A Guerra dos Tronos
Anda por aí um clamor nas redes sociais, uma guerra surda (et pour cause) entre objetivistas e subjetivistas, cada campo exigindo para si a verdade absoluta sobre se é possível ouvir/medir diferenças em áudio que, em último caso, só existem na imaginação. Será?
Nota: no final vai poder ouvir dois vídeos que são duas achas para a fogueira da inquisição audiófila. Só que aqui não são os hereges que são queimados, são os crentes...
Sempre que objetivistas e subjetivistas se digladiam, o elo mais fraco são os cabos, campo onde as opiniões são mais extremadas. À pergunta: é ou não possível ouvir/medir diferenças entre cabos? sacam logo do revólver, como o outro quando ouvia falar de cultura.
Os outros temas sobre os quais não há consenso são: analógico vs digital, válvulas vs transístores.
O mais curioso é que estas polémicas são contraditórias entre si, porque há quem, sem dar por isso, mude de barricada consoante o vento.
E digo sem dar por isso, porque, por uma questão de coerência, os objetivistas, que só acreditam naquilo que é possível medir e defendem que não havendo diferenças mensuráveis (depende do que se mede, claro…), não pode haver diferenças audíveis, são muitas vezes defensores do LP contra o CD, quando o ‘digital’, de uma maneira geral, ‘mede’ muito melhor que o analógico, em tudo! Menos no som… um LP ‘soa’ melhor, medindo pior, algo que, creio, não tem discussão, porque é imediatamente audível.
O mesmo se passa com os amplificadores a válvulas, sobretudo os do tipo single-ended, cuja linearidade, relação sinal-ruído e distorção harmónica são para um objetivista ‘just a bad joke’, arrastando consigo até muitos dos que defendem que ‘tudo o que mede mal, tem de soar mal…’, enquanto um subjetivista acha que são mais ‘agradáveis’ de ouvir. E são.
A solução é manter um espírito aberto e abordar as situações sem dogmatismo ou fanatismo. Neste último caso, é fácil passar da discordância saudável à violência verbal, atacando a credibilidade do oponente, sobretudo a sua formação técnica, como se só um engenheiro enólogo pudesse dar opiniões sobre vinhos, que devem ser bebidos com uma venda nos olhos, e negar a alguém até o direito de dizer que um prato de carne está mal confecionado, só porque não é cozinheiro, criador de gado ou engenheiro zootécnico.
Quando nasceu o CD, sob o manto diáfano de ‘perfect sound forever’, logo houve queixas de que algo estava errado no som, apesar das medidas serem perfeitas.
Depois, descobriu-se que não se estava a medir o jitter. Agora que o digital (DSD, DXD, etc.) está cada vez mais próximo da perfeição, eis que voltaram para o LP e para a fita analógica. Não é fácil ser prior nesta freguesia…
Qualquer sistema de som mediano reproduz música sem distorção aparente. Mas, tal como sucede nas interpretações de peças musicais por diferentes músicos, são as 'nuances' que distinguem o génio do meramente competente. ‘Nuances’ que se perdem no caldo de micro distorções que ocorrem na transmissão do sinal, umas provocadas por fenómenos de natureza física outras electro magnéticas.
Todos os cabos introduzem ruído no sinal e todos funcionam também como antenas captando ainda ruído ambiente que mascara as subtilezas interpretativas.
Ciclicamente, aparece alguém munido de um certificado de credibilidade técnica e de equipamento de medida de alta precisão que decide com a certeza de um ditador: o que mede bem, soa bem; o que mede mal, soa mal; o que não se mede, não se ouve. Cumpra-se.
E há sempre quem o siga religiosamente, porque, pensando bem, os números não são discutíveis. Mesmo que, por absurdo, nos digam que um amplificador de 100 dólares, com um circuito baseado num amplificador operacional igual ao utilizado num telemóvel, mede melhor, logo tem de soar melhor que um amplificador a válvulas SET, que não passou no teste.
E eu sei do que falo, porque, nos últimos anos, tenho publicado análises de equipamentos de áudio na revista Hi-Fi News (ver em Artigos Relacionados), que também são sujeitos a testes laboratoriais, e nem sempre os resultados coincidem, sem que o editor Paul Miller imponha o primado da objetividade das medidas sobre a subjetividade da minha opinião. Estão lá as duas perspetivas: o leitor que escolha.
Aliás, Paul Miller, que é objetivista moderado mas não é negacionista, já publicou vários artigos comparativos sobre cabos, que incluem medidas, com equipamento de alta precisão, logo, se medem diferente, não podem 'soar' todos iguais, a acreditar nos fundamentalistas…
O mesmo se passava nos primórdios da revista Audio, quando eu próprio levava os equipamentos para análise laboratorial, com recurso a um Audio Precision System One, como o Krell MD1/SBP-16X (basta clicar para abrir o pdf) que fez capa da revista Audio, Setembro de 1990, nº16, e cujo teste eu ainda assinei. Ora, eu nunca deixei que as ‘medidas’ influenciassem a minha opinião.
Ao homem o que é do homem, à máquina o que é da máquina.
Ando nisto há 40 anos, e já ouvi de tudo, e sim, também ouvi diferenças entre cabos. Mea culpa.
Mas nunca fui dogmático ou convencido de que posso impor ao leitor a minha opinião como a única válida. Sobretudo, quando se tratava de cabos, deixei sempre claro que a opinião dos negacionistas (repare que eu não escrevi objetivistas) é tão válida quanto a dos subjetivistas.
Para o provar, passo a transcrever algumas passagens de artigos publicados há 15, 20 anos em várias publicações, onde abordei o assunto de uma forma, no mínimo, bem-humorada:
Cabos, Fios E Fitas Conjugais
Jun 27, 2003 por José Victor Henriques
Já deve ter reparado que, nas fotos de catálogo, as colunas de som são fotografadas quase sempre «em pose», isto é, colocadas segundo critérios estéticos e, muito raramente, segundo critérios técnicos. E ainda com uma particularidade: os cabos nunca aparecem na fotografia. Na vida real são imprescindíveis, mas como são inestéticos...
Os fabricantes sabem que já é difícil convencer as mulheres a aceitar que maridos, amantes, filhos e irmãos lhes encham o espaço vital de colunas. Ora aquele spaghetti de cabos espalhados pelo chão só iria agravar ainda mais a situação.
Os cabos são, de facto, o componente mais polémico de um sistema de som. Há quem diga que as alegadas virtudes dos cabos não passam de banha-da-cobra e que os electrões até nem são esquisitos: tanto lhes faz percorrer um fio de candeiro comprado na loja da esquina a cem paus o metro como um fio de cobre com 99,99999% de pureza a €1.000, vestido pelo Armani com uma manga de protecção fantasista, cuja função é mais visual que acústica.
Os construtores civis devem pensar o mesmo, porque as salas com pré-instalação de áudio e vídeo utilizam tubagem com um diâmetro tão reduzido que nem as forquilhas de certos cabos, como os Transparent Audio, que eu utilizo e têm a espessura de uma mangueira de gasolina sem chumbo, lá conseguem entrar. Muito menos os filtros de rede dos Transparent que são montados em caixas de alumínio que mais parecem caixas de charutos. E pensar que a PR da Transparent Audio é uma mulher: Karen Sumner...
A situação é tanto mais curiosa (e difícil) quanto uma pesquisa conduzida por cientistas da Texas AM University provou que as mulheres não vêem só as coisas de maneira diferente dos homens, ouvem também de maneira diferente.
De facto, as mulheres não são apenas mais sensíveis às altas frequências, são-no também em relação à intensidade do som: o que para um homem é um som alto para uma mulher é ainda mais alto (refiro-me ao volume), embora curiosamente sejam mais tolerantes à dor.
Os homens gostam de ouvir música aos gritos (talvez porque estejam na maior parte surdos depois de uma adolescência passada nas discotecas), mas atingem mais depressa o limiar da dor entre outras coisas.
Por outro lado, sons rápidos e inesperados foram entendidos pelas mulheres como 'susto' enquanto os homens optaram maioritariamente por 'surpresa' (ou então não quiseram dar parte de fracos...).
Há cabos planos, que são mais fáceis de colocar debaixo da alcatifa; mas o ideal do consumidor(a) médio(a), que só está interessado(a) mesmo em que o sinal chegue às colunas, era que não fossem precisos cabos nenhuns.
A transmissão do sinal por infravermelhos para as colunas traseiras de um sistema AV não é novidade, embora os resultados sejam pouco encorajadores.
O sistema «Bluetooh», criado pela Philips (não tem nada a ver com medicina dentária), permite também a transmissão do sinal sem recurso a cabos. A tecnologia foi concebida para ligar por meios rádio telemóveis e PCs mas foi adaptada também para o hifi. Só que isso não serve os elevados padrões dos audiófilos.
Mas pelo menos já pode prometer à sua mulher que, logo que tecnicamente possível, lhe vai fazer a vontade, e que ela tem toda a razão, pois claro, sim senhora, mas que, por enquanto, querida, tens de ser compreensiva, blá, blá, e vais ter de continuar a tropeçar nos cabos durante mais uns anitos...
A verdade é que ela até já aprendeu a tirar partido da situação: quanto mais não seja gosta da ideia de que é ele que tem o pelouro de aspirar o chão da sala... por razões técnicas: 'Não vá eu desligar alguma coisa...'.
JVH, Hificlube.net, Junho 2003
O Cabo Da Vinci
Mar 10, 2007 por José Victor Henriques
Os perfumes são 90% inspiração - a embalagem e o marketing - e 10% transpiração (salvo seja!...). Os cabos de áudio também. E com algumas crenças à mistura (há quem lhes chame banha-da-cobra): as altas frequências (em áudio?!) propagam-se à superfície, logo condutores ocos fazem mais sentido (Ocos); ou que deve optar-se por condutores de secção rectangular, porque assim os electrões ficam confusos (?), e já não se dividem entre o centro e a superfície (Tara Labs)...
Mas a minha preferida é a do enrolamento segundo a espiral de Fibonacci, a sectio aurea, a proporção divina (1618…), que inspirou o Vitrúvio, de Da Vinci (Cardas) e o código do dito, de Dan Brown.
Deus utilizou-a para criar plantas, animais, insectos e o próprio homem à sua imagem. Das pirâmides egípcias aos templos gregos, da arte renascentista à arquitectura moderna, tudo se regeu a partir daí pela “secção dourada” - até a matemática: de Pitágoras e Euclides a Keppler. Porque havia de ser diferente com os cabos?
Para a ciência a qualidade dos cabos depende, não tanto dos materiais: cobre, prata ou ouro; da geometria de condutores e enrolamentos, ou da textura e cor do dieléctrico (o revestimento), mas sobretudo da correcta relação entre capacidade, resistência e impedância. Por isso, quando os leitores me perguntam qual o cabo que devem comprar, tenho vontade de responder: fio de candeeiro serve perfeitamente - o som chega lá na mesma…
Um cientista japonês afirmou ter descoberto uma fórmula química para “arredondar” os taninos do tinto, envolvendo as moléculas de vinho em moléculas de água. Ora eu, que acabei de beber ao jantar uma garrafa de moléculas do Douro, pergunto: mas há alguma coisa que substitua a mãe natureza criada por Deus?
A ciência também pode ser desmancha-prazeres, e até no áudio um pouco de crença nunca fez mal a ninguém: eu adoro experimentar cabos caros. E provar bons tintos…
Já toda a gente sabe que eu utilizo preferencialmente cabos Nordost Valhalla e Siltech (vários). Por razões opostas: os primeiros por serem neutros; os segundos por não o serem.
Pode parecer estranho, mas, por vezes, um cabo capaz de “puxar” os registos médios para a boca de cena, ao “secar” os graves, sem lhes roubar a extensão; e de “domar” os agudos, sem lhes “dourar” demasiado o brilho, como é o caso dos Siltech, pode ser uma boa solução, em especial quando se pretende aumentar o recorte, pois funcionam quase como um filtro polarizador, que realça as nuvens, leia-se nuances, ao escurecer o céu, leia-se fazendo baixar o patamar de silêncio.
E, como diz Wynton Marsalis, as nuances são tudo na música...
Nos Valhalla, cativa-me a neutralidade, a isenção e o sentido de justiça: não há discriminações pelo tom ou pela cor; não se “cortam as pernas” aos elementos mais dinâmicos do processo musical em curso e a liberdade de expressão é total, mesmo quando o que se ouve pode soar a disparate.
Por outro lado, a minha profunda admiração por estes cabos é também de natureza estética, e não me refiro apenas à beleza física, mas sobretudo à elegância do conceito que consigna em si num equilíbrio perfeito todos os elementos reputados como fundamentais para um bom resultado: oferece as vantagens dos unifilares sendo multifilar, tem o dieléctrico perfeito (ar inerte) e consegue manter a separação uniforme entre condutores em todas as circunstâncias.
JVH, Hificlube.net Mar 2007
Por Um Punhado De Dólares
Oct 21, 2007 por José Victor Henriques
Não é o que pensam os audiófilos, e muito menos os fabricantes, que exploram o sentimento de 'perda', propondo cabos de cobre 99,99999% puro, de prata e até de ouro, a preços de alta joalharia: os mais sofisticados podem custar mais de mil euros o metro!...
Além do metal de que são fabricados, há ainda o luxo de revestimentos isolantes de plástico exótico, com cores delirantes de inspiração tropical. Quanto à questão da geometria interna, para um leigo basta saber que são variantes mais ou menos mirabolantes do conceito comum de 'entrançado' ou o mais prosaico 'enrolado'.
Em termos eléctricos, o resultado depende da correcta relação entre impedância, resistência e capacidade, que se podem medir com o equipamento adequado, restando a dúvida se as diferenças se podem ouvir com o equipamento que Deus nos deu: os ouvidos, limpos de preferência.
Eu admito que prefiro certas marcas de cabos a outras, e sou capaz, ou julgo ser, de ouvir diferenças que escapam a outras pessoas, mas não arriscava a minha vida num teste cego entre cabo de candeeiro e cabo de “joalheiro”.
Se o leitor tem ouvidos de ouro para ouvir diferenças entre cobre e prata, saiba que há na Net uma oferta de 1 milhão de dólares de um tal James Randi a quem conseguir provar-lhe que os cabos Anjou a sete mil dólares o par, soam melhor que cabo vulgar da Monster, a propósito de uma crítica de Dave Clark que considerava os Anjou “dançáveis”.
Por um milhão até eu estou tentado a participar no teste. Tal como nas entrevistas antes dos grandes jogos de futebol, tenho à partida 50% de hipóteses de acertar...
JVH in Hificlube.net, Out 2007
Eppure Si Muove Ou A Vã Glória Dos Cabos
Dec 04, 2009 por José Victor Henriques
A minha relação com os cabos não tem sido fácil. Por um lado, a razão diz-me que as diferenças entre os diferentes tipos e marcas não passam de um alucinação auditiva ditada pela fé nos white papers que os fabricantes fazem subrepticiamente chegar à minha caixa de correio.
Os relatórios escritos em jargão técnico terminam sempre com conclusões extremamente positivas sobre as vantagens da utilização de uma determinada tecnologia ou arquitectura interna. A mim sempre me ensinaram que cobre é cobre (mesmo quando banhado a prata ou ouro) e que os electrões não são esquisitos: tanto lhes faz ir de lá para cá como de cá para lá (não é verdade Prof. H. Onofre?).
Pelo menos é assim com a electricidade. Ora, é sob a forma de sinais eléctricos que a música flui pelos cabos de um sistema de som até ser transdutada em energia mecânica pelos altifalantes. Por isso qualquer fio de candeeiro devia ser suficiente para cumprir a função de transmitir os sinais de um lado para o outro. Ou não?!...
Há mesmo quem diga que os cabos são um négócio da China, e eu próprio já os designei por 'perfumes do áudio'. É com os perfumes que os criadores de alta costura fazem a folha e não com aqueles vestidos espalhafatosos que ninguém compra.
Acontece que, por qualquer motivo que já desisti de tentar compreender, há cabos que 'soam' melhor que outros. Em alguns casos, a diferença é tão abissal que chega a ser embaraçosa. Podia exibir aqui os meus conhecimentos debitando palavrões como capacidade, impedância, resistência ou indutância e de como as relações entre elas afectam o desempenho eléctrico de um cabo.
Mas, tal como na religião, o mistério da fé reside em acreditar no que não tem explicação racional e evitar fazer perguntas que não têm resposta.
É um facto que a grande parte das afirmações que se fazem acerca das propriedades e características dos cabos não passam de marketing.
JVH, Hificlube.net, DEZ 2009
Termino com um link para a mais extraordinária experiência que fiz com cabos, utilizando um acessório com o nome Gaborlink, que explora o proverbial (e polémico) ‘efeito de superfície’, que podem ler aqui na integra: Gaborlink: Ciência Ou Banha Da Cobra? Ainda hoje, estou para saber…
Divirtam-se a ler e a ouvir música, quer sejam crentes ou não de que se ouvem diferenças entre cabos, mesmo através do You Tube!!...Já sei que isto não tem nada de científico, que não passa de uma demonstração de banha-da-cobra. Mas há tanta coisa estúpida na net, porque não mais esta? Tendo como fonte um telemóvel ligado a um DAC, vamos ouvir Cat Stevens em Father and The Son primeiro com um interconnect Nordost Valhalla e depois com Odin. Ele há coisas do diabo, não há?!
Demonstração da Nordost no Highend09