JVH fecha a reportagem em Português com artigo polémico, depois de ter navegado pelo mar de Munique numa caravela inglesa.
O High End, de Munique, já foi considerado como o maior ‘show’ sobre a Terra – e também o melhor. Não há nada parecido, em lado nenhum. Os outros ‘shows’ ou são circunscritos aos quartos de um hotel, ou são do tipo FIL e dedicados à electrónica de grande consumo.
Apenas no MOC é possível conciliar ambas as abordagens, embora até isso vá acabar, porque consta que a BMW comprou o MOC para lá instalar os seus escritórios, e não vai ser fácil à organização encontrar outro espaço igual, embora o próximo High End 2017 esteja já marcado para 18-21 de Maio no MOC.
Será que vamos voltar ao ‘hifi among de trees’, do saudoso Kempinski, de Frankfurt? Dificilmente, porque o High End cresceu demasiado (500 expositores, 1 500 marcas, 20 000 visitantes) e não há nenhum hotel que comporte tanta gente (só se for um resort com vários hotéis).
Talvez a Feira de Berlim, mas aí já se realiza a IFA; ou a Feira de Frankfurt, onde se realiza a Feira do Automóvel. Em ambos os casos, se os custos agora já são elevados (10 mil euros por um cubículo), passariam a ser incomportáveis para os pequenos fabricantes e distribuidores.
E a tradicional opção por um hotel está fora de questão, como prova o ‘flop’ do certame paralelo ‘HiFi Deluxe’, no Marriott, que nem com a entrada gratuita atrai visitantes. Eu fui lá uma vez e não voltei.
Vamos esperar que não passe tudo de especulação e que o High End 2017 não seja o último no MOC, de Munique.
No MOC há de tudo: muito espaço aberto, dividido em lotes com stands e ruas com nomes como Ella Fitzgerald e Dave Brubeck, salas individuais grandes e pequenas, e até auditórios em contentores. E também átrios espaçosos para se poder respirar e pausar. E restaurantes, bares, no interior ou ao ar livre, onde se bebe cerveja, se comem salsichas e se mata o vício do tabaco (e o viciado), músicos ambulantes, concertos espontâneos (contratados), ampla sala de imprensa com internet (lenta), café (mau) e lanche (pobre), bom apoio de transportes (gratuitos) e guarda de bagagens (paga). E muitas casas de banho (razoavelmente limpas)…
De resto, está lá tudo e estão lá todos: centenas de produtos novos, ou nem por isso, muitos repetem-se de ano para ano, coisas exóticas, que são uma festa para a imprensa generalista e especializada e profissionais de todo o mundo, os tais que impulsionam os negócios e justificam o investimento. Este ano até havia uma área reservada para as Start-Ups do áudio…
E milhares de visitantes de todos os grupos sociais e etários da região bávara e do resto do mundo – casais, pares de namorados hetero e homo assumidos, como Jason Victor Serinus (Stereophile) e o marido (eu sou mais conservador: fui com a minha mulher), grupos de amigos e famílias inteiras passeiam-se por lá como quem vai ao zoo com as crianças e o cão. Menos este ano, porque o tempo estava óptimo e a abertura caiu no dia de Nossa Senhora da Assunção, que é feriado (Munique é uma cidade muito católica, Bento XVI foi lá Arcebispo) e os alemães também fazem pontes…
Fazer a cobertura exaustiva de um evento destes é uma tarefa quase impossível. Vai falhar sempre algo ou alguém. Como aconteceu.
As abordagens possíveis são múltiplas e variadas: publicar milhares de fotografias sem edição nem comentários, como Leo Yeh, da My-Hiend; filmar tudo apenas e publicar em vídeo no You Tube, sujeito a ser bloqueado, ironicamente logo na Alemanha, por violação de copyright (já me aconteceu), como os brasileiros da HTForum; seleccionar só os produtos novos e mostrar fotos com legendas descritivas, como os ingleses da HiFI+ ou da WhatHifi; seleccionar apenas o que tem interesse comercial para a revista e publicar com descrição breve (Doug Schneider, Soundstage), baseada em press-releases (HIFI Pig e Enjoy The Music), ou com opinião apropriada à agenda do próprio jornalista, como os americanos da Stereophile.
Ou, então, tentar como o Hificlube, quiçá sem sucesso, um misto de todas estas abordagens de forma a chegar primeiro aos leitores com as fotos (em formato slideshow); publicar mais tarde com tempo fotos seleccionadas e legendadas (highlights) ou galerias temáticas; e, finalmente, publicar vídeos com som ‘ao vivo’ e classificá-los, o que é sempre polémico para os distribuidores, embora na Alemanha as conjugações de marcas sejam diferentes, e motiva os leitores que gostam de ‘opiniões’ e de ‘guerras’, como no futebol (room with a view to the music).
Se houvesse um espaço televisivo, no qual os ‘críticos de áudio’ confrontassem a sua opinião sobre o que viram e ouviram em cada sala, o resultado não seria muito diferente do que acontece após cada jogo do campeonato, com o habitual cortejo de conflitos e com o público em casa, que quantas vezes nem (ou)viu o jogo, a tomar partido por um ou por outro dos contendores.
Faltas com ou sem benefício de dúvida, foras-de-jogo (ou de-fase, neste caso), faltas descaradas, como células mal montadas e colunas mal ligadas durante dias, segundo relatos insuspeitos, a que os jornalistas alegadamente fizeram ‘ouvido grosso’, em detrimento de equipas que tocaram muito melhor e mereciam ganhar; e marcas que só podem ter sido favorecidas por motivos obscuros ou interesses comerciais e até corrupção e ‘jogo da mala’…
A acústica das salas é má, as condições de audição em espaço público nunca são as melhores, os sons de umas salas misturam-se com os das outras, o local onde nos sentamos (quando não ficamos mesmo de pé…) influenciam irremediavelmente aquilo que se ouve e como se ouve, que é muitas vezes descaradamente fácil de reproduzir, evitando-se discos ‘difíceis’.
No fundo, o pobre do crítico decide muitas vezes ‘por palpite’, como os árbitros; ‘por convicção’, ou gosto pessoal como qualquer comum mortal; ou, pior ainda, porque alegadamente deve ter uma ‘agenda’ própria e é ‘fã’ desta ou de outra marca de colunas.
Um penalty a favor da nossa equipa é sempre bem marcado; contra já é mais difícil de engolir…
No meu caso, mesmo sabendo que o que estou a ouvir num show raramente caracteriza a verdadeira qualidade de som de um sistema ou componente, sobretudo colunas, tento abstrair-me, porque sei muitas vezes aquilo de que o sistema é capaz em circunstâncias acústicas ideais, por já o ter ouvido em outro lugar. Mas é ali, naquele ‘momento’ e ‘espaço’ e naquelas circunstâncias, que tenho de dar a minha opinião.
É um pouco como o árbitro que tem de decidir no momento, correndo o risco de errar, ou de mudar de opinião sem remissão, quando finalmente tem oportunidade de ‘rever o lance’, no auditório do distribuidor ou em casa, com calma e discos conhecidos e outro equipamento complementar. Felizmente, a gravação dos ‘lances’ em vídeo prova muitas vezes (mas nem sempre) que a decisão foi correcta.
Isso e o facto de termos talvez os distribuidores com maior desportivismo do mundo, com os quais dá gosto colaborar. Porque sabem que tentamos ser isentos e não olhamos a cores clubísticas. Somos adeptos apenas de um único clube: o HIFICLUBE!