Soube pela revista Audio que faleceu Holbein Menezes. Nunca me encontrei com ele. Fomos contemporâneos na revista Audio, e conhecíamo-nos pela leitura recíproca de artigos sobre alta fidelidade. Holbein tinha algumas ideias radicais sobre áudio, que levava à prática, e defendia com erudição.
Na passagem do seu 80º aniversário, em junho de 2003, publiquei um elogio que Holbein adorou, e ficou logo ali prometido que o voltaria a fazer no 100º aniversário, promessa que não cumpri, tendo deixado passar a data de junho de 2023, pelo que me penitencio por isso:
80 anos. 80 anos? 80 anos! 80 anos...
Somos todos iguais e feitos à semelhança de Deus.
Deus por vezes capricha e alguns são mais iguais (a ele) que outros. São os raros eleitos.
Nunca conheci Holbein. Mas para mim ele corporiza o aforismo pessoano de que tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
Que esta alma grande como o mundo tenha dedicado a vida à música e à busca incessante do Graal Sónico, só pode ter sido um desígnio divino.
Ele é o incontestado Grão-Mestre da audiofilia lusa: viveu no tempo do 78 rpm, acompanhou todo o percurso do LP, viu nascer o CD, o DVD e o SACD.
Será dele a melhor crónica sobre o lançamento comercial do Blu-ray - dentro de cinco anos na audiodicas...
José Victor Henriques, um seu admirador
Nunca achei que o texto fosse assim tão especial, a não ser pelo jogo de pontuação na abertura, mas Holbein gostou tanto que me sugeriu que escrevesse um texto sobre as Bodas de Diamante (60 anos) do seu casamento com Jarina, de origem portuguesa. Dessa vez caprichei, como dizem os brasileiros, e publiquei o seguinte:
Os diamantes são eternos
A Holbein e Jarina
Holbein e Jarina casaram, faz hoje 60 anos, no altar da música à luz das válvulas, tendo como padrinhos Brasil e Portugal, outrora separados pelo mar de lágrimas salgadas e hoje unidos pela língua comum num beijo de saudade sem fim.
Foi o amor - o fogo que arde sem se ver, cantado por Camões -, que o tempo cultivou e fez crescer nos seus corações, qual espiga dourada na seara da vida, que lhes acalentou a alma na longa travessia do som agreste da era do transístor.
Hoje os “0” e “1” do código digital binário são o côncavo e o convexo que Roberto Carlos cantou, as duas partes que se completam para formar o ser mítico perfeito, o “Graal” da divina inspiração que reis e soldados, sábios e artistas procuraram durante séculos sem sucesso.
Porque o “Graal” não é um objecto, é um sentimento de plenitude.
Holbein e Jarina encontraram-no e souberam guardá-lo com paixão durante 60 anos.
É esta união abençoada por Deus, tal como o país tropical e bonito por natureza em que moram, que os vai da lei da morte libertando.
Viva os noivos! Que sejam muito felizes.
Lisboa, 26 de Maio de 2005
José Victor Henriques
P.S. Uma saudação muito especial para Dona Jarina, pois não é fácil viver 60 anos apaixonada por um audiófilo...
Holbein com a filha mais nova Holdarina
Quanto ao elogio do 100º aniversário, que nunca terminei, cheguei a enviar-lhe um esboço subliminar, inspirado no facto de Holbein ter também o apelido de Oliveira, uma árvore que pode durar mil anos, quando da última mensagem que trocámos em 19 de Abril de 2021.
José Vitor Henriques: acabei de citar o seu ilustre nome, aliás mais ilustre do que profetizador: em face daquele descuido seu quando vaticinou que 'eu sou a prova de que a eternidade é possível'.
... ainda que fosse possível em condições normais - em razão da pandemia que nos ameaça a todos e, distintamente, aos anciãos já quase centenários - vivemos cá no Brasil condições anormais quiçá fatídicas para não dizer criminosas.
... e especialmente neste desgraçado Brasil de Bolsonaro!
Citei seu douto antropônimo ao publicar na Minha Linha do Tempo deste Face aviso no qual informo aos meus poucos leitores de que, após a minha morte, continuarei a divulgar textos sob o pseudônimo de Amaral Lima; é que tenho tido a sorte de 'descobrir' coisinhas interessantes sobre a arte da reprodução eletrônica do som musical.
Arte porque é emoção e a emoção humana, segundo seu conterrâneo neurocientista, António Damásio, "... não se reduz ao prazer sexual ou ao pavor dos répteis.
Tem a ver, igualmente, com o horror de testemunhar o sofrimento e com a satisfação de ver cumprida a justiça; COM O NOSSO DELEITE FACE AO SORRISO SENSUAL DE JEANNE MOREAU ou à beleza das palavras e ideias da poesia de Shakespeare etc. etc." esquecendo-se Damásio do estado de deslumbramento em que ficamos, nós os musicistas, os audiófilos e até os audiotas ao ouvir os '48 Prelúdios e Fugas' de John Sebastian Bach via um auscultador eletrostático.
São quatro pianistas, duas mulheres e dois homens, e 48 locais de gravação, diferentes - portanto acústica diversa -, usando-se duas marcas de pianos e...
Em cada prelúdio e em cada fuga o som do piano É PLURAL; não há alta-fidelidade, existe extrema diversidade.
Os meus textos, enquanto defunto, tratarão disso; e não posso esconder o prazer que eu experimentaria se minhas cinzas pudessem ler os comentários.
A finitude deveria ser abolida porque é tão desgraçada quanto a fome.
HIFICLUBE.NET- José Victor Henriques
Holbein, querido amigo, só podia ser Oliveira - que as há, milenares...Por este andar, serei eu a ler os seus escritos no Além, e não o contrário. Grande abraço!
Entretanto, soube hoje, por Jorge Gonçalves, que Holbein só faria 100 anos em março deste ano, pois contava a idade pela data de conceção e não de nascimento, pelo que não incumpri na minha promessa. Fraca consolação, quando se perde alguém que admiramos e a quem gostaríamos de ter agradado em vida – não na morte.
Que descanse em Paz, Mestre Holbein Menezes. Agora, sempre que olhar para uma oliveira milenar – que as há muitas em Portugal – vou lembrar-me de si, porque dos seus ensinamentos nunca mais me esquecerei.
R.I.P.