Naquele tempo, havia uma taberna junto à estação de Oeiras que tinha uma jukebox. Uma modernice para nos chatear a cabeça, no dizer dos poucos clientes, trabalhadores do campo, que tinham vindo para “as obras”, onde se ganhava mais, e paravam ali no fim do dia. Eles até só queriam beber um copo sossegados a ver passar os comboios, como faziam lá na aldeia.
O dono daquele arremedo de café do futuro, já não pensava assim. Porque a malta do Liceu do Oeiras enchia-lhe a caixa da máquina diabólica, para ouvir até à exaustão, repetidamente, doentiamente, uns tipos guedelhudos, que estavam na moda, a berrar “No satisfaction”. E nunca ficavam satisfeitos. Só saíam quando todos os elementos do grupo se declaravam falidos.
Eu achava o som uma maravilha. Melhor até que o dos Diamantes Negros, quando tocavam ao vivo no baile dos Bombeiros, o Júlio a fazer de Mick Jagger com o PA a abrir: os altifalantes a contorcerem-se de distorção e a pele da tarola a ameaçar romper cedendo à tortura metronómica do baterista. Em especial, porque quem metia a moeda tinha direito a encostar-se à máquina para sentir os graves...
A paixão arrefeceu com os anos. Mas não morreu. Porque os Stones são como amores de juventude que se recusam a ir embora, e assombram a existência quotidiana com o passado, que vemos agora com outros olhos e o distanciamento emocional que a experiência faculta e os interesses do momento permitem.
Em 2002, estava em NY, quando a Sony apresentou a colecção SACD dos Rolling Stones da editora ABKCO. Publiquei então a notícia do acontecimento no DNA. A mesma ABKCO que agora via HD Tracks disponibiliza para download as master tapes originais da discografia dos Stones a 176,4kHz/24 bits!
Finalmente, é possível ouvir tudo o que estava (ou devia estar) no disco. Curiosamente, o meu grau de satisfação, na escala da vida, é bem inferior ao que eu obtinha com a velha jukebox. O que só vem provar que a qualidade do som, por si só, não responde a todos os anseios da alma audiófila.
Ou que I can´t get no satisfaction não é um mero artifício poético, e os Stones não eram simples músicos de rock; é um axioma, e eles eram afinal - já naquele tempo - filósofos...