É preciso coragem para considerar as Quad 2905 as melhores colunas sobre a Terra, quando toda a gente sabe que o “Evangelho da Quad, segundo Kessler”, o livro que conta a história da marca “ The closest aproach” (oferecido a quem compra um par de colunas) tinha sido uma encomenda do fabricante ao famoso crítico americano. Podia até haver aqui a ideia subreptícia de “favor” ao “cliente”.
Ken não é santo, mas de todos os críticos que conheço – e conheço-os quase todos, até alguns que preferia não conhecer – foi aquele que ao longo dos anos revelou ter melhor carácter. Ora, ele pode ter os seus gostos, tendências, ódios de estimação, erros de apreciação, tal como eu; mas sabe da poda, mais do que eu: tem uma vastíssima experiência e cultura audiófila e aquela forma muito especial de descrever o que ouve, com um cunho pessoal de humor irreverente, sem grandes preciosismos técnicos. Reconhece o que é bom por instinto – e tem muita piada.
O facto de apresentar as Quad 2905 como se tivesse finalmente encontrado o “Graal” soou-me, contudo, como uma piada de mau gosto (quantas vezes apodei as Quad 63 e as suas sequelas de colunas sensaboronas...) mas ao mesmo tempo como um desafio. Jurei a mim próprio que um dia daria às novas Quad 2905 a oportunidade de me provarem o que de facto valem.
Assisti como espectador privilegiado à metamorfose de FRED (Full Range Electrostatic Driver), desde o casulo em 1981 (literalmente: soavam abafadas por comparação com as delicadas mas ultratransparentes ELS 57) até à actual crisálida, com toda a beleza frágil da maravilhosa borboleta sonora, que durante anos me recusei a ver, e afinal sempre esteve lá escondida, e só se manifestou quando pude finalmente viver com elas o tempo suficiente para as conhecer em todo o seu esplendor.
Essa oportunidade surgiu agora, e agradeço publicamente a João Cancela, da Esotérico (o novo distribuidor nacional), o facto de as ter “esquecido” em minha casa tanto tempo que já quase as considerava como parte da “mobília”. Deixei arrastar o teste de forma inconsciente, como se uma voz me dissesse: quanto mais tarde publicares o teste, mais tarde se partem da tua vida...
João Cancela assumiu um risco calculado. Conhece-me bem, e sabe que eu continuo a ser acima de tudo um audiófilo, e que em nome da verdade do som seria incapaz de continuar a defender a minha posição só para não admitir que fui injusto, ou pelo menos precipitado, quando escrevi isto sobre as Quad 2905:
Perdoem-me a heresia, e acreditem que faço um esforço enorme para gostar das Quad nas suas várias versões, até porque nove de cada dez críticos dizem que são as melhores do mundo. E eu sinto-me como órfão desta família. Mas fiz múltiplas experiências como António Gedeão: ouvi-as a quente e a frio, de frente e de lado, sentado e em pé. De todas as vezes, não me deu o que é costume: um som transparente, antes um som algo deprimente. Apesar de tudo, ainda foi com os amplificadores a válvulas da Quad que soaram melhor. Tanto quanto sei, o distribuidor nacional também se está nas tintas para a crítica e os audiófilos, pelo que esta é uma angústia com que vou ter de viver, até prova em contrário...(CES 2007)
E mais isto:
Os resultados no 'Alfa' também não foram promissores: mal tinha entrado, falhou a corrente no canal direito e a uma das Quad ficou afónica. Mas João Cancela chamou-me a atenção para um pormenor não despiciendo, e eu tive de dar a mão à palmatória: a verdade é que ainda nunca as ouvi fora de ambientes ruidosos de feira. E elas precisam de mimos, silêncio e dedicação total. Além disso, são a coluna por excelência do ouvinte solitário, à guisa de auscultadores gigantes. Ficou combinado, portanto, que na primeira oportunidade vou ouvir um par em minha casa at my own leisure and pleasure. Quem sabe não vou ter de engolir dois saborosos sapos electrostáticos. Tomara, pois as Soundlab são demasiado grandes e as Martin Logan CLX (sou uma das poucas testemunhas vivas da sua existência) nunca mais surgem à luz do dia. Se as Quad 2905 provarem ser tão boas como Ken Kessler defende, serei o primeiro a dar o braço a torcer. Eu sou um hedonista, não um fundamentalista...(Audioshow 2008)
As Quad 2905 terão sido assim, porventura, o maior sapo audiófilo que já engoli em público. Não sei se são as melhores colunas de som sobre o planeta Terra, como afirma corajosamente Ken Kessler – falta-me ainda ver e ouvir muito mundo e não quero entrar por aí – só sei que até agora foram as únicas colunas que, com uma área de radiação mínima por comparação, me permitiram reproduzir na minha sala a mesma indefinível sensação de presença física e realidade musical do som das grandes Soundlab, que descrevi assim:
Nunca ouvi um som tão transparente e ao mesmo tempo tão natural, como se aqueles monstros não tivessem nada a ver com o som que se ouvia na sala. Violinos, saxofones, coros, orquestras sinfónicas, soava tudo tão inacreditavelmente real que assustava. E, apesar do tamanho das colunas, os instrumentos tinham todos a dimensão e o timbre correcto. (CES 2007)
O termo mais ouvido à saída é “spooky” (fantasmagórico) e é de facto essa a sensação auditiva. A de que todos os sons estão a ser produzidos por seres invisíveis que vivem dentro daqueles monstros negros que a qualquer momento vão aparecer. Eu sei que me estou a repetir. Mas eu também gosto de repetir os meus pratos favoritos. Além disso, para quê mudar o que já é perfeito. E será que são perfeitas as Soundlab? Bom, vamos esquecer que serão poucas as pessoas no mundo com uma sala capaz de as acomodar, além, claro, do dinheiro necessário para tal. E dessas apenas uma minoria teria coragem para as colocar lá, Só quem tem uma sala dedicada na cave onde não entra mulher (que horror!) ou crianças (que medo!), e tem amigos audiófilos fiéis e dedicados, que não vêm cá para fora dizer que ele está louco (este gajo é maluco!), é que se pode candidatar. (CES 2008)
Agora que as Quad 2905 têm na nova página do Hificlube o espaço digno que a sua inegável qualidade merece, vou finalmente publicar o teste que prometi aos leitores e a mim próprio, logo que consiga parar de as ouvir...