O SACD NA ERA DO BLU-RAY
A questão que se coloca é: para que serve o SACD com o advento do Blu-ray? Serve para pouco ou nada. A não ser para aqueles que, como eu, acreditaram – e continuam a acreditar – que, quando bem reproduzido, cumpre as promessas falhadas do CD, sobretudo se o registo original for também DSD.
A superioridade do DSD sobre o PCM já era evidente para todos os presentes na demonstração a que assisti em S.Francisco, em 1996, então ainda com recurso a uma enorme parafernália de computadores. Anos mais tarde, com o produto final – o SACD – a distância para o CD já não era assim tão evidente e dependia muito da qualidade do registo original. Apesar disso, como já tive oportunidade de comprovar muitas vezes, um bom SACD é, de uma maneira geral – o que não significa sempre – superior a um bom CD. Acontece que certos leitores CD/SACD “puxam” – literalmente – algumas das potencialidades de ambos os formatos para um patamar tão elevado que a opção por um deles quase deixa de fazer sentido. É o caso do EMM Labs CDSA SE, Esoteric X-05 e Krell Evolution 505.
TRIÂNGULO AMOROSO
Quis o destino que os três se tivessem encontrado na minha sala de audição: o primeiro sob escrutínio prévio, ditado pela calendário apertado da simpática cedência temporária da Audioelite, o segundo já testado aqui e o terceiro como referência absoluta, em especial quando ligado ao prévio Krell Evolution 202, e este ao amplificador estéreo Krell Evolution 302, com recurso à última geração da tecnologia CAST: o som ganha uma fluidez mansa e relaxante sem a aparente perda de harmónicos, ataque e ritmo das versões CAST anteriores, que me levavam invariavelmente a optar no final pelas ligações balanceadas, que logo restabeleciam a dinâmica e a cor à música.
Tanto assim, aliás, que resolvi eliminar esta variável da equação substituindo, neste entremez, a amplificação Krell por um integrado Pass 150i (teste em feliz evolução) para dar as mesmas oportunidades a todas as forças em presença. O ciúme destrói a paixão...
Convém frisar que não se trata de um teste comparativo, algo cuja complexidade implicaria, por uma questão de respeito pelas marcas, audições mais prolongadas de acordo com um programa fixo e bem sistematizado. Digamos que foi um “test-drive” de adaptação, uma primeira audição caseira, sempre falível, de electrónica EMM, com a qual me encontro amiúde nas minhas deambulações internacionais, na presença de concorrentes do mesmo nível.
EMM LABS CDSA SE 2008
Há quem diga que a verdadeira audição deve ser cega, ou melhor, às cegas, isto é, sem que o ouvinte saiba qual o aparelho que está a ouvir, circunstância em que todas as “diferenças” se esbatem como por milagre. Que me perdoem os “ceguinhos” mas eu, felizmente, tenho olhos e gosto de ver o que estou a comer. E escrevo de olhos bem abertos com base na minha longa experiência. Os leitores podem comer e calar, ou reclamar da validade da minha opinião, o que não podem é menosprezar a minha experiência, fruto de 30 anos de dedicação à causa.
Por outro lado, na aldeia global, já não é possível realizar a experiência primordial da audição pura e ingénua: ouvir e ver sem saber o quê. Ignorance is bliss. E que sei eu sobre o CDSA SE 2008? Everything but the girl, incluindo o preço de €11 500! No site da EMM Labs estão disponíveis todas as “reviews” para que os leitores fiquem em pé de igualdade comigo quando tiverem oportunidade de o ouvir também.
Saber demais faz subir as expectativas para níveis insuportáveis: a primeira impressão do CDSA desiludiu-me um pouco. Sólido mas artesanal, acabamentos sofríveis, ergonomia assim-assim, mostrador pouco apelativo e lento, quase primitivo no funcionamento (por opção do projectista, diga-se, para quem os modernos circuitos lógicos degradam a qualidade do som); e a gaveta não é propriamente o actual estado da arte em engenharia mecânica. Em especial, quando, logo ao lado, estava o Esoteric X-05, cuja gaveta abre com a cínica precisão de um samurai a retirar lentamente a espada da bainha antes do golpe fatal.
Apesar de industrial no aspecto, até o Krell, que passou do conceito original de infantaria militar para o actual look de marine sofisticado, tem um toque mais agradável e personalizado.
Enfim, os profissionais dos estúdios de gravação, como Ed Meitner, ligam mais à essência que ao acessório. Forget the marketing shit, just give me the music, please...
UMA GAVETA CHEIA DE MÚSICA
Para Meitner não é a gaveta que conta é o que ele guarda lá dentro. Abramo-la, para satisfazer a nossa curiosidade, quase infantil, a minha e a vossa, pois é aqui que o EMM se começa a afastar dos seus congéneres. Onde nestes há um cocktail de “chips”, no EMM há componentes discretos, incluindo os circuitos de conversão! Nada de “chips” Burr Brown, Crystal, etc., como o resto do rebanho digital. Caramba, é obra de engenho e paciência, mais ainda se considerarmos que os circuitos são independentes e funcionam em modo diferencial!
Nos primórdios do CD, lembro-me que só a Accuphase utilizava conversores discretos a preços também nada discretos. Não admira que com uma produção baixa os custos disparem. É o preço a pagar pela relojoaria manual.
Ora, a grande força do CDSA é também a sua fraqueza. Os circuitos discretos são mais sensíveis à temperatura e à vibração: é fundamental isolá-lo com uma boa plataforma (os pés não são suficientemente eficazes) e deixá-lo ligado até atingir a temperatura ideal de funcionamento.
Por outro lado, o CDSA é o leitor com mais elevada velocidade de ponta do mercado: 5.6448MHz! O dobro da utilizada na conversão DSD. Isto tanto com SACD como com CD. E faz o mesmo aos MP3s...
A tecnologia de processamento patenteada e designada por MDAT, Meitner Digital Audio Translator, está assim descrita na página da EMM Labs:
Pop a CD into the CDSA SE, in other words, and the player takes the 44.1kHz signal and upsamples it to 5.6448MHz. Making CDs, not surprisingly, sound remarkably like SACDs. This seemingly impossible task is made possible by our unique Meitner Digital Audio Translator (MDAT) signal processing technology.
MDAT is unlike anything the industry has seen, or heard, before. Here’s why: Rather than address the digital signal as a series of sine waves—as is standard convention—the MDAT-equipped CDSA SE processes (and upsamples CD audio to DSD for conversion to analog) by dynamically adapting to the transient nature of the musical signal. In this way, the CDSA SE is utterly unique and singularly able to preserve the phase, frequency and dynamic integrity of the original signal. Once you’ve heard this level of improvement in terms of resolution, nuance and dynamic shading, there’s no going back.
Esta particularidade única no mundo (a exclusividade paga-se), se tem vantagens evidentes na audição, torna-o mais vulnerável também a interferências electromagnéticas. É fundamental a utilização de um bom cabo de corrente (vinha acompanhado por um cabo especial Kimber). Eu optei por manter o Siltech, que já estava ligado. Se possível, um bom filtro, como o Isotek Titan, faz maravilhas. Só descobri isso depois do primeiro beijo, hélas.
De facto, mal balbulciou as primeiras palavras digitais, o CDSA deixou-me algo perplexo. Acreditem que eu desejo ardentemente que cada aparelho que testo seja melhor que o anterior, não por ser adepto do conceito flavour of the month, mas porque cada avanço, ainda que ténue, é mais um passo no caminho para a perfeição. Talvez a leitura das críticas ultraelogiosas dos meus distintos colegas a este modelo tivesse elevado demasiado a fasquia das minhas expectativas. Mas não entendam isto como uma crítica negativa.
TRANSPARÊNCIA EXCEPCIONAL
A excepcional transparência é inegável e imediatamente óbvia. There is no denying the highend status of this baby. Há também uma clara sensação de leveza, de ritmo, de riqueza harmónica e informação detalhada, sobre toda a acção que se desenrola no palco, que, de tão pormenorizada, se torna quase obsessiva. Mas faltava-me a densidade, o peso específico dos sons, a que o Krell me habituou. Há quem chame neutra à ausência de corpo. Mas a mim soava-me demasiado etéreo, leve, quase frívolo. Isto tanto em relação aos sons individuais como ao colectivo musical que se desenhava no palco a traço preciso mas fino: amplo e algo distante com SACD, mais presente e próximo com CD.
De personalidades distintas, tanto o Esoteric X-05 como Krell Evo 505, ofereciam-me factos e perspectivas mais...eh...palpáveis: o “corpus” sonoro parecia ter mais matéria sem aparente perda de transparência do excipiente atmosférico.
Contactei o Jorge Gaspar que, com a convicção própria de quem acredita nos produtos que vende, desdramatizou logo a situação: deixa-o ligado uns dias, depois falamos! E não é que o promissor botão de rosa desabrochou em mil pétalas perfumadas...
Já me aconteceu muitas vezes preferir no dia seguinte o guisado da véspera que o tempo deixou apurar: o molho fica mais espesso e sápio e, contudo, é mais fácil discernir o sabor característico de cada ingrediente e o efeito das diferentes especiarias no exercício culinário. Assim é com o EMM Labs CDSA SE: deixem apurar o som antes de o provar...
CD MELHOR QUE SACD?
Curiosamente, preferi ouvi-lo com o nível de saída no mínimo, com cabos não-balanceados e...oh, heresia... com CDs, o que até é uma boa notícia para quem tem uma grande colecção e não apostou no SACD: o conteúdo individual dos CDs soou-me mais sólido, eu diria mesmo, mais “poliédrico”, tridimensional, ainda que sujeito aos limites de um espaço mais exíguo, com menos “tecto” atmosférico. Em consequência, com CD há uma maior sensação de proximidade, de presença, de contacto íntimo com os habitantes privilegiados que moram no centro do palco: solistas vocais e instrumentais dão mais nas vistas. Let’s get physical with CD as opposed to emotional with SACD? Not really…they both sound great.
Claro que isto não é um teste, é uma audição prévia e, como tal, sujeita a emendas, correcções e desmentidos. Mas fiquei com a impressão que os SACD contêm tanta informação que para poder mantê-la toda definida, separada, inteligível, lúcida, limpa, pura, o CDSA reduz um pouco o tamanho de cada ítem ao mesmo tempo que alarga as dimensões do palco para assim albergar as grandes massas orquestrais sem a promiscuidade típica dos leitor-CD vulgares. E sabe-se como a promiscuidade rouba a inocência ao amor...
QUANTOS METROS QUADRADOS TEM UM PALCO?
Ao fazer recuar também ligeiramente a linha da frente, a boca do palco liberta-se das balizas impostas pelas colunas, espraiando-se depois à vontade lá atrás em largura e profundidade. As dimensões do palco sonoro são assim o resultado “visível” da elevada resolução: as deixas ambientais são tão precisas que apetece ir buscar o metro e medir a distância de parede a parede...
Este EMM, além de ser uma obra prima da tecnologia de conversão digital, é-o também da arquitectura sonora e da arte de reproduzir a imensidão das paisagens sinfónicas. A alma de Sibelius caminhando na tundra a perder de vista, num luminoso dia de Primavera, em cogitações filosóficas sobre a imortalidade da arte, é a primeira imagem que me ocorre. Ou Bob Dylan de guitarra às costas, numa estrada ondulante ao pôr-do-sol...Leonard Cohen? E por que não Alicia Keys ou Mozart? Em CD ou SACD, com o EMM Labs CDSA SE, o que vier à rede é...música.
Fabricante: Emm Labs
Distribuidor:
AUDIOELITE-Consultadoria de audio Unipessoal Lda.
Rua Jorge Afonso, 15 R/c Esq.
1600-125 Lisboa.
Portugal.
Tel: +351 217 951 501 /// Fax: +351 217 951 499