No ambiente ‘turístico’ do belíssimo Hotel Pestana Palace, onde se realizava o audioshow, nem todas as centenas de pessoas seriam ‘audiófilos puros e duros, ‘fanáticos’ do som que falam entre si numa linguagem quase cifrada, que os ‘leigos’ não dominam nem entendem.
Para eles o evento é apenas uma boa oportunidade para passar um fim-de-semana diferente com a família e os amigos, do mesmo modo que poderiam ter ido – e se calhar até foram depois – à Semana Gastronómica ou ao Museu dos Coches.
O hotel está instalado no Palácio do Marquês de Valle-Flôr, de seu nome, José Luís Constantino Dias, que fez fortuna em S.Tomé e Príncipe com o cacau, e até as cavalariças são dignas de albergar alguns dos melhores (e mais caros) sistemas de som actualmente à venda em Portugal.
O palácio original foi construído no princípio do século XIX, segundo projecto do arquitecto veneziano Nicola Bigaglia, e é um misto de Romantismo e Revivalismo, com forte influência francesa patente na opulência dos tectos decorados com pinturas de Domingos Costa, dos vitrais, das madeiras exóticas do soalho e do mobiliário.
A beleza arquitectónica do monumento nacional e o ambiente romântico e confortável do hotel e dos jardins explica – em parte – a grande afluência de público ao audioshow, sobretudo no Sábado, que nunca teve tantos visitantes ‘leigos’, ou ‘audiófilos acidentais’ como nos últimos anos.
Pela nossa parte, a divulgação que temos vindo a fazer ‘cá dentro’ (audioshow 2013, audioshow 2014, audioshow 2016) e ‘lá fora’ (Hifi+ Lisbon audioshow 2016) terá tido alguma modesta influência.
Aliás, não temos feito outra coisa durante quase 30 anos, na imprensa especializada e generalista e na rádio, ao contrário de algumas ‘aves de arribação’ que tão depressa aparecem como desaparecem…
Mas isto não explica tudo. Há um genuíno interesse pelo áudio, sobretudo o ‘highend’, que atrai a maior parte dos visitantes, que não se importam de esperar na fila da Imacustica para ouvir equipamentos que ironicamente estão à sua disposição o ano inteiro na loja de Lisboa para audição em condições óptimas, acústicas e de conforto.
Porque será? Eu creio que é a sensação de comunhão com o grupo e de ‘livre arbítrio’ individual: ouvir sem compromisso, sair sem precisar de pedir desculpa e poder comentar depois com os amigos.
Na loja, por muito simpático e descomprometido que seja o atendimento – e é, posso garanti-lo – a pressão da venda está sempre latente, quando 90% dos visitantes não só não tem capacidade financeira para assumir a compra como não tenciona de facto comprar e por isso falta-lhe a ‘coragem’ para entrar. Nada tema: no áudio os woofers abanam mas não mordem, e vai ter a surpresa de um tratamento VIP, mesmo que não pretenda comprar nada.
Não é por acaso que alguns distribuidores, que dispõem de bons auditórios em Lisboa, como a Ajasom, Imacustica e Ultimate, por exemplo, prolongam a ‘festa’ do audioshow com iniciativas de ‘open-day’ durante os fins-de-semana seguintes.
Seja como for, é este o único caminho para evitar a extinção da tribo audiófila quase toda acima dos 50 anos. Cativar os jovens e as mulheres, que têm uma importante palavra a dizer quando se trata de aceitar a entrada lá em casa de umas colunas de corneta como as Avantgarde, que exigem, além de muito dinheiro, muita diplomacia…
Dentro deste espírito, esta crónica é quase um roteiro turístico da exposição, escrita numa linguagem acessível, quase coloquial, que antecipa as análises mais técnicas com recurso a vídeos e registos de som digital obtidos ‘ao vivo’.
Nota: apenas nas salas dos distribuidores presentes que são também sócios do Hificlube e que fizeram demonstrações activas: Ajasom, Delaudio, Imacustica, Smartaudio/Esotérico, Topaudio e Ultimate Audio, não necessariamente por esta ordem. Todos os outros, com a nobre excepção da Support View, que ignoram e não apoiam o nosso trabalho durante todo o ano, não podem depois exigir tratamento preferencial durante o audioshow - muito menos deferencial.
Audioshow 2017 – quadros de uma exposição
Ajasom (Sala Ajuda III)
É o distribuidor nacional da McIntosh e da Vivid Audio, o que por si só proporciona aos visitantes uma exposição de arte moderna. O desejo de posse é imediato, mesmo antes de ligar os equipamentos...
Nota: abra aqui o teste do MC275 50th Anniversary
Mas a vedeta da companhia – as colunas Audiovector R11 Arreté - estava em demonstração activa com amplificação Nagra HD. Um som puro e cativante que prendeu muita gente ao seu sortilégio, eu incluído. O melhor som de sempre da Ajasom em audioshows.
Conversei com Ole Klifoth, da Audiovector, e encontrei um homem afável, extremamente culto e encantado com o país e as suas gentes.
Ars Antiqua Audio (Sala Lusitano I)
Um distribuidor espanhol com o qual não tenho qualquer relação profissional ou comercial. Passo sempre por lá e sou tratado como qualquer outro visitante: oiço um pouco, faço umas fotografias e saio. Até porque as colunas Diesis ficam sempre bem na foto.
Também representam a famosa marca de amplificadores a válvulas Kondo. A sala era demasiado grande e teria sido mais adequada para colunas de grande porte, como as Alexx.
Audio Team (Sala Bemposta)
Jorge Alves é um dos que sempre acreditou que o LP veste de preto porque tem estado à espera do funeral do CD. E parece que tinha razão: o LP está de novo na moda e o CD vai ser substituído pelo streaming…
‘No lado B’ mostrou a colecção de pequenos rádios de mesa e despertadores Ruarkaudio, com reprodução USB de ficheiros WAV e FLAC.
Autumn Leaf Audio (Sala St.Catarina)
Numa pequena sala atarracada, reproduzia-se com irónica alacridade ‘The great gig in the sky’, dos Pink Floyd - em LP! - com colunas Alacrity Audio, perante um público jovem em transe,'If you can hear this whispering you are dying', que ainda não tinha nascido quando o disco foi editado. Alguns provavelmente nem sabiam que o LP ainda existia. ‘All that goes round comes around’…
Belmiro Ribeiro (Sala Ajuda II)
O esplendor da imagem OLED 4K, em colaboração com a nova tendência ‘streaming’ de áudio, representada pelas marcas da Esotérico/Smartaudio: Bluesound, EC Living, Naim MuSo e Venz.
Bowers&Wilkins (Sala Paso)
Uma marca à qual estou sentimentalmente muito ligado, tendo conhecido pessoalmente John Dibb. O som para mim também são as pessoas. Senti a falta do meu amigo Zé Filipe (Viasónica). Nem só de música vive o crítico.
Apenas como curiosidade: o video com mais visionamentos no nosso canal do You Tube tem como protagonistas a B&W e a McIntosh: 143.626! Para um tema tão pouco apelativo nas redes sociais como o highend é obra. Ainda se fosse a Maria Leal a cantar em vez do Carlos do Carmo...
Delaudio (Sala Alter Real)
Delfim Yanez é um dos decanos da geração audiófila de setenta. A sua busca do Graal Sónico consiste em reproduzir sons sem os desfasamentos temporais que confundem os timbres, os naipes e os planos, transformando tudo numa amálgama sem nexo.
Utiliza todos os tipos de música, mesmo a partir de discos comprados na feira por 1 euro. Com amplificação Pass e colunas Raidho C2.1, brindou-nos com um dos grandes sons do audioshow 2017, num ambiente calmo e confortável: bem fofo o sofá!...
Diplofer (Sala Galveias)
É o representante de duas grandes marcas alemãs: os giradiscos Transrotor e a electrónica Burmester, dois ícones do Highend Show, de Munique. Quando entrei, ouvia-se as Danças Sinfónicas de Rachmaninoff através de umas colunas Apertura Armonia, com tweeter de fita (ribbon).
Exaudio (Sala Foz)
Um ‘player’ – literalmente – empenhado da cena audiófila nacional, que distribui algumas marcas famosas, como a Audionote, ATC e Stax. O portfolio de marcas é vasto, tendo exibido numa das salas as colunas Manger, que utilizam um transdutor de médio-agudo, no mínimo, exótico, com amplificação Perreaux e uma fonte digital Merging+Nadac.
Imacustica (Sala Campolino e Correio-Mor)
O principal – e um dos mais antigos e fiáveis – importador de equipamento de som highend em Portugal. Há mais de 30 anos que trabalhamos juntos na divulgação do highend.
A Imacustica tem raízes no Porto, mas também tem loja em Lisboa, com excelentes auditórios onde pode ouvir, em boas condições acústicas e de conforto, tudo aquilo pelo qual teve de fazer fila no audioshow – e muito mais.
As salas da Imacustica são sempre uma das principais atracções do audioshow, tanto na Sala Campolino, onde se exibiram a alto nível, perante um público rendido e persistente (havia quem saísse e voltasse para a fila, o que diz tudo…), as colunas Wilson Audio Alexx, com amplificação Dan’Agostino Progression, fontes dCS e AirForce Two.
No final de Domingo, o som estava no ponto e os LPs de Guilhermino Pereira ganharam finalmente pontos na minha tabela. A minha empatia com este sistema é compreensível, pois tive o prazer de testar os principais componentes para a revista Hifi News. O da Allex já podem ler aqui.
Quanto ao do Progression, vão ter de esperar pela revista de Abril ou Maio, mas, entretanto, podem conhecer a minha opinião aqui.
Na Sala Correio-Mor, no edifício principal, a bola dourada Devialet Gold Phantom fazia a guarda de honra à entrada.
O workshop de Dennis Bonotto sobre cabos Nordost esteve sempre esgotado e tinha como grande novidade as Sonus Faber Tradition Serafino. Um show de arte e magia.
No extremo oposto, uma orquestra dirigida por Ricardo Polónia, composta por um par alvo e puro de colunas Magico S1 MkII, alimentadas por electrónica Constellation Inspiration, que também já testei para a HiFi News aqui.
Nota: no fim de semana de 10-11 de Março (loja de Lisboa) e 24-25 Março (Porto), a Imacustica vai realizar o tradicional Imashow, com 3 auditórios, nos quais podem ouvir de novo os amplificadores Progression, desta feita com colunas Magico M3; e também as Wilson Audio Yvette com amplificação Constellation. E também as maravilhosas Sonus Faber Serafino com amplificação Audio Research.
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Mind the Music/Linn (Sala Monteiro-Mor)
O Domingos é um amigo de longa data. A Linn também a conheço há demasiados anos, o que talvez signifique que andamos ambos ‘nisto’ há tempo demais.
Outra marca que se isolou no seu casulo de exclusividade e se afastou incompreensivelmente da esfera de acção do Hificlube, o único meio de comunicação nacional que, além da revista Audio, trata com conhecimento de causa e reconhecimento internacional de temas audiófilos.
A Linn, que é uma excelente marca escocesa, mantém a sua política de exclusividade, que obriga a demonstrações de marca única, às vezes regadas a uísque de malte de 40 anos, como aconteceu em Paris (o uísque desta vez estava lá mas era só uma amostra...).
Em Lisboa, a Linn exibiu:
Fontes:
Linn Klimax DSM Katalyst (nova arquitetura de DAC)
Linn Klimax Sondek LP 12
Amplificação:
Linn Akurate 4200 (2 unidades)
Linn Akurate 2200
Reprodução:
Linn Akubarik Passive
O sistema estava ligado em modo Aktiv analógico. As colunas estavam a ser alimentadas sem o crossover interno com cartões electrónicos dentro das etapas de potência.
My Hi-Fi House (Showroom)
Carlos Moreira, um dos mais antigos protagonistas da cena audiófila nacional, volta ao activo com marcas de qualidade que ‘mudaram de camisola’: GoldNote e Moon Simaudio. A sala onde pontificavam as colunas Goldnote XS85 estava a abarrotar de gente entusiasmada. O caso não era para menos: o som estava bom, forte, rápido e controlado.
Cá fora, gritavam-se uaus! espantados de todos os que ouviam a tecnologia planarmagnética dos auscultadores Audeze pela primeira vez.
Nota: os leitores podem ler aqui e aqui testes do Hificlube aos auscultadores Audeze, com a ressalva de que eram à data de publicação distribuídos por outra empresa nacional, a UAE.
Smartaudio/Esotérico (Foyer Beau Sejour)
Alberto Silva deu uma volta de 180° à sala, colocou um par de colunas Dynaudio Confidence Platinum C4, alimentadas por electrónica Electrocompaniet, no lado oposto à janela, que dá para o rio, e ‘sacou’ o melhor som de sempre no Foyer Beau Sejour: estável, coeso, com excelente timbre e imagem, com o grave sob controlo. Gostei. Muito.
Topaudio (Sala Independência)
Houve quem considerasse este o melhor som do audioshow. Os amplificadores a válvulas têm este efeito sobre as pessoas. Chama-se eufonia. Eu acho que não houve este ano um ‘melhor som’ claro no audioshow, porque todos os sistemas apresentaram virtudes (muitas) e defeitos (poucos), como terei oportunidade de analisar nos próximos capítulos, numa linguagem mais técnica.
As Ubiq Model One não serão a coluna ideal para casar com um amplificador a válvulas de baixa corrente, por exemplo. E explicarei porquê. Mas por vezes há milagres. E foi isso que aconteceu: um milagre com a cumplicidade do Chord Dave e dos cabos Audiofidem. Muito bom.
Ultimate Audio Elite (Salas Lusitano II e
Ajuda I)
Aquilo a que assistimos na Sala Lusitano II foi uma ‘manifestação de força’, de ‘poder de fogo’, de ‘espectacularidade sonora’, a partir de um cenário de ‘grandiosidade operática’, com uma enorme ‘boca de palco’ onde se exibiram as ‘divas vermelhas’ Avantgarde Trio, acompanhadas pelos guarda-costas BassHorn.
Pressão sonora ao nível de concerto ao vivo, bem ao gosto de Miguel Carvalho e Rui Calado, ‘hélas’ com alguns excessos no ‘acelerador’ que afectaram a pureza dos timbres e deixaram transparecer o ‘glare’ característico das colunas de corneta: não se pode ouvir ao mesmo nível uma orquestra sinfónica e um duo de guitarras clássicas…
Nota: voltaremos ao tema lá mais para a frente na reportagem, numa linguagem mais técnica.
Na Sala Ajuda I, as ‘coisas’ corriam bem mais calmas, sob a batuta de Jorge Gaspar e António Carvalho. Ouvi lá as belíssimas colunas Elac Concentro, que foi o melhor som do Highend 2016, mesmo estando lá as Gryphon Kodo. Ou talvez por isso, porque me agradou a tonalidade quente, a textura macia e o comportamento tímbrico. E a imagem holográfica. Que não estava lá na Sexta-feira mas resolveu aparecer no Sábado.
Mas a surpresa veio das liliputianas W5. Parafraseando o genial Carlos Tê, cantado por Rui Veloso, na Valsinha das Medalhas, nunca (ou)vi ‘uma coluna tão pequena e com tantos peitos’…Até entrevistei o Sven Boenicke para descobrir o segredo. Será que ele me disse? Saiba tudo nos próximos capítulos.
Zen Audio (Sala Fronteira)
O Miguel faz jus ao nome da firma. É tudo muito suave, calmo, quase monástico, nas suas apresentações. Muita música clássica, nível sonoro confortável e um som de pequena escala mas correcto nas proporções. As colunas Lyngdorf de ‘encostar à parede’ foram uma boa surpresa.
Nota: aqui termina a visita guiada para 'turistas e audiófilos acidentais', numa linguagem acessível e compreensível por todos. Segue-se a análise do som das principais salas, numa abordagem mais técnica.
Entretanto, informamos todos os antigos e novos leitores do Hificlube que podem ainda candidatar-se ao sorteio de fabulosos prémios até ao dia 12 de Março, bastando cumprir os requisitos constantes no Regulamento do Sorteio que podem consultar aqui.