Regressado à ditosa pátria minha amada, dou início à longa reportagem da CES 2009. Entretanto, já foi tudo publicado na Internet. A Stereophile, por exemplo, com 10 repórteres em campo, já terá mostrado muito do que havia para mostrar. Mas em verdade vos digo: há muitas formas de olhar e de ouvir. E de mostrar. Em vídeo, por exemplo. O primeiro milho foi para os pardais. Agora vou mostrar-vos eu a minha CES 2009.
Começo com um texto de carácter geral que escrevi no avião a caminho de casa. Sem notas, sem registos, sem catálogos, apenas de memória, escrevi sobre o que me veio à cabeça, ou aquilo que me deixou marcas mais profundas. Haverá mais, muito mais, e talvez até melhor. Mas para já, no meio do bulício, da confusão e do excesso de informação, foi isto que me saltou à ponta dos dedos a 10 000 metros de altitude.
CES 2009: LEAVING LAS VEGAS
Been there, seen that, heard it all.É inevitável que se instale uma sensação de déja vu, sobretudo quando no Hificlube é possível recuar no tempo e ler na Pesquisa Avançada (só para leitores inscritos) as reportagens de anos anteriores. Em alguns casos, podia utilizar as fotos de 2008 que ninguém daria por isso. Não raras vezes, dei comigo em frente às mesmas pessoas, na mesma sala, a demonstrar os mesmos equipamentos, agora na versão Mk qualquer coisa, utilizando os mesmos discos e os mesmos argumentos de vendas ano após ano, incluindo colocar à porta uma mulher exuberante a distribuir catálogos.
E contudo, fiz mais de 400 fotos e 150 videos curtos de novos produtos que vão permitir aos leitores acompanhar-me em mais uma maratona audiófila.
A grande novidade da reportagem deste ano é o recurso intensivo ao video, necessariamente curto para evitar longos tempos de download, e cujo usufruto depende muito da velocidade do seu acesso à net. Mas vale a pena esperar. Não pela qualidade das imagens, muitas vezes obtidas em péssimas condições de iluminação, mas porque, ao contrário da fotografia, têm som ambiente com qualidade bastante para, com uns bons auscultadores (ou até ligado ao seu sistema principal por Blutooth, por exemplo, como o Chord QBD76), estabelecer diferenças audíveis entre equipamentos e salas.
Além de que “levam” o leitor ao local com mais eficácia que uma simples descrição ilustrada por uma foto. O que eu aconselho é fazer primeiro uma leitura “clássica” (texto e fotos) para se inteirar das novidades e fazer depois uma segunda visita através do vídeo (entretanto abertos e inseridos na cache) já com mais tempo e outra disponibilidade de espírito. Em alternativa, pode clicar nos vídeos para abrir, enquanto vai lendo. Assim, não perde tempo.
O REGRESSO DOS VELHOS GRAVADORES DE PISTAS
Quando o highend parecia ter entrado num círculo vicioso, apenas quebrado pela introdução de servidores como fontes, quando não mesmo iPods, eis que se abriram ainda mais as portas para o regresso, não só dos gira-discos _ às dezenas este ano no Venetian – mas também aos velhinhos gravadores de bobinas, que, reproduzindo master tapes, me proporcionaram as melhores audições da CES09.
Com pelo menos uma honrosa excepção, a Play Back Designs, cujo transporte/conversor fornecia a seiva da vida ao sistema da DartZeel, que apresentou os futuros monoblocos ainda sob a forma de protótipo, um risco calculado assumido por Hervé, e só possível num certame onde os visitantes gostam de saber como as coisas são feitas por dentro, e por isso nada melhor que revelar logo as entranhas do amplificador, mostrando o produto acabado apenas em fotografia.
O som era excepcional, sem dúvida o melhor do certame paralelo The Show, embora em termos de apresentação e demonstração no Venetian a TAD voltasse a ser a minha preferida.
Apesar de terem desta feita recorrido apenas a um par de colunas compactas, as novas CR1 (18 000 dólares!), alimentadas por amplificadores Pass, as razões desta minha preferência são óbvias mesmo através do som vídeo.
O segredo estava nos master tapes digitais e analógicos utizados por Andrew Jones, que iam subindo na resolução: 44,1 kHz, 88,2 kHz, 192kHz, sempre com ganho audível na qualidade, até finalmente atingir o patamar último da excelência musical: master analógico em fita magnética de meia polegada a 15 e 30 ips.
Voltei lá, claro, desta vez acompanhado por Rui Calado, também repetente, e John Stronczer, da Belcanto, que aproveitou tal como nós o ambiente, requintado e descontraído, para lavar os ouvidos da confusão de sons de corredor inevitáveis nestes certames de porta aberta.
Custa-me dizer isto, até porque utilizo exclusivamente CD e SACD nas minhas audições e avaliações, mas o CD matou a música ao dar primazia ao som isento de ruído, deitando o bebé fora com água do banho. O que está nos masters (ver videos da Ocean Way Studios) pode ser transferido bit por bit para o CD mas há algo da alma da música que fica para trás: uma alma que, na reprodução dos masters originais, se manifesta de imediato como substância corporal nos registos médios sem perda de transparência; brilho sem agressividade nos agudos; e poder e impacte nos graves sem arrastamento.
Esta “alma” existe mesmo nos masters digitais, embora os analógicos soem um tudo nada mais transparentes e luminosos, e parece ser em parte recuperada à medida que se sobe na frequência de amostragem. Talvez o Blu-ray nos possa devolver esta sensação de plenitude.
As novas gerações que apenas ouvem ficheiros de música comprimida não sabem o que perdem, do mesmo modo que desconhecem os sabores da comida caseira. Hoje tudo é “fast”, da comida à música – até as paixões acabam depressa.
Ora as paixões têm tudo a ver com pessoas e muito pouco a ver com coisas. A paixão pelas coisas é fetichismo. Por isso é importante saber quanto da pessoa que o criou existe em cada novo equipamento.
A CES permite-nos como nenhum outro certame contactar os criadores. Visitar a suite da Krell ou da Wilson no Mirage, é também passar algum tempo com Daniel D’Agostino, Dave Wilson, que nos recebem como amigos e explicam eles próprios as características e funcionalidades dos aparelhos. Ou Johan Coorg (KEF) que estava como sempre no Hilton, obrigando-me a fazer quilómetros a pé em peregrinação por Las Vegas (ver video).
Ou ainda ter a rara oportunidade de ouvir o excêntrico Jean Claude Schlup falar com paixão do novo amplificador estéreo a transístores da Nagra, e ficarmos assim a conhecer ambos um pouco melhor e perceber o que os distingue e os move (ver video com entrevista). Mais ainda, ter a honra de partilhar segredos: como ver o projecto de algo que, por enquanto, só existe no papel, como o futuro amplificador a válvulas Nagra 300B (e ele deixou que eu filmasse o esboço!, ver video), assim como se nos conhecessemos de longa data. Foi bom conhecer Jean-Claude e ouvir da sua boca que as pirâmides da Nagra, que eu testei faz uns anos, não são, repito, não são de Classe D, que ele, aliás, detesta, mas de Classe A/B, apenas a fonte é comutada.
Ou participar num cocktail, numa magnífica penthouse com uma vista deslumbrante sobre Las Vegas, com a presença das não menos magníficas Vivid G1 Giya, alimentadas por amplificadores de referência Luxman, cujos transformadores são pacientemente construídos à mão por artesãos experientes e seguem a filosofia feng shui (!) na topologia dos circuitos.
O ano passado falhei a audição das Vivid G1, agora posei junto delas para provar que lá estive e voltei para contar. Uma excelente audição, sem dúvida.
Também aqui foi um gravador de bobinas que deu cartas. Desta vez com a mesma faixa gravada ao vivo no mesmo local, pelo mesmo intérprete à cause des mouches. Também aqui num exclusivo mundial o Hificlube oferece aos leitores a possibilidade de conviver e viver o momento por dentro em vídeo.
Contudo, a paixão levada ao extremo pode levar a excessos. Alex Nolan e Justin Grant são dois jovens e simpáticos engenheiros que criaram um monstro – literalmente. A estranha Solar Systems Sculpture é uma coluna gigante de uma liga de alumínio e ferro ferrugento, com 5 metros de altura e uma tonelada de peso, que funciona a energia solar, afectuosamente chamada de SOL, e parece ter saído directamente de um filme da série Transformers ou das cenas iniciais da vida no futuro do Exterminador III.
A coluna tem sensores de temperatura que pressentem a presença humana e a fazem virar a enorme bocarra da corneta na nossa direcção, urrando de prazer como um extraterrestre. Assustadora: tenham medo, tenham muito medo. Ah, e toca música melhor que todas as outras existentes na Terra, segundo os seus criadores. Eu fiquei tão abismado que me abstenho de fazer qualquer comentário. Ouvia-se rock metálico. What else?
Neste caso, só visto se acredita. Por isso, fotos e descrições escritas que possam ter lido algures não lhe fazem justiça. Abram o vídeo respectivo e deixem que sejam eles próprios a descrevê-la com a paixão que os faz mover – a eles e a ela. Afinal Galileu estava enganado: não é a Terra que gira, é o SOL...
Nota: o video tem mais de 2 minutos e poderá levar mais alguns segundos (ou minutos) a abrir que os restantes. Não desista, pois vai ver e ouvir a mais estranha coluna de som do mundo.
UMA VISITA BREVE AO ZOO DA ELECTRÓNICA
A CES é também a maior montra internacional de tecnologia: no recinto da Feira, o LVCC, a que eu chamo o Zoo, dos telemóveis inteligentes aos televisores ultrafinos, há de tudo para todos. Até para mim. Eu vou a Las Vegas sobretudo por causa do High Performance Audio. Não sou especialista na área da electrónica de consumo, embora nomes outrora grandes da cena audiófila mundial, como Mark Levinson, a ela se dediquem agora também (life is a bitch, isn’t it, Mark?...). Mas como consumidor atento gosto de passear pela imensidão da feira e visitar as catedrais da electrónica de consumo: Panasonic, Pioneer, LG, Samsung, Hitachi e Sony.
Foram estas duas últimas que mais me despertaram a atenção (ver videos). Os novos LCD Design da Hitachi são lindos, com molduras personalizadas e uma imagem afinada ao meu gosto. Não é por acaso que eu optei por um LCD da Hitachi para uso doméstico. Além disso, a Hitachi apresentou os Ultra Thin LCD e a tecnologia Super Resolution, lado a lado com Standard Resolution para não deixar dúvidas.
Fantástico mesmo foi ver um televisor Hitachi comandado por gestos. Trata-se de um autêntico número de circo, como podem observar no vídeo.
E o que é a CES se não um enorme circo, uma feira de vaidades electrónicas?...
Na Sony, jogos de PS3 (passo), LCDs de 240 e TV-3D em directo! São precisos óculos, claro, mas nunca tinha visto as fintas do Cristiano Ronaldo com tanto realismo. E a televisão em directo (corridas em Nascar) não se ficava atrás. A novidade está, pois, no 3-D em directo! Com filmes, em especial banda desenhada, a ilusão de relevo chega a ser assustadora, holográfica mesmo. E a revolução foi apresentada na do primeiro ecrã flexível de luz orgânica, que só me deixaram filmar dentro de uma redoma.
Agora já posso afirmar que vi o futuro. Depois disto a televisão convencional é...chata!
VIDEOS DA CES 2009
Para ver os vídeos:
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- Logo que a imagem surja na janela, clique duas vezes para ver em full-screen. Em alternativa, clique com botão direito do rato sobre a imagem e seleccione zoom/full screen.
- Se a imagem surgir 'aos soluços' aguarde que o download fique completo e clique depois em Play para ver do início.
- De preferência utilize auscultadores.
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