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2009

Dcs Scarlatti: Triunvirato Digital

Dcs Scarlatti: Triunvirato Digital
 
                DCS SCARLATTI TRANSPORT/DAC/CLOCK
 



O dCS Scarlatti é como o TGV: estupidamente caro, provavelmente desnecessário,  e acaba por cumprir a mesma função de nos dar música que o comboio a vapor, leia-se o gira-discos de vinilo, só que é mais rápido, mais prático e mais moderno.


Quando António Almeida, da Ajasom, me perguntou se eu queria dar uma voltinha num comboio digital de 50 000 euros com apenas três carruagens, saltei logo para o estribo mesmo em andamento (já tinha passado antes nas estações da Absolute Sound e Stereophile).


Tenho de admitir que, conhecendo-me A. Almeida, é preciso coragem para correr o risco de eu vir depois a “achar” que o Scarlatti não era o melhor leitor CD/SACD do mundo e arredores. O que, convenhamos, pelo preço que custa, é o mínimo que se exige: ninguém paga 50 000 euros por algo que não seja o estado absoluto da arte digital. Pode o António ficar descansado. Quanto aos “arredores” não sei, mas o dCS Scarlatti é o melhor que passou no meu mundo: já ouvi parecido, os Esoteric P03/D03/G0Rb, por exemplo (ver em Artigos Relacionados), mas nunca testei nada igual, muito menos melhor.


O Scarlatti de 3 carruagens é, pois, o melhor de todos os comboios digitais que já pararam na estação de Alcabideche. E diz quem sabe que o de 4 carruagens é ainda superior...


Antes que o Louçã se atire a mim, alegando que é um escândalo um leitor SACD/CD custar mais que o seu próprio PPR, socorro-me das palavras da Manuela de que se deve “deixar os ricos comprar iates, desde que paguem os impostos”, e revejo-me ainda no espírito de modernidade informática de Sócrates, pois só assim é possível progredir. Ainda que o progresso do Scarlatti seja tal que, ao pé dele, os leitores CD vulgares não passam de... Magalhães.


O que se segue não é um teste formal, é o relato de uma experiência pessoal, demasiado breve, hélas, para ser consequente e definitiva. Mas o que ouvi bastou-me para desejar que todos os leitores CD/SACD soassem assim...


Três desejos, um amor


Three coins in a fountain

Through the ripples how they shine

Just one wish will be granted

One heart will wear a Valentine

Make it mine, make it mine, make it mine


Frank Sinatra Three Coins In The Fountain








dCS Scarlatti CD/SACD Transport

 
 


dCS Scarlatti DAC



 


dCS Scarlatti Clock

 


O dCS Scarlatti é composto por três elementos: transporte, conversor (prévio) e “clock” digital. Recentemente, foi adicionado o “Upsampler”, também testado pela Stereophile, mas que a Ajasom ainda não tinha disponível. Até foi bom assim, porque a quarta peça só iria aumentar a complexidade da experiência. Aliás, eu já ficava satisfeito com o duo Transporte/DAC, e foi com esta configuração que iniciei as hostilidades.
 
 



A arte de cavalgar todo o disco
 
 
 





 
 
O dCS Scarlatti não é muito diferente das propostas similares da Esoteric. A drive é até uma VRDS Neo e a opção (única) de Upsampling DSD por default tanto para CD como SACD trouxe-me à memória experiências anteriores com os excelentes (e muito mais baratos Teac/Esoteric). Contudo, a capacidade de upsampling de sinais PCM até 88,2kHz, 96kHz e 176.4kHz, disponível nos Esoteric só é possível aqui com recurso ao 4º Elemento, o “Upsampler”, assim como a ligação USB com ligação assíncrona (bidireccional), tão importante na era dos downloads de alta resolução.

Como seria de esperar, o sistema de transporte/leitura portou-se à altura dos pergaminhos “esotéricos” ao fazer a prova de obstáculos da Pièrre Verany com uma perna à costas: 2 mm nos dropouts simples e 2,5 mm nos dropouts sucessivos! Só não toca CDs com um buraco de bala...




 
 





O transporte e o DAC podem ser ligados via cabo coaxial, Toslink, BNC/SPDIF, AES/EBU e Firewire (norma 1394). Para tornar simples o que parece difícil, segui a sugestão do fabricante de utilizar a ligação Firewire para o sinal tanto de CD como SACD e BNC para sincronizar o transporte com o master clock do DAC. O Scarlatti Clock ficou no banco à espera de entrar em jogo. E já que estava numa de simplicidade absoluta, explorei a hipótese de ligação directa do DAC ao Krell Evo 302, por meio de cabos balanceados. Na mouche!

Houve quem conseguisse ouvir diferenças com a ligação Dual AES/EBU para melhor. Sinceramente não percebo como, porque sem o Upsampler, o Transporte limita-se a enviar PCM 44,1kHz para o DAC por apenas uma das saídas AES/EBU, mesmo que as duas estejam ligadas. A imaginação tem destas coisas...


De uma maneira geral, prefiro que o sinal faça umas voltas de “aquecimento” no prévio McIntosh C2200, mas o DAC tem a opção de 6 Volts e como o circuito é integralmente discreto, o resultado agradou-me logo. Tanto mais que as Sasha são bastante sensíveis, pelo que a pressão sonora atingiu níveis bíblicos – e igualmente divinos na qualidade.


Aqui chegado, fico na dúvida se foram as Sasha que ganharam com a companhia do Scarlatti ou viceversa. Seria estúpido da minha parte tentar convencer alguém que o Scarlatti é 50 vezes melhor que um leitor CD/SACD de mil euros ou 5 vezes melhor que outro de dez mil euros. Mas a verdade é que, desde que ele partiu (e escrevo na dor da sua ausência), as Sasha perderam algum do seu encanto, o que só prova que não há nada como fontes fidedignas para as Sasha nos darem boas notícias...


Os Chord DAC64/QBD76, Emm Labs CDSA SE, Esoteric X-01D2 e X-05, Krell Evo 505, McIntosh MCD500, Playback Designs são todos excelentes e fortemente recomendados pelo Hificlube (ver Artigos Relacionados). Não é preciso escalar o Everest para ser feliz. Mas vá lá dizer isso aos alpinistas que já atingiram o cume...


A velha história do CD que soa como LP






CES 2009: sala da dCS no Venetian




Eu já estou um bocado farto daquela conversa da treta do CD que soa como LP e blá, blá, blá. Foi, aliás, esse o caminho escolhido por Michael Fremer, na Stereophile. Não, nem com o Scarlatti o CD soa como LP. Quando muito, soa como SACD. Ou ainda melhor, soa como todos os CD deviam soar e nem sempre soam: como música ao vivo.





Mas depois da violência a que o som original é sujeito, do microfone à consola, da matriz ao disco, haverá algum CD que se pareça com a realidade? Não, não há, nunca haverá. O que distingue a música ao vivo é a energia e a densidade harmónica dos sons de que resulta a textura natural, o relevo, logo a sensação de presença, de vida.

Com o Scarlatti o CD aproxima-se mais deste desiderato que com qualquer outro leitor CD que já testei, incluindo o Reimyo CDP777. Tudo o que escrevi sobre este extraordinário leitor-CD (ver Artigos Relacionados), já descontinuado, se aplica ao Scarlatti por omissão, pois este é, além de tudo o que se possa dizer, inexcedível na entrega total ao processo musical em curso. Nenhum outro leitor-CD/SACD reproduz música com esta joie-de-vivre, esta plenitude acústica, esta inebriante ilusão de realidade. Eu sei que já escrevi isto antes sobre outros. Mas o Scarlatti é o primeiro sistema integrado de leitura/reprodução de CD/SACD a atingir os 21 pontos na minha escala de...20 valores.


A diferença não justifica o preço, admito. No entanto, ela está lá – existe. E uma vez experimentada, torna-se aditiva como a adrenalina: sente-se nos músicos uma disponibilidade física e uma vibração emocional que torna a concorrência pouco menos que linfática por comparação, passe o exagero próprio da linguagem hiperbólica da crítica áudio, necessária para exprimir o que muitas vezes não passa de um vago sentimento de satisfação pessoal e não de uma realidade.


A analogia da maionese

 


 




 




Já experimentou fazer maionese natural, misturando gema de ovo com azeite? Parece simples, mas basta um desvio para menos na temperatura dos ovos, ou “não ter mão” para conseguir manter constante o fio de azeite e não vai conseguir “ligar” os ingredientes: os ovos estão lá, o azeite também, mas o resultado é um líquido sem graça, sem espessura, “deslassado”, leia-se, sem solidez, corpo ou densidade. O som do Scarlatti é uma maionese cremosa, plena de textura harmónica, que torna a música mais saborosa. Depois é só temperar a gosto, com sal pimenta e uma gota de limão.

No Scarlatti DAC, “temperar” significa utilizar, por exemplo, as funções de Phase (notável diferença com alguns discos: tente com o disco estreia de Tracy Chapman e Transparente, de Marisa – não dá para acreditar na diferença...) e Filter.


Na dúvida, opte sempre pelo Filtro 1. Com PCM (RCA, BNC/SDIF ou AES/EBU), pode experimentar ainda o Filtro 2 (espacialidade), mais adequado para “clássica”; 3 e 4 (presença), mais adequados para jazz, rock e pop, segundo o manual. Com DSD, os filtros alteram sobretudo a acção da pendente sobre a largura de banda.


Mesmo no modo DSD eu julguei ouvir diferença com os filtros. John Atkinson diz que os filtros só actuam com sinais PCM non-oversampled aos 96kHz (?). E que com DSD não há diferença nenhuma! (?). É curioso, porque no site da dCS pode ler-se isto: Four filters are provided in DSD mode to allow listeners to tailor system response. E o manual explica até o efeito de cada um deles na resposta...


Matrix


Costuma falar-se de transparência em áudio. Mas quantas vezes essa transparência é apenas consequência das características ectoplásmicas do som. A ideia não é “ver” através dos sons, leia-se, dos músicos, ou “atravessá-los”, como nos filmes da série “Matrix”. O sons devem surgir no palco como entidades físicas tangíveis, palpáveis, sólidas, reais – e não como meras fantasias digitais. No palco sonoro, a única coisa que deve ser transparente é o excipiente acústico, o “ar” que envolve os músicos e nos permite vê-los nos seus contornos correctos sem neblinas digitais no caminho para confundir os sentidos. Nesse sentido, a “opacidade” das imagens pode até dar a sensação de um som mais escuro, menos “informativo”. Um pouco como as cores de aguarela do DVD comparadas com os tons pastel do guache do Blu-Ray.


Meter os bits na ordem

 


 




 

 


 
Faltava experimentar o “Clock”, o 3º Elemento. E socorro-me outra vez da gastronomia para explicar o funcionamento de um leitor-CD. Faça de conta que o sinal analógico é um pão-de-forma cortado às fatias por uma faca digital. A cada fatia é atribuído um número. O padeiro manda-nos os números por sms e nós, do lado de cá, temos um conversor que com base nesses números reconstrói o pão na nossa mesa sem necessidade de ir à padaria buscá-lo...

Acontece que os números só correspondem ao eixo vertical do sinal, ou seja, à amplitude, que nos diz apenas se a fatia é mais alta ou mais grossa. Como os sistemas digitais são “infalíveis” acabamos por receber o pão todo sem perder uma migalha sequer. Pelo menos é assim na transmissão de dados entre computadores. Daí o famoso “bits são bits” com que os espíritos racionais despacham os audiófilos líricos.


Contudo, nada nos garante que a ordem pela qual as fatias foram cortadas é a mesma pela qual as recebemos, circunstância em que o pão pode ser fresco mas não nos aparece à frente na sua forma original (jitter). O pão está lá todo sobre a mesa (e o vinho também, como no fado) mas as fatias do meio, as mais altas, podem surgir mais atrás ou mais à frente, e o pão-de-forma fica...eh... com uma forma diferente (distorção).  Are you still with me so far?


E isto porquê? Porque o eixo do tempo não está registado no disco – é analógico (e controlado mecanicamente por um oscilador). O leitor-CD tem um relógio interno que parte do princípio que a frequência de amostragem do registo digital foi de 44.100 vezes por segundo e funciona em conformidade. Às vezes – o mais das vezes – falha redondamente. Não se pode exigir a um oscilador de quartzo comprado a peso na China que seja “infalível”...


Nos casos dos leitores-CD de duas peças, o problema agrava-se. Um transporte tem um “clock” e o DAC outro, e nem sempre se entendem bem. Uma das soluções é enviar os dados de forma assíncrona para uma memória (buffer), como nos Chord, e/ou fazer o reclock do sinal utilizando o “clock” do DAC como Master, como no Scarlatti (2-peças). Outra mais sofisticada ainda é utilizar um “Clock” de alta precisão externo que “escraviza” transporte e DAC (Scarlatti 3-peças) e os obriga a trabalhar em sincronismo perfeito (devia ser assim também na política).


De facto, a coisa é bem mais complicada. Mas, como diria o Gato Fedorento, no fundo... é isto mesmo. E eu até já vivia feliz apenas com 2-peças dCS: Transporte/DAC, utilizando o “clock” interno do DAC como Master.


O que distingue o Scarlatti da concorrência é a densidade da informação (aqui concordo em absoluto com Jonathan Valin). Não é mais informação, é sobretudo informação mais coerente: está no sítio certo no tempo certo. E é isso que contribui para o corpo e solidez do som do Scarlatti: não se ouvem mais coisas durante algum tempo, ouvem-se todas as coisas o tempo todo, apesar de aqui e ali poder ser ultrapassado por outros modelos.


O efeito no som do “Clock” G0Rb da Esoteric é mais evidente, por exemplo, e os seus DACs já têm upsampler incluído; o grave do Playback Systems é mais poderoso, visceral e articulado; o Emm Labs CDSA SE produz uma filigrana de microinformação que é única no domínio digital; o Reimyo CDP777 tem (tinha)uma musicalidade intrínseca muito especial; os Chord compensam a redução de escala do CD com um agradável – e muito analógico - “bloom” na gama média; os Krell e McIntosh têm um carisma associado à marca que a dCS não alcança.


Ao introduzir o Scarlatti Clock no sistema, ganha-se em ataque, ritmo, definição e articulação do grave. Parece haver maior separação instrumental e os timbres ganham em especificidade harmónica. Os elementos eléctricos de frequência e amplitude são os mesmos. É a forma como o tempo se mistura com eles para constituir o todo musical que faz a diferença.


Contudo, na minha opinião (e aqui estou sozinho contra todos), a temperatura de cor do som sobe um pouco e a tonalidade fica mais fria. Difícil é saber se foram as cores que perderam em saturação ou os tons que ganharam em neutralidade...


O Clock permite ainda introduzir Dither, não o ruído aleatório utilizado nos estúdios, que melhora a relação sinal ruído e facilita a audição de sinais de baixo nível nos discos, que levou Jonathan Valin a declarar: “Dithering a Clock seems a little counter-intuitive to me...”. Se ele tivesse lido o manual, tinha percebido que aqui o dither é outra coisa diferente (e não traduzo para não meter água): “dithers the clock edges to exercise the phase-locked-loops in the source and DAC”.


Do mesmo modo, teria percebido que para ouvir maior diferença entre CD e SACD devia ter utilizado uma das outras ligações PCM para os CD, pois a Firewire faz upsampling para DSD (encriptado) por default, tanto com CD como SACD. Ao contrário dele também, momentos houve em que eu era capaz de jurar que com o Dither On o som era melhor. E deixei ficar assim...


Conclusão: com 2-peças ou 3-peças (não ouvi o 4-peças), o dCS Scarlatti é o melhor – e também o mais caro – leitor-CD/SACD que já passou no meu pequeno mundo. Até que me provem o contrário, esta é a conclusão das minhas escutas, mesmo que isso provoque um conflito institucional na República Audiófila...


Notas:


Para saber tudo sobre a tecnologia Ring DAC e outras características técnicas dos produtos aqui referidos e ter acesso às críticas já publicadas na The Absolute Sound e Stereophile (não temo comparações e incentivo à leitura e busca de opiniões diversas): 



link para o site da dCS

 

Para saber tudo sobre condições de audição, preços, disponibilidade:


link para o site da AJASOM

 

 


 


 


 


 



Dcs Scarlatti: Triunvirato Digital


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