AUDIO: REVOLUÇÃO EM ABRIL
Ainda me recordo das discussões sobre qual o melhor logotipo, a angústia do editor perante a escolha da capa, as opções de paginação, a enésima revisão dos textos: uma palavra aqui, uma letra ali, uma frase que se calhar fazia mais sentido assim, um título alterado à última hora.
As capas eram versões naïf das tendências editoriais “lá de fora”, sobretudo anglosaxónicas; os textos apresentavam-se escorreitos e escritos em Português de lei; a qualidade das fotos não era por aí além. Gralhas, poucas. Imprecisões, algumas. Isenção q.b., que a necessidade aguçava o engenho, quando o idealismo pessoal esbarrava no pragmatismo comercial.
E havia sempre problemas com as empresas gráficas: era tudo manual e utilizavam-se ainda máscaras de fita-cola vermelha e x-Acto na paginação, ao som de um rádio fanhoso, cigarro ao canto da boca, isto quando não se bebia cerveja pelo gargalo para aliviar o tédio.
Pairava assim sobre a revista a ameaça constante de nunca sair a tempo e horas.
A dúvida instalava-se insidiosa no nosso espírito. Será que a AUDIO vai resistir? E durante quanto tempo? Para aí 6 meses, talvez? 25 anos. 25 anos? 25 anos! Quem diria...
Em Maio de 1989 - a muito custo - o 1º número “constitucional” da revista AUDIO lá apareceu nas bancas a... baixo custo: 250 escudos! Na capa, Pioneer, que a vida também não era fácil in illo tempore...
Olha a AUDIOoo, traz tudo sobre som!..., teria sido assim se ainda ecoassem na rua os pregões dos ardinas. Mas não.
Ei-la, abandonada e anónima, no quiosque da avenida, esquecida na prateleira da tabacaria, escondida no escaparate do press-center, atrás da arrogância cosmopolita das whathifis em língua inglesa.
Num frémito, comprei-a eu.Tinha várias cópias, mas aquela AUDIO era especial, paguei-a do meu bolso incógnito. Que desilusão!, ninguém tivera ao menos a curiosidade de a folhear: as folhas resistiam ao escrutínio dos dedos nervosos, e os olhos húmidos de entusiasmo desfocavam os textos, que eu lia de memória de tanto os ter lido.
Era como dar esmola a um músico de rua nosso amigo, na vã esperança de que outros repetissem o gesto. Até nem se vendeu mal, ou talvez seja o meu subsconsciente a tentar sobrevalorizar as vendas, pois a tiragem não era mais que um desejo de passagem para a outra margem.
Se bem me lembro, a AUDIO nr.2 correu mesmo perigo de não sair, e chegou às bancas com atraso (o “gráfico” consumia mais cerveja que a revista tinta...). Nascia, então, “Discopatia”, de Honorato Pimentel, nom de plume de um grande amigo e actual sole survivor da equipa inicial, além de JG.
A foto de capa tirei-a eu próprio. Levei o Grundig Fine Arts a válvulas ao colo até um bar próximo, e pedi ao dono meu amigo para acender a lareira – isto num dia de Primavera. O bar já faliu. A Grundig também. A AUDIO sobreviveu. E nós ainda cá estamos...
Foi assim que aconteceu.
Os problemas resolveram-se um a um; as revistas guardei-as uma a uma no arquivo da vida. Pelo menos até ter abandonado prematuramente o projecto. Por incompatibilidades várias: pessoais, editoriais, ideológicas; de falhas de comunicação, erros de avaliação, incompreensão mútua? Nada disso importa agora, porque hoje é dia de festa: a AUDIO faz 25 anos!
Não reza esta história sobre o que a AUDIO era ou poderia ter sido; do que a AUDIO foi, é ou será. Porque cabe aos leitores – e só aos leitores – defini-la no espaço e no tempo.
Eu e Jorge Gonçalves, a dupla original (a que se juntou depois o Júdice), tinhamos (temos) o mesmo objectivo: o Graal Sónico. Diferentes eram os caminhos para lá chegar, que hoje se cruzam ciclicamente no Audioshow e em eventos nacionais e internacionais.
Ambos tentámos ser fiéis a nós próprios e competentes aos olhos (e ouvidos) dos outros. Contudo, até na ligação entre um bom amplificador a válvulas e umas boas colunas de som surgem problemas de compatibilidade.
Eu tolero distorção de segunda harmónica mas não de terceira harmónica. Por outro lado, a impedância de carga das colunas pode ser resistiva como JG ou reactiva como JVH.
Quando há incompatibilidades, pode resultar distorção por intermodulação e o som tornar-se desagradável. Optámos, assim, por nos integrarmos em sistemas diferentes, com notável sucesso a nível nacional e internacional.
Podemos orgulhar-nos ambos dos nossos percursos distintos, sempre na busca incessante da perfeição na reprodução áudio, em representação da língua portuguesa na aldeia global.
De críticos de um país periférico, passámos a ser cidadãos do mundo audiófilo, reconhecidos e respeitados pelos nossos pares.
Só por isso valeu a pena.
Somos duas faces da mesma moeda, que continua a girar há 25 anos. É da lei da vida que vai ter de cair inexoravelmente sobre o tampo da mesa do destino: e só então saberemos se sai caras ou coroas. O mais provável é termos vencido ambos, porque a moeda afinal só tem uma face: a da audiofilia.
Restam-nos agora duas opções: carpe diem et carpe sonum.
JG na AUDIO, enquanto houver papel e tinta; e JVH no HIFICLUBE, enquanto houver internet e electricidade.
Em nome do HIFICLUBE desejo um feliz 25º Aniversário à revista AUDIO.
José Victor Henriques, Editor