O espaço de exibição e demonstração geral estava dividido por dois edifícios distintos: o Hotel, propriamente dito, que ocupa o Palácio do Marquês de Valle-Flôr; e as cavalariças do dito marquês, que provaram ser dignas de albergar alguns dos melhores (e mais caros) sistemas de som actualmente à venda em Portugal.
O Marquês, de seu nome, José Luís Constantino Dias, fez fortuna em S.Tomé e Príncipe com o cacau. Ironicamente, hoje é também preciso ter muito “cacau” para comprar a maior parte dos grandes sistemas de som em exibição na nobreza deste monumento nacional.
Enfim, não sendo esta a primeira vez que o Audioshow aqui se realiza, nada disto é novidade para os leitores habituais do Hificlube. E, tal como nos anos anteriores, o “show” pautou-se como mais um notável exercício de profissionalismo, paixão e entusiasmo pelo áudio, como já não existe em lado nenhum do mundo, nem mesmo nos países onde fomos beber a cultura que lhe deu origem.
É verdade que em Lisboa estou a jogar em casa, mas sinto-me sempre bem no Audioshow, porque estou com a gente da minha terra, que sempre me dispensou amabilidades, incentivos, elogios e críticas, pois é meu e vosso este fado, destino que nos amarra, por mais que seja negado.
De uma maneira geral, o que os leitores pretendem é saber a minha opinião sobre qual o melhor amplificador, colunas, gira-discos, etc. No fundo, o que querem mesmo é que eu diga preto no branco qual foi o “Melhor Som”, ponto final. Porque é a polémica suscitada pelas diferenças de opinião que “vende”, não só os produtos mas também “papel”, neste caso virtual.
Ainda não sei por onde vou, só sei que não vou por aí, não porque não tenha uma preferência por este ou aquele sistema, mas sobretudo porque não pretendo contribuir para as “rivalidades” e o “clubismo” que alimentam as boas e as más-línguas nos meios audiófilos nacionais.
Deixo isso para os fóruns e blogs onde, sob a capa do anonimato, se digladiam os actores deste pequeno teatro à beira mar plantado. Optei por publicar opiniões individualizadas, fundamentando-as com factos (registos de som e imagem), e evitando relacioná-las entre si. Não é possível comparar alhos com bugalhos.
Vou assim refugiar-me no princípio de que não se deve julgar como igual o que é diferente, em termos de: forças em presença, preço e dimensão de componentes e sistemas em demonstração e volumetria das salas, programas (discos e ficheiros áudio); e condições de audição: conforto, acústica, luminosidade, ruído ambiente, posicionamento (das colunas e do ouvinte), atendimento aos visitantes e comportamento dos ditos (os que atendem e os que visitam) e, muito importante, o estado de espírito do ouvinte que varia ao longo do dia, de ontem para hoje, quem sabe, amanhã, porque um dia não são dias.
Muitas vezes são os próprios distribuidores que nos tentam condicionar logo à entrada: se não fosse a maldita reverberação da sala, ou o pé-direito (altura do tecto), o soalho que vibra e o pouco tempo para afinar...; ou, acrescento eu: a porta que range, o fru-fru de casacos e sacos de papel, a conversa persistente, o miúdo que desabafa, que seca!, pai vamos embora, o guarda-chuva que cai com estrondo a meio de um pianissimi virtuoso. É a vida, estúpido!
De facto, o que interessa é que há vida para além do áudio, do som, do negócio, das vendas que estão fracas, dos preços que estão fortes. E se havia vida e alegria no Audioshow. E alguma frustração, porque as uvas estão verdes e não prestam, pois estão fora do nosso alcance...
Já uma vez referi aqui que há um “hifishow” no Japão, onde todos os sistemas são demonstrados no mesmo palco e com os mesmos discos, perante uma plateia imóvel. Parece-me uma solução demasiado radical, embora já tenha assistido a algo do género em Munique em testes comparativos de colunas. Para concluir que bastava mudar de lugar na sala para ter uma opinião completamente diferente. Dá sempre o que é costume: som. Mas, ao contrário da lágrima de Gedeão, não é indiferente ouvir de frente ou de lado, a quente ou a frio.
Ainda não há nada que chegue ao verdadeiro espírito audiófilo de “turista acidental”.
De saco ou mapa na mão, máquina fotográfica à tiracolo, isolado, em grupo ou em família, parte-se à descoberta do tesouro, do Graal Sónico, que nos irá fazer felizes para o resto da vida, percorrendo corredores, abrindo (e batendo) portas: espreita-se, entra-se, fica-se por ali à conversa com amigos ou outros entusiastas, que sempre se encontram nestes acontecimentos mundanos e com os quais se partilham ou esgrimem opiniões, que fui registando de memória auditiva e processando mentalmente.
Ouviste as Marten Supreme? Uau! Quanto?! Caramba! Odeio pobre, como dizia um cómico brasileiro. Se me saísse o euromilhões...E os Pink Floyd na Imacústica? Ena, pá!, aquilo é um relíquia sagrada, até me deu vontade de rezar. E o design das Estelon Extreme? São estonteantes estas estonianas. Conseguiste contar quantos tweeters têm as colunas da McIntosh?...
Ah!, e aqueles olhos azuis, as agulhas que dançam ao som da música...Raidho? Raio de quê!? Mas tocam bem, sim senhor. E o sistema da Absolut? Nada mau pelo preço, hã? Fui ao Correio-Mor mandar uma carta de amor à Sasha e dei com ela (bem) casada com o Dan. E o prazer de ouvir as Focal, no belíssimo Foyer Beau Séjour, com a ponte lá fora recortando-se na janela ao pôr-do-sol, o mastro de um barco à vela deslizando subtil pelo palco sonoro?...
Pois bem, na Parte 3, sob o título genérico “JVH na sweet spot”, iremos apresentar “Audições Selectivas”, com registos digitais ao vivo que, melhor do que eu, farão prova de que, sendo os sistemas todos diferentes, na estética, no tamanho e no preço, alguns são mais iguais do que outros, logo são muito diferentes.
No áudio como na vida: life is a bitch and then you die...
Não perca o próximo capítulo: JVH NA SWEET SPOT- Episódio 1: IMACÚSTICA