Fui à Delaudio Opera House ouvir ‘La Fanciulla del West’, de Puccini, numa gravação analógica Decca de 1958, que envergonha muitas gravações recentes.
É verdade que foi utilizado o suporte CD, mas a arte de Delfin Yanez, na montagem de sistemas; e a precisão do relógio de Vasco Soares permitem ir buscar ao disco o que só os engenheiros da Decca sabiam até hoje que lá estava.
As minhas audições na Delaudio começam sempre com uma boa conversa e um aperitivo. Não me refiro a álcool, claro, somos ambos abstémios, mas a um sistema de som acessível, antes da audição do sistema de referência.
Desta vez, ouvi as Monitor Audio Gold Series 300 6G (€4750), alimentadas por um amplificador/DAC Advance Paris A10 (€1790), com cablagem barata da Inakustik, tendo como fonte de streaming o delicioso Eversolo DMP A6 Master Edition (€1299).
As Gold 300 6G ganharam o Prémio EISA 2024/25 para ‘Coluna-de-Chão’, mesmo sem o meu voto, porque não tive oportunidade de as ouvir antes da votação final. O júri destacou, e cito:
‘Os altifalantes de médios e graves C-CAM, agora com a tecnologia de diafragma hexagonal (HDT) para melhorar a rigidez; enquanto os agudos detalhados e extensos do ‘tweeter’ Micro-Pleated Diaphragm III da Monitor Audio adicionam uma sensação de ar ao corpo da gama média e aos graves deliciosamente profundos da Gold 300 6G.’
E concluiu o júri:
‘É um som viciante que garantirá que as sessões de audição passam a voar.’
Estou de acordo, e assino por baixo. Vou mesmo mais longe: o segredo das Gold 300 6G reside no pequeno altifalante de médios C-CCAM de 75mm, que faz a ponte entre o tweeter MPD (uma variante do AMT) e os altifalantes de médio-graves.
A gama média tem assim uma notável transparência e definição, além de substância harmónica; e a integração entre bandas é perfeita, mesmo a curta distância. A imagem estereofónica é também notável na sua especificidade, permitindo situar cada elemento acústico no palco sonoro, amplo e surpreendentemente profundo, dependendo, claro, da qualidade da gravação.
A audição incidiu sobretudo nos ‘blues’, tendo eu deixado Delfin aos comandos da seleção musical. Assim, depois da ‘faixa de demonstração’ All About You, pela voz sussurrada de Sophie Zelmani, com percussão em fundo e a cintilante guitarra em evidência, dedilhada com aprumo e convicção; ouviu-se em sequência Saint James Infirmary, pelos The Stimulators, Silent Nite, pelos Blues Company, East Bay Woman, por Taj Mahal e Goin Away por Lightnin Hopkins. Qual deles o melhor!
As Gold 300 6G tocaram com e sem o apoio do subwoofer da REL T7X (€1199). Para uma coluna tão elegante e esguia, a resposta de graves das Gold 300 6G desce aos 36Hz com facilidade e sem perda de definição e articulação, além de manter o excelente sentido rítmico.
O REL, com a frequência de corte centrada nos 35Hz, melhora a base de apoio tonal, conferindo mais peso e autoridade aos graves até aos 25Hz, à custa de algum recorte e de densificação das vozes, sobretudo masculinas.
Contudo, Delfin Yanez argumentou que a maior extensão do REL permite também uma melhor ligação entre as notas baixas, potenciando o fluir da música, logo do encadeamento ou sequência rítmica. E talvez tenha razão. Mas o subwoofer não é uma condição sine qua non aqui, pois no conjunto a Gold 300 6G é uma coluna tonalmente muito equilibrada.
Se notar algum brilho excessivo com discos mais agressivos, basta apontar as colunas para o vértice de um triângulo virtual à frente do ponto de escuta, conforme sugerido pelo meu colega Paul Miller, na sua análise de laboratório.
Neste caso, Delfin Yanez considerou esta solução desnecessária neste sistema. Mas, no sistema de referência, as MA PL500 II estão colocadas com forte ‘toe-in’, e os resultados, como veremos, são pouco menos que assombrosos.
De La Fanciulla del West a Deep Purple
Um dos hóbis de Delfin Yanez é comprar primeiras edições (não-remasterizadas) de CD em segunda-mão, sobretudo de música clássica para comparar as interpretações da mesma obra dirigidas por diferentes maestros e tocadas por diferentes orquestras, sempre na busca do que designa por: a interpretação perfeita.
Como Delfin não sabe ler partituras, para ele a interpretação é tanto mais perfeita quanto, e cito, mais ‘agarra’ o ouvinte e o leva a seguir a ’narrativa’ do compositor, cuja obra é como uma história que nos pretende transmitir.
Ora, a ‘história’ que nos contam deve-nos manter sempre atentos e interessados, e isso depende muito do maestro, das orquestras e dos sistemas de som; e até dos discos e da forma como respeitam o tempo e o ritmo, os tons e os timbres, não em termos de agudos, médios e graves mas de notas com significado.
É o caso de La Fanciulla del West (‘A Rapariga do Oeste’), uma ópera de Puccini situada no tempo da corrida ao ouro, no velho Oeste americano (ver foto de capa na abertura do artigo).
A gravação da Decca é dos primórdios do estéreo (1958). No registo, foi utilizada a famosa ‘Decca Tree’: um conjunto de 3 microfones Neumann montados em T e colocados a três metros de altura sobre a orquestra, com o par estéreo separado por dois metros e o terceiro altifalante ao centro, cerca de um metro e meio à frente do par estéreo, para maior estabilidade do foco no centro do palco; a que se juntam mais dois microfones laterais para ‘abrir’ a imagem’ e microfones individuais para os cantores.
O resultado é uma imagem estereofónica tridimensional, com incrível sensação de presença e extraordinária profundidade e amplitude. Só para ouvir este disco no sistema de referência, vale a pena ir à Delaudio.
‘Eu não quero saber de sons, a música ou tem vida (e história), ou não vale a pena perder tempo a ouvi-la.’ Delfin Yanez.
Os Deep Purple em fogo
Mas Delfin Yanez tem sempre alguma surpresa na manga, e fechámos a audição, com um disco que ‘embalou’, ou melhor, ‘abanou’ a minha juventude: ‘Deep Purple in Japan’.
Lembro-me de ouvir este disco centenas de vezes com uma gira-discos Technics, um amplificador Sansui e umas colunas Akai, daquelas com grelhas de madeira trabalhada (ou já seria plástico?).
Pois, nunca ouvi o famoso riff de Smoke on The Water, como aqui. O riff é construído com base numa série de quartas paralelas em estilo blues-rock, com um som marcante e enérgico, explosivo mesmo, ou a história não fosse sobre um incêndio, a partir de acordes de potência formados por duas notas: a fundamental em Sol e Si Bemol e as respetivas quintas: Ré e Fá, que nos deixam pregados à cadeira e alerta. A ausência das terceiras nos acordes confere ao som um caráter incisivo e vivo, como Delfin Yanez gosta, e eu passei a gostar:
‘Eu não quero saber de sons, a música ou tem vida (e história), ou não vale a pena perder tempo a ouvi-la.’ Delfin Yanez.
Não perca tempo, vá ouvir as histórias da música na Delaudio.