Casal alemão que se preza leva os filhos para os 'show'. E, na falta deles, vai o cãozinho. Houve uma coisa que me deixou suspenso: e se alçam da pata e...
À chegada, os visitantes eram brindados por um Quinteto de metais que, tocando peças clássicas curtas os deixavam logo de sobreaviso: não há nenhum sistema de som, independentemente do tamanho, preço e concepção técnica que consiga reproduzir isto.
E, já agora, que tenha a potência real do Fischer Fazioli, o maior piano de concerto do mundo (“Der grösster Konzertflugel der Welt”) utilizado por Gegerly Boganyi para tocar Nocturnos de Chopin.
Portanto, tudo o que se ouve na reprodução hifi não passa de fac-similes, uns mais próximos da realidade, outros menos. A partir do momento em que aceitamos esta limitação, incontestável mesmo pelos padrões do mais empedernido audiófilo, ficamos à vontade para isolar do todo os aspectos que reputamos serem os mais importantes no conjunto de compromissos que constituem o nosso edifício acústico mental, e sobre o qual construímos ao longo dos anos um mundo virtual de perfeição sonora.
DO BRASIL EM BUSCA DO GRAAL
Yuri e Maurício (o nome do meu avô) vieram do Brasil com uma missão: ouvir para crer. Yuri confessou-se meu leitor fiel desde os tempos da Imasom. Conheceu-me pelas fotos e o nome na lapela.
“Tenho-o admirado em silêncio, sem nunca ter tido a coragem de lhe enviar um email. Sigo os seus ensinamentos e tento transmiti-los aos meus amigos. Vim de propósito do Brasil com o Maurício porque ele quer comprar um sistema com alma. Até agora o Maurício só ouviu no Brasil umas colunas com alma: as Sonus Faber Elipsa. E ainda não ouvimos nada aqui com alma igual...”.
Yuri Sanches e Maurício Mazzoni são ambos engenheiros. Se outra recompensa não tivesse tido nos anos que passei em busca do Graal Sónico, esta de ter inspirado dois irmãos do Brasil a procurar a alma da electrónica na terra do racionalismo seria recompensa bastante...
MAXHORN, X-TREME, MEGALINE E OLIMPO: A MAGALOMANIA NO ÁUDIO
O Highend Show é talvez o único show audiófilo do mundo onde ainda é possível ver e ouvir sob o mesmo tecto (em Las Vegas a dispersão das exibições atinge já proporções alarmantes) alguns dos sistemas mais famosos do mundo (e também os mais estranhos: lá iremos), além de novidades absolutas, o que o torna um acontecimento áudio incontornável e imperdível.
Curiosamente, se considerarmos que a “potência” da música ao vivo é de tal ordem que só amplificação de muitos kilowatts pode ter a veleidade de a tentar reproduzir, não foram as exibições de força e elevada pressão sonora que mais me agradaram este ano.
É verdade que estavam lá as extraordinárias Avantgarde Trio+MaxHorn a soprar decibéis de encher o olho, numa sala-montra mais adequada para exibir do que para ouvir o “monstro”. Salvaguardadas as respectivas distâncias (e o processamento cerebral selectivo é fundamental nestas situações), eu preferi ouvir as Nano colocadas em apertos no Audioshow de Lisboa. Eu sei que a comparação tem foros de escandalosa. Mas da mesma forma que a beleza está nos olhos de quem vê, também é possível procurar beleza sonora para lá daquilo que nos foi dado a ouvir naquele ambiente vermelho de fogo.
O “monstro” soou-me quase arrogante na sua exibição de força e classe, alimentado pelos amplificadores AvantGarde One. O som é grande, avassalador no sopro atmosférico da sua dinâmica incomparável. Mas deixa-nos algo desconfortáveis, inquietos na nossa insignificância face à dimensão excessiva do que nos é proposto. Sentimo-nos engolidos por esta sound machine. Será preciso ultrapassar os limites da razoabilidade para cumprir a simples função de tocar música? As Avantgarde estão vermelhas (ou estarão verdes?)...e por isso não prestam como as uvas da raposa da fábula?...
O mesmo se pode dizer das gigantes Adam Olympus, que este ano se exibiram também numa sala-montra ampla e de acústica discutível. A este nível nunca se pode ter a ousadia de dizer que o rei vai nu. É mais uma questão de empatia, de disposição natural para aceitar o que nos é servido como sendo a perfeição absoluta. Não era. Nem de perto, nem de longe. Daí eu andar há anos a escrever sobre uma quimera que todos nós procuramos desejando talvez nunca encontrar para assim manter vivo o desejo de a procurar. Aliás, bastava sair para o átrio interior e ouvir o som dos metais ressoando nas paredes agrestes de um pavilhão de feira em metal e vidro: ataque, presença, brilho, transparência absoluta mas nunca estridência ou colorações artificiais. E depois, aquele molho espesso e natural dos registos médios que nenhum sistema do mundo conseguiu até agora reproduzir...
MÚSICA AO VIVO COM SOM HIFI
Ou então é um problema de tecnologia de captação ou de transferência para suportes comerciais, porque Eugene Ruffolo, cantando ao vivo através de um PA composto por B&W 801, soou mais cheio e natural que em CD (COM algum playback à mistura) e também sem o ênfase nos registos médio-altos típico dos PA profissionais com cornetas.
Apesar da arrogância germânica (do sistema, não das pessoas que são aristocráticas mas simpáticas, ao contrário dos distribuidores da Wilson), as MBL 101 X-Treme não passam disso mesmo: um desejo extremo de alcançar o Graal.
Estavam a tocar muito melhor que nas apresentações anteriores, mas continuam a soar tão artificiais e estranhas como parecem. O que se vê é o que se ouve: um som rebuscado, de brilho dourado, poderoso e dinâmico mas algo pesado, como se as torres se arrastassem atrás da rainha no complexo xadrez do áudio, tornando o som ao mesmo tempo pesado e estridente, sem contudo ser agressivo. Se as pessoas entrassem de olhos vendados na sala, talvez tivessem uma opinião diferente à saída...
Ao comemorar o 25º Aniversário, a Dali apresentou um modelo de luxo: Helicon 400 LE. O Highend é uma espécie de parada militar do áudio: cada marca esforça-se por esmagar o adversário (literalmente, pois o som de uns infiltra-se nas salas dos outros) e leva consigo um autêntico arsenal atómico.
As MegaLine como o nome indica são “enormes”, compostas por três módulos cada, como se tivessem sido inspiradas num jogo de Lego. Tanto que, no espartilho da sala, não consegui ângulo para “apanhar” as duas colunas com um tiro só. O som era “mega”, sem dúvida, e tão diferente do que se ouvia na MBL que a experiência, por si só, é demonstrativa do tema desta crónica: no highend actual como na vida cada um com o seu - refiro-me ao som, claro...
MARTIN LOGAN E MAGNEPAN: PAINÉIS NA ERA DAS CAIXAS
Foram sobretudo os sistemas “médios”, no tamanho que não no preço, hélas, que me ofereceram as melhores audições, a partir do momento em que assumi que, não sendo possível reproduzir a realidade, a solução é concentrarmo-nos nos aspectos acústicos dessa realidade relativa que são mais importantes para nós. Daí que, a despeito dos progressos tecnológicos, a audiofilia continua a ser a mais subjectiva das actividades humanas...
Aliás, só assim se explica que as Martin Logan CLX tenham sido galardoadas com o prémio do “Melhor Som Stereo” do Highend 2008.
Embora eu seja o primeiro a admitir que estavam a tocar muito melhor no Domingo do que na Sexta-Feira (ver Parte 2: Uma americana em Munique), as CLX têm as limitações típicas das colunas electrostáticas full-range,nomeadamente na reprodução de graves. Com música clássica e até certo tipo de jazz, pop e rock, vozes sobretudo, essas limitações não são demasiado evidentes. Mas quando se metem em desnecessárias dificuldades, ousando tentar reproduzir o malfadado Stimela, de Hugh Masekela, talvez a faixa mais ouvida no Highend Show desde sempre, a ausência de visceralidade e violência humana nos brutais crescendos de percussão denuncia de imediato a fragilidade da sua natureza genética. Mas mesmo através de um microfone de brinquedo a claridade dos sons e a inteligibilidade da voz são notáveis.
Por outro lado, a claridade, transparência, delicadeza cromática e ausência total de colorações de caixa são virtudes tão cativantes a ponto de ser fácil perdoar os defeitos por omissão: se é verdade que falta à mão esquerda do pianista a telúrica actividade das oitavas inferiores, a mão direita lança no ar uma profusão de bolas de som que pairam no ar até desaparecerem na acústica da sala. E as vozes da alma pura e transparente soam leves e angelicais, porque souberam libertar-se, tal como os seres celestes de que descendem, da materialidade do corpo. Ou talvez tudo isto tenha uma explicação mais racional e menos mística: a simples ausência de caixa...
Se dúvidas houvesse sobre a variedade tímbrica, tonal, dinâmica, espacial, etc. que caracteriza o que se convencionou chamar “som audiófilo” e que negam o conceito de “absoluto acústico” aplicado à reprodução electrónica de música, bastava entrar na sala ao lado das Martin Logan onde se exibiam as Magnepan 20.1, que estavam a tocar melhor que nunca em Munique, talvez porque o distribuidor trocou os Classe D da Jeff Rowland, pelo novo integrado Continuum.
As Martin Logan e as Magnepan são ambas dipolos, isentas portanto dos malefícios das caixas e da complexidade dos sistemas convencionais de altifalantes múltiplos, embora com princípios de transdução diferentes: electrostáticas as ML, isodinâmicas as “Magna”.
À delicadeza etérea e transparente das primeiras, segue-se a “substância” tonal das segundas e a apresentação em escala maior-do-que-a-vida dos que coabitam no palco amplo em total harmonia e consonância; à claridade das ML, opõe-se a luminosidade de catedral gótica da 20.1, propícia à reflexão sobre a existência de Deus. Perde-se brilho, perde-se alacridade, alegria, velocidade, reflexos e informação; ganha-se espaço, corpo escala e paz de espírito. Que escolha o diabo!...
Satisfeito o natural desejo de começar por cima, resolvi descer na escala hierárquica e foi nos “quadros médios” que encontrei algum refrigério para justificar a viagem a Munique, a despesa e as canseiras, já que o tempo que dedico ao áudio, esse nunca o dou por perdido.
Continua no próximo episódio: À procura do prazer perdido das coisas simples do som
Nota: os leitores que preferem ler primeiro a reportagem e ver depois os vídeos podem abrir os vídeos a partir dos Artigos Relacionados em baixo.