Sempre tive um fraquinho por colunas electrostáticas, mesmo tendo plena consciência das suas...eh... fraquezas. Talvez por uma questão de educação: ensinaram-me desde pequeno que se deve falar baixo e de forma clara e inteligível.
O princípio activo, como se diz na indústria farmacêutica, faz parte do património tecnológico da humanidade, pelo que é fácil e barato produzir “genéricos”. Abel Mendes, um grande amigo e entusiasta do áudio, construiu um dia um painel electrostático que utilizava como membrana uma simples folha de acetato pintada com spray de grafite. E tocava! Mal mas tocava: tudo o que vibra produz som...
ELS88: full range hybrid electrostatic designed by JVH
Eu próprio, com a preciosa colaboração de Ben Duncan, que me ajudou a conceber os filtros activos, construí de raiz umas “híbridas”, com um painel electrostático Schackman, uma unidade de médio-grave KEF, montada numa linha de transmissão Bailey, e um tweeter piezzoelectrico.
JVH ELS88 Signature
Na altura, eu achava que até nem tocavam nada mal. Contudo, mesmo sem ter a responsabilidade de reproduzir frequências abaixo dos 500Hz, o frágil painel Schackman deitava chispas azuis quando se puxava por ele, deixando no ar um cheiro acre a ionização e, no delicado diafragma, um buraco do tamanho de uma cabeça de alfinete. Era o chamado efeito de “arcing” provocado pelo contacto (ou demasiada proximidade) entre a membrana e os eléctrodos. As ELS63 originais tinham, pasme-se!, um sensor olfactivo (sniffer!): a ionização ocorre instantes antes do “arcing” e funcionava como sinal de alarme...
Às Quad ELS, as 57 originais, sobrava em chispa azul o que faltava em “chispa” acústica. A gama média era mágica, luminosa, leve e pura como a membrana que a reproduzia. Um amigo meu tinha um par de 57s e ainda hoje me lembro do prazer que era ouvir a voz de Emma Kirkby através daquela espécie de aquecedor eléctrico dos anos 60. Mas eu também queria ouvir outros sons e outras vozes, e não apenas anjos e eunucos.
Strip-tease
A Quad 63 foi a resposta de Peter Walker a esses anseios audiófilos. Era agora possível ouvir música “altius, fortius, citius” com a qualidade ímpar do som electrostático. Só que a magia da transparência acústica das 57 tinha desaparecido. Dizia-se que o problema residia, além dos circuitos de protecção, na roupa pesada de Inverno que vestia.
Um dia, em Paris, no hotel Nikko, já lá vão 20 anos, o distribuidor da Quad em França, um marselhês gordo e bem disposto, perante a minha impertinente insistência de que não havia nenhuma coluna electrostática que se comparasse às Apogee, afirmou em tom de cátedra que a melhor coluna de som do mundo era a Quad 63...nua!, isto é, despida do manto negro (na altura era castanho, creio) e nada diáfano que a cobria, aliada à película anti-poeiras, já que desligar a protecção eléctrica que também as castrava era demasiado arriscado. Contudo, por razões de segurança (há tensões internas muito elevadas envolvidas) e até estéticas (parecem um esqueleto industrial) o strip-teasenão é prática que se aconselhe às Quad.
Assim, na impossibilidade de albergar em minha casa um par de Soundlab, optei desde então por associar o som electrostático à oferta híbrida da Martin Logan, que resolvia de uma penada, ou melhor, em duas penadas, todas as fraquezas da raça: graves e pressão sonora à discrição e a direccionalidade compensada pela curvatura do painel. Além de que actuavam sempre nuas, não deixando nada para a imaginação. Ganhava-se em ataque, dinâmica e claridade o que se perdia em coerência e ausência de coloração: uma inefável sensação de “plastificação” e aridez tonal, presente em especial nas full-range CLS (menos nas CLX), era compensada nos modelos híbridos pela participação musculada de altifalantes dinâmicos afinados a gosto pelo dono em função da sala. Diga-se, em abono da verdade, que a coloração é mínima nos actuais painéis Xstat, e só se detecta depois de termos habituado o ouvido à exótica neutralidade das Quad.
Admito, contudo, que a tão propalada neutralidade das Quad 63, associada ao equilíbrio tonal em tons pastel, com evidente limitação da paleta de cor nos extremos de frequência, e à letargia macrodinâmica (a microdinâmica é superlativa) as tornava algo sensaboronas para o meu gosto, isto para não dizer que eram mesmo chatas e enfadonhas, por comparação com a luminosa alacridade das Martin Logan.
Sanduíche de alta tensão
Já vimos que todas as colunas electrostáticas são criadas iguais perante Deus e os homens: uma membrana plástica (Mylar) ultraleve e resistente, dez vezes mais fina que um cabelo humano, tornada parcialmente condutora por vaporização de grafite ou outra liga metálica, com uma carga estática negativa de elevada tensão, é atraída ou repelida por duas placas isoladas de metal perfurado (o factor de amortecimento é em parte regulado pelo padrão e diâmetro dos furos e a elasticidade da membrana), que funcionam aqui como eléctrodos, com cargas de polaridade oposta, quando moduladas por um sinal áudio desfasado, cuja tensão foi previamente elevada por um transformador.
As variantes: painéis múltiplos ou painel único dividido por separadores; plano ou curvilíneo; nuas ou vestidas de luto, não as tornam menos iguais por isso. Acontece que as Quad são mais iguais que as outras exactamente por serem tão diferentes.
A SENHORA DOS ANÉIS
As Quad 2905 vêm acondicionadas em enormes caixas de papelão (mereciam uma caixa de madeira) e desembalá-las exige um tecto alto e, pelo menos, duas pessoas: sempre são 41 quilos cada! A grande vantagem das 2905 em relação às irmãs 989 é a qualidade da estrutura em aço inoxidável e alumínio que, reforçada com uma barra tensora ajustável na parte de trás, lhes confere agora a estabilidade necessária para eliminar as vibrações que afligiam os modelos anteriores. Nomeadamente as 63, o que levou a que por todo o mundo, em especial nos EUA, fossem propostas várias modificações estruturais: assim nasceram as “ELS 63 US Monitor”, baseadas nas Pro oficiais, utilizadas nos estúdios da Philips, e as oficiosas “Crosby”, montadas numa moldura, tipo baffle, que limitava os cancelamentos de fase nas baixas frequências, e as elevava do chão para eliminar os reflexos secundários; além de outras propostas simples como os suportes Arcici ou mais radicais como os “subwoofers” Gradient, que, por serem dipolos, casavam bem com elas.
Além da rigidez estrutural, é também vital para a boa reprodução de graves a adição de massa. Do kit de montagem fazem parte duas pesadas placas de metal que devem ser montadas sob as bases, aumentando o peso e fazendo baixar o centro de gravidade. Colocá-las em cima das caixas onde estão alojados os transformadores e os circuitos electrónicos não resulta tão bem em termos de estabilidade mas ajuda a eliminar algumas vibrações espúrias na 'caixa das ferramentas'.
Desmaiar de amor por Van Morrison
Uma das colunas sofria de um ligeiro fru-fru em repouso, logo que ligada à corrente de sector, junto ao painel inferior (apenas audível com o ouvido encostado), que quase desapareceu quando as liguei a um filtro Isotek, e tinha também uma ligeira vibração mecânica quando o conteúdo musical tendia para as baixas frequências. Foi, aliás, o relé de protecção dessa coluna que disparou uma única vez, quando lhe servi a níveis elevados blues de inspiração celta de Van Morrison: o som estava tão bom que eu deixei-me ir na onda e fui subindo o volume...
Um simples desmaio de amor? Bastou baixar um pouco o volume para voltar à vida. Admito que o sistema de protecção desta coluna devia estar mais sensível que o da irmã gémea, que se manteve sempre impávida e serena. De resto, a qualidade geral do som tanto a solo com a duo foi excelente com todos os tipos de música, que depressa me esqueci dos fru-frus (Ah, as vozes, meu Deus!, as vozes a cappella ou em grupo, com ou sem acompanhamento musical, são absolutamente inquietantes de realismo). É mais difícil desembalá-las que colocá-las. Sendo dipolos puros, as Quad 2905 não irradiam qualquer som no plano da moldura de suporte, pelo que “ao cutelo” (ponto nulo da resposta dipolar em forma de 8) são praticamente imunes à proximidade das paredes. Já a parede de fundo atrás das colunas deve estar no mínimo a 1 metro de distância. Eu optei por 1,20 m, estando as colunas quase encostadas aos painéis RPG das paredes laterais e afastadas entre si cerca de 1,50 m. Parece pouco mas com um ligeiro toe-in a imagem resultante é fantástica: foco central sólido e estabilidade geral, com a profundidade e amplitude variando em função dos discos. Nota: demasiado toe-in pode “sentar” o ouvinte umas filas mais atrás ou dar dos solistas centrados na mistura uma perspectiva de binóculo invertido. Ao contrário de outras colunas electrostáticas, as 2905 não obrigam o ouvinte a fazer de estátua. E, embora a imagem mude de perspectiva quando nos deslocamos, continua holográfica e de grande qualidade plástica mesmo fora da sweet spot. Cometo até a heresia de confessar que, sentar-me de lado, mais próximo de uma das colunas, me deu quase tanto prazer musical como estar sentado na sweet spot! Sentia-me como um padre no confessionário: parecia mesmo que Patricia Barber estava atrás da coluna a confessar-me os seus pecados...
A lei de Murphy
Segundo a Lei de Murphy, sempre que há a mínima hipótese de algo correr mal, vai correr mal: as Quad deviam, pois, soar mal, porque contrariam os cânones audiófilos, que postulam que a qualidade do sinal áudio é tanto mais elevada quanto mais curto for o caminho a percorrer e quanto menos obstáculos existirem entre a fonte de som e o ouvinte. Ora, além dos eléctrodos de metal esburacado, do tapa-poeira, da 'burka' e do transformador de tensão, o complexo circuito dos anéis de atraso é composto por bobinas cujos enrolamentos, no conjunto, têm quase 20 quilómetros (leu bem: quilómetros!) de fio de cobre vulgar.
Perante esta autêntica prova de obstáculos, torna-se ridículo equacionar sequer a importância dos cabos de coluna. Num caminho com quilómetros de fio de cobre, que diferença podem fazer mais uns metros de cobre ou prata? Mas se eu fosse a si não punha de parte a hipótese, ainda que remota, de que os cabos têm com as Quad a mesma importância no resultado final que com qualquer outra coluna de som. Dizer-vos que experimentei cabos Siltech, Nordost e Black Sixteen, e que optei por este último tem assim apenas o valor relativo de uma experiência pessoal ainda que transmissível.
Anéis de noivado
Uma das principais vantagens das electrostáticas full range é a ausência de filtro ou crossover: todos os painéis são excitados pelo mesmo sinal (ainda que não simultaneamente, no caso das Quad), ao contrário do que sucedia com as “57” que tinham painéis dedicados para cada gama do espectro.
O que distingue, de facto, as Quad das outras colunas electrostáticas são as linhas de atraso, os anéis concêntricos que, a partir do epicentro, criam ondas de propagação sonora semelhantes às produzidas por um seixo lançado para o meio das águas calmas de um lago. A explicação técnica é complexa (e pode ser lida nos Artigos Relacionados) mas para o audiófilo, mais interessado no resultado final que no caminho para lá chegar, basta saber que o objectivo é transformar uma coluna composta por vários painéis sobrepostos numa fonte pontual perfeita, com irradiação esférica a partir de um ponto virtual situado no espaço cerca de 40 cm atrás do plano da coluna.
Aparentemente, os anéis de atraso das 2905 não se limitam a funcionar no domínio temporal, têm também efeitos no domínio da amplitude e da frequência do sinal. Ao centro, o som, além do nível mais elevado, tem mais conteúdo de médias e altas frequências do que os painéis superiores e inferiores.
Assim pergunto em tom provocador: se na presença inicial do sinal se processa um desfasamento temporal sequencial, então teoricamente a onda respectiva vai chegar à periferia (a margem na analogia do lago) microsegundos depois de o fenómeno eléctrico que lhe deu origem já ter cessado no epicentro? Será por isso que as 2905, sendo teoricamente excitadas por igual (?) em toda a superfície de irradiação, precisam de algum distanciamento (2 metros chegam) do ouvinte para integrar as diferentes “secções”? É curioso como, não tendo a coluna crossover, a própria Quad se refere no manual aos painéis centrais de... médios e agudos...
Isto deve ser tido em consideração na relação posicional coluna/ouvinte dos diferentes modelos: os painéis centrais estão mais elevados, quase ao nível da cabeça de um ouvinte sentado, e é talvez a razão pela qual as 2905, além de deslocarem mais ar e reproduzirem mais e melhor grave, têm também mais informação no agudo e mais presença nos médios que as 63/2805. Reclinar as colunas um pouco mais do que o previsto pela geometria do conjunto coluna/tensor, subindo os pés (ou spikes) frontais, reduz o efeito funesto dos reflexos no chão e faz aumentar a ilusão de altura da imagem, constituindo uma alternativa à prática de colocar as 2805 sobre bases, como era prática corrente com as 63, mas já não é tão necessário com as 2905. Isto apesar da resposta polar indicar que a dispersão, tanto vertical como horizontal, pouco varia com a posição do ouvinte.
O grave problema do baixo
O grave sempre foi o calcanhar de Aquiles das electrostáticas. A capacidade da membrana para excitar o ar é limitada, devido à reduzida amplitude do movimento, e só há duas soluções: aumentar a área multiplicando o número de painéis, como é o caso das mastodônticas Soundlab; ou utilizar altifalantes dinâmicos para reproduzir as oitavas inferiores, como a maior parte dos modelos da Martin Logan e da Acoustat (que a Esotérico também já distribuiu sem grande sucesso). No meio, lá onde, hélas, já não vive a virtude, há toda uma panóplia de propostas: da Audiostatic, que já foi distribuída em Portugal pela Ajasom, da Final (Transom), das Innersound, às chinesas King e às famosas Stax mais conhecida pelos seus auscultadores. Todas elas sofrem de limitações genéticas: o grave ou não tem quantidade ou não tem qualidade.
Ora a quantidade e qualidade dos graves reproduzidos pelas 2905 chega a ser surpreendente. Se houve sapo que me custou a engolir foi este. Soou quase como um soco no estômago, um merecido golpe baixo em quem por mais de uma vez as acusou do opróbio de terem “baixos de papelão”...
Kick drums kick ass (in a... friendly, polite way)
Com as 2905, há poder, há impacte, mesmo lá em baixo na cave da música, onde os quadistas da turma de 63 já tinham arrumados e a apanhar pó os orgãos de catedral gótica, os grandes tímbales das orquestras sinfónicas, os contrabaixos acústicos, os solos de bateria; ou seja, tudo o que na vida real reproduz sons graves e com os quais por vergonha se evitava confrontar as ELS63 na presença dos amigos. A Quad é o tipo de coluna que não gosta de ser exibida como um animal no circo. Nasceu para ser ouvida com discrição e em silêncio.
Ora o grave das Quad, incluindo as 2905, sempre me soou lento, com textura de “papelão”, nas n vezes em que as ouvi em hifishows por esse mundo fora. Talvez porque nos “shows” não há: nem tempo para as “energizar” (soam melhor ao fim de uns dias ligadas à corrente); ou espaço para as deixar respirar (precisam de campo atrás, não tanto para os lados); e muito menos há silêncio para as deixar cantar (também não são colunas de feira).
Aqui em casa, o grave soou-me controlado, informativo e coeso, com a vantagem única de ser feito da mesma “massa” do resto do espectro sonoro, sem hiatos ou descontinuidades, tanto com válvulas (Prima Luna Dialogue) como com transístores (Krell Evolution 202/302), embora o Krell lhe confira um grau de poder e profundidade que não está ao alcance do vácuo. Cheguei a ligar-lhes em complemento, por breves instantes, um par de “subwoofers” MJ Acoustics para logo os desligar: o grave das 2905 chega e sobra para as encomendas. O problema não reside na quantidade, mas na qualidade do grave, no 'carácter do grave'. E não é possível misturar água com azeite...
Munido de um sonómetro Radio Schack, medi com o disco teste da Stereophile +3dB aos 41,5Hz em relação aos 100Hz (efeito da sala) e -5dB aos 31Hz (com vibração mecânica audível de um dos painéis inferiores). Um ajuste com ¼ de rotação nos Tube traps montados nos cantos traseiros linearizou a resposta para valores aceitáveis. A partir dos 100Hz a resposta varia no máximo 3dB até aos 8kHz (limite do sonómetro). Com ruído rosa, obtive a melhor resposta subjectiva de sempre: suave sem picos ou depressões. Nunca uma coluna de som, independentemente do tipo de transdução, reproduziu com esta fluidez e integridade o som característico de cascata de água do ruído rosa. Com outras colunas, o grave parece por vezes separar-se do espectro sonoro como se fosse uma entidade autónoma. Com as Quad, oxigénio e hidrogéneo soam como um líquido fluido e homogéneo. Costuma dizer-se que sinais teste não são música, mas as Quad 2905 reproduzem música com a mesma perfeição que reproduzem ondas quadradas, ruído rosa, impulsos, varrimentos, curvas polares, you name it...
Querida encolhi as Soundlab
As Quad 2905 são pouco eficientes, e foi precisa a energia de sobra do Krell Evo 302 para lhes dar o alento que parecia faltar: por vezes soam algo lentas e tristes com certos tipos de música a pedir mais alegria e joie de vivre. Não acredite nos optimistas que, lá por a carga ser resistiva e a impedância benigna (não cai abaixo dos 4 ómios), alegam que qualquer amplificadorzeco a válvulas de 40W as pôe a tocar. Elas têm, de facto, boa boca e tocam bem com tudo, mas foi preciso um bom amplificador a transístores para revelar o que lhes ia na alma. Momentos houve em que cheguei a pensar que tinha encolhido umas Soundlab para conseguir colocar todo este augusto som na exiguidade da Rua da Betesga do meu estúdio.
Contudo, não convém exagerar muito: nem tanto ao mar nem tanto à terra. Primeiro acolitei-as com um par de Krell Evo 400 e soaram-me demasiado aperreadas. Depois utilizei apenas dois canais de um Krell KAV 1500 e achei o som um pouco estéril. Com o Prima Luna Dialogue os médios tinham um sorriso largo de felicidade harmónica mas faltava peso e autoridade no baixo. Assim, algo na linha do Evo 302 parece-me ser, de momento, o mais adequado, na falta de super amplificadores a válvulas como os AR, McIntosh, Conrad-Johson ou VTL, etc.
A potência deve ser usada com parcimónia: as 2905 têm um “volume de cruzeiro” ideal, adequado a cada tipo de música. Acima disso, sente-se primeiro um piquinho de distorção, depois a coluna defende-se limitando a potência admissível e, finalmente, desliga-se. Mas como isso aconteceu apenas com uma das colunas, e não com ambas, parto do princípio que a máxima tensão de entrada admissível (40-50V) depende da afinação dos circuitos de protecção.
Ready to rock and roll
As 2905 não se assustam nem com as grandes massas orquestrais, nem com a violência acústica do rock: a pressão sonora é, aliás, surpreendente para uma coluna electrostática. É verdade que Van Morrison (este irlandeses são uns desmancha-prazeres!, a UE que o diga...) fez disparar o relé de protecção de uma das colunas, numa passagem musical em que o som até nem estava aparentemente tão alto que justificasse uma medida tão drástica de defesa (talvez alguma informação “subliminar” de baixa frequência contida na faixa), porque ouvi as Exotic Dances, da Reference Recordings, a abrir de fio a pavio, sem que o relé lhes cortasse o pio.
E Lou Rawls e Keb Mo, os Beatles, os Supertramp, os Stones e... todos os discos a que pude deitar a mão no mais curto espaço de tempo, porque não queria acreditar no que estava a ouvir! Das vozes aos sopros, das cordas à percussão, tudo soa natural e perfeito: na cor, na textura e no corpo; e poucas colunas conseguem dar aos metais este têmpero agridoce que se experimenta ao vivo...
Anjos e demónios
A reprodução de vozes - e não só femininas, atenção! - e instrumentos acústicos é tão real, tão naturalmente dinâmica, tão humana, quer seja soprano quer seja barítono, que me pergunto se a aparente ausência de “maldade” na reprodução de certos “sons eléctricos” não é afinal apenas consequência da ausência de distorção e das colorações típicas dos PA utilizados nos concertos ao vivo, ou da pressão sonora que estamos habituados a associar a estes acontecimentos.
Este é um dos poucos aspectos em que as 2905 não substituem com vantagem o “raw power” dos altifalantes dinâmicos: falta-lhes o “killer instinct”.Mas em casa a audição de música não deve ser confundida pelos vizinhos como um acto de violência doméstica...
Falsas lentas
É um lugar comum dizer-se que as colunas electrostáticas são ultrarápidas na resposta a transitórios. O diafragma é praticamente desprovido de massa e o regresso à posição de repouso é quase instantâneo. I beg to differ: não acho que a velocidade de resposta subjectiva das Quad 2905, em especial dos graves, atinja o mesmo nível de excelência dos padrões de coerência, equilíbrio tonal e neutralidade tímbrica que as colocam numa classe à parte, e que muito terão contribuído para Ken Kessler as considerar as “melhores colunas do universo” e arredores. Nestes aspectos particulares, tendo a concordar com ele.
Entendam isto, no entanto, como um mero exercício de especulação crítica: a resposta é apesar de tudo infinitamente mais rápida que a de um cone convencional. Contudo, não experimento com as Quad o mesmo startling effect das Martin Logan CLX, nem a sensação etérea de insustentável leveza das Soundlab. Admito que esse efeito “súbito” pode não ser tão dramáticamente “assustador” na natureza, e que são as Quad que têm razão, mas perde-se algum dramatismo na audição.
The special one
O que torna afinal as Quad 2905 tão especiais, ao ponto de eu ter por várias vezes equacionado, na minha mente (saudável) e na minha bolsa (doente), a hipótese feliz de as comprar por receio de já não conseguir suportar as colorações acústicas das outras colunas?
Não é, por certo, a beleza física destes monolitos negros: para isso existem as Martin Logan e as Final. Muito menos é a máxima pressão sonora possível de uns optimistas 90dB: para isso existem as Wilson Audio.
Será então aquela claridade crepuscular do palco sem aparente perda de transparência fruto da baixa distorção e elevada resolução?
Ou será antes a luz divina que parece emanar de dentro dos próprios músicos, iluminando todas as nuances da interpretação sem nunca ofuscar o ouvinte (os racionalistas anglosaxões chamam-lhe inner detail)? O que me cativa nelas é, sobretudo, a ausência de distorção harmónica, a pureza tímbrica, a naturalidade de todos os sons, a absoluta neutralidade e a substância do corpus sonoro. É por isso que damos connosco a ouvi-las mais alto do que as nossas expectativas mais optimistas fariam prever. Do tímido sussurro ao grito de raiva controlada, as Quad 2905 mantiveram sempre a mesma complexa textura orgânica: harmonicamente rica e desprovida de grão electrónico.
As Quad 2905 são integradas, coerentes, neutras - tal como as Soundlab -, e sem o inconveniente da dimensão pouco ou nada doméstica destas. Nunca a expressão 'querida, encolhi as Soundlab', fez tanto sentido.
Fruto maduro da árvore da música
Em consequência da resolução superlativa, que assenta no negrume de um silêncio de zero digital (daí talvez que o mínimo fru-fru se torne incomodativo), as 2905 respondem de imediato a qualquer mudança a montante: fontes, prévios, amplificadores, cabos de interconexão (e os discos, claro), nenhum segredo fica por desvendar. Na ausência de coloração própria da coluna, qualquer nuance estranha na tonalidade ou desvio tímbrico do equipamento complementar, qualquer erro de captação no disco se torna evidente, mas de uma forma tão diplomática que nunca põe em causa o prazer da audição antes a enriquece pela constante descoberta do desconhecido.
Nunca testei uma coluna de som que me tivesse deixado tão à míngua da palavra certa para descrever o seu desempenho: notável, fantástica, soberba, neutra, transparente, natural? são palavras gastas que no áudio se aplicam hoje a tudo e a nada, incluindo o iPod.
A Quad 2905 é o fruto perfeito da árvore sagrada da música: carnudo, de textura macia e sabor neutro. Ouvi-las devia ser cadeira obrigatória na universidade do áudio para todos os candidatos a audiófilos: aprenderiam assim à sua custa, como eu aprendi, a conhecer o verdadeiro conceito de som natural. O Graal afinal existe!...
As Quad fazem parte de uma lista restrita de equipamentos áudio que, no conjunto, constituem um forte incentivo para eu antecipar a minha reforma para assim poder ter mais tempo para os ouvir, com o raro deleite que torna cada nova descoberta inesquecível, até os ouvidos o permitirem ou o sol se esconder no ocaso da vida.