass, deixando ao McIntosh C2200 a tarefa de lhe servir a papinha já feita para lhe apaziguar o desejo de franqueza, como o mocho de olhos luminosos alimenta no escuro os filhotes famintos no ninho.
Apesar de ter uma energia inesgotável e um 'pano de fundo' de silêncio negro de breu, o Précis sofre como todos os amplificadores de Classe D de distorção harmónica a níveis de volume elevados, que se manifesta como uma vaga sensação de dureza nos registos médios, difícil de explicar, porque paradoxalmente não é desagradável ao ouvido sendo de 2ª harmónica; e uma também indefinível compressão no agudo: há nos pratos uma vaga sensação de ausência de harmónicos nodecayfinal.
Apesar de o Précis se ter revelado valente e cheio de brio face à adversidade (arroga-se um poder de 130W que dobra sobre 4 ómios), não se perde nada em acolitá-lo com colunas sensíveis de impedância benigna para o manter sempre em velocidade de cruzeiro sem ter de dar o litro. No meu caso, usei e abusei das Monitor Audio Platinum 300.
O corrector temporal da Gaborlink (de notar a bifurcação que permite comparar instantaneamente o 'antes e o depois', que também pode ser utilizado na comparação A/B entre fase absoluta e relativa)
O mais curioso é que o Précis denunciou de imediato o excessivo ênfase do altifalante de médios nos registos médio-altos, que se estende num patamar que vai dos 2kHz até aos 6kHz (algo de que eu não tinha sequer suspeitado nas primeiras audições fora de casa, talvez porque este par era virgem) e tive de utilizar a contragosto um corte de 2dB nos agudos com os controlos de tonalidade do MC2200, além da magia negra do Gaborlink (correcção temporal do médio e agudo, cujo mistério irei desvendar num dos próximos capítulos) para obter uma resposta mais consentânea com um som natural, ou pelo menos aquilo que eu reputo ser um som natural. Mas atenção utilizei o mesmo setup tanto com os Evolution 400 como com o Prima Luna Dialogue Two, pelo que a comparação com as outras referências se mantém válida.
Finalmente, a queixa recorrente de que os amplificadores de Classe D não reproduzem uma boa imagem estereofónica em termos de espaço, volumetria e, sobretudo, profundidade. As PL300 são exímias neste departamento, com uma imagem particularmente sólida e estável graças à excelente dispersão horizontal do tweeter de fita. E o Précis não parece ter contribuído em nada para afectar este aspecto da performance das PL300. Além de ter reforçado ainda mais a minha impressão inicial de rapidez na resposta a transitórios.
O Précis em...eh... síntese
Os amplificadores de Classe D são todos iguais, e eu gostei igualmente de todos, embora não tanto que ficasse tentado a abandonar a Classe A e as válvulas, apesar dos inconvenientes do preço, do peso e do gasto de energia. Mas alguns, como é o caso do Précis, são mais iguais que os outros e justificam uma recomendação especial.
O Précis é, como o nome indica, um resumo da matéria já dada pela Chapter com o amplificador Couplet e o prévio Preface Plus, aqui juntos num opúsculo precioso, sem que se tenha perdido uma sílaba musical. Uma audição absolutamente indispensável vis a vis a concorrência de Classe D: Nuforce, Flying Mole, CIA e BelCanto.
Distribuidor: TOPAUDIO