Notas de audição de JVH
Aqui chegados, os leitores esperam que, bem ao jeito da What HiFI?, eu atribua ‘estrelinhas’ para classificar os sons, destacando no topo o ‘best of the show’.
Não seria a primeira vez que cedia à tentação, mas sempre tive alguma relutância em converter experiências auditivas em números, porque há demasiadas variáveis envolvidas, entre as quais a acústica das salas não é a menor, sendo o ‘lixo’ que flui na corrente de sector bem pior, apesar da ubíqua e eficaz presença de condicionadores de corrente.
Mas há mais: o tipo de música, o volume de som, a posição relativa do ouvinte (sentado ao centro, de lado, de pé, lá atrás, demasiado à frente…), o momento psicológico em que se ouviu; ou o dia, sim porque não é indiferente o sistema estar ‘quente’ ou frio.
Por outro lado, ninguém é imune ao ‘ambiente’ da sala, refiro-me não só ao público presente (o nosso show é um dos mais civilizados do mundo), mas também à simpatia e carinho como somos recebidos pelos distribuidores e seus colaboradores próximos; e, claro, ao prazer da audição em termos de conforto, sossego e selecção musical.
Muito importante é ainda a capacidade do demonstrador para captar a atenção do ouvinte, escolhendo a música mais adequada ao público presente, mudando constantemente de disco quando nota desinteresse ou desconforto, ou cingindo-se a um programa pré-estabelecido, rodando as faixas até ao fim para garantir estabilidade emocional e uniformidade auditiva.
Para ser justo, uma escolha implicaria classificar primeiro os sistemas por categoria e preço, depois montá-los a todos na mesma sala, com a mesma acústica, e ouvir as mesmas faixas dos mesmos discos, com o volume aferido por um sinal de 1kHz.
Esta impossibilidade técnica e logística (há um show no Japão onde todos os sistemas a concurso são montados no mesmo palco de um auditório, e eu próprio já assisti em Munique a comparações deste tipo), nunca me impediu de considerar este ou aquele som de ‘Melhor’.
Mas, tal como nas colheitas de vinho, nem todos os anos há um claro ‘vencedor’.
2017 foi um desses anos ‘vintage’, quando, ao contrário do parecer de alguns leitores, eu considero que houve vários candidatos a ‘Best Of’, na relativa medida em que é possível ouvir bom som num ‘show’ aberto ao público em geral, mas no qual nenhum se destaca de forma categórica, pois todos revelaram virtudes (muitas) e defeitos (poucos).
Passo assim de imediato a analisá-los individualmente pelos seus méritos e deméritos, com base nas minhas experiências e conhecimento, e deixo aos leitores a ingrata tarefa de os classificar - 'à chacun son goût', em função das suas experiências pessoais, contribuindo nós para os que não puderam estar presentes com a ferramenta auxiliar dos vídeos com som captado ‘ao vivo’ em cada uma das salas seleccionadas que, hélas, são uma espécie de ‘genérico’ do som original.
Por razões práticas, as avaliações técnicas, que são apenas a transcrição das minhas notas pessoais, descontadas todas as variáveis, incidirão sobre as colunas, porque são elas que ‘dão a cara pelo som’, embora, como é óbvio, todos os componentes associados, das fontes, prévios e amplificadores aos cabos, sejam fundamentais para o resultado final, e não é possível dissociá-los do conjunto.
Nota: a gravação de imagem e a captação do som dos vídeos, nomeadamente as faixas musicais, não são simultâneas. As imagens foram registadas na sua grande maioria no Sábado e os registos áudio, obtidos com um gravador digital a 96/24, no Domingo, tendo sido depois editadas.
Todos os sons foram, contudo, registados ao vivo 'in loco’, pelo que se podem ouvir em alguns casos vozes-off e outros ruídos. O volume de som varia e pode e deve ser ajustado pelo ouvinte.
Aconselha-se o visionamento em HD 4K full screen e a audição com uns bons auscultadores e um DAC, que pode, por exemplo, quem sabe, vir a ser um dos prémios do nosso sorteio.
Ver regulamento aqui. Até dia 12 ainda está a tempo de concorrer.
Nota importante: as ‘avaliações’ irão sendo publicadas à medida que forem editadas para não fazer esperar os leitores (e distribuidores) mais ansiosos, pelo que, durante todo o dia de hoje e amanhã, podem e devem manter-se sintonizados no Hificlube.
Estamos abertos aos vossos comentários e críticas.
A lista completa das audições é a seguinte: Ajasom, Delaudio, Esotérico/Smartaudio, Imacustica,Topaudio/AbsolutSound, Ultimate Audio.
Ajasom/Audiovector R11 Arreté
Excepcional pureza tímbrica, patente na fluidez e pureza das cordas e das vozes femininas, associada a uma sensação de transparência geral do ar envolvente, a que não é alheia a utilização de dois tweeters AMT ‘open-back’.
Os oito ‘woofers’ montados na ‘quilha’ traseira conferem-lhe notável autoridade macrodinâmica e o efeito de bipolaridade contribui para a tridimensionalidade da imagem, a textura e o ‘corpus sónico’, ao actuar como estrutura acústica sólida que sustenta uma grande gama-média isenta de colorações.
Integração perfeita de todas as unidades, com excelente coesão e entrosamento das gamas num todo coerente e linear, que respira a uma só voz: do mais ténue suspiro de uma soprano à explosão controlada dos ‘tutti’ orquestrais.
Imagem estereofónica 3D estável e ampla, com incrível dispersão lateral e boa ilusão de profundidade.
Só lhes reconheço virtudes – e um defeito: o preço de 200 mil euros!
Delaudio/Raidho C2.1
Os leitores que pretendem saber mais pormenores técnicos sobre estas colunas escandinavas de nome estranho podem ler o meu teste ao modelo D-1, porque a C2.1 e a D2.1 partilham das mesmas características genéticas.
O que as define é a precisão geral das imagens no amplo espaço habitado pelos músicos, com perfeita definição de timbres e relações espaciais, que tornam o ouvinte num espectador privilegiado, tal a sensação de realidade e presença.
A integração da gama média e do agudo é tão perfeita que se diria estar na presença de um transdutor electrostático. E não me refiro apenas ao tweeter-de-fita, do tipo ‘quasi-ribbon’, cujo princípio de transdução é similar, refiro-me à velocidade de resposta das unidades de médios e à total ausência de ‘overhang’, que se traduz numa resposta transitória alucinante e um patamar de silêncio de um negrume fantasmagórico.
Com as Raidho não se parte em busca das grandes massas orquestrais, pois a capacidade para deslocar ar é limitada, daí o recurso a um ‘subwoofer para se impor na enorme sala Alter-Real.
Com as Raidho, procuram-se as correctas relações de espaço e tempo, que distinguem a técnica interpretativa da arte pura e transformam a audição de um disco – de qualquer disco, de qualquer tipo de música – numa experiência sensorial gratificante.
Transparência, elevada resolução e focagem exemplar de todos e cada um dos intervenientes no amplo palco da imagem estereofónica.
Esoterico/Smartaudio – Dynaudio
O som das Dynaudio Confidence Platinum C4 tem muitas semelhanças com o das Audiovector R11 e as Raidho, o que me leva a especular que há hoje um ‘som dinamarquês’, que se emancipou da forte influência germânica, cuja principal característica no passado era a ênfase no médio-agudo, que conferia ao som uma tonalidade metálica e dura.
Isto até Dieter Burmester revolucionar o som alemão, que é hoje mais doce, tendo contudo perdido no processo a neutralidade que os escandinavos agora cultivam.
As C4 são totalmente neutras, na medida em que um instrumento electromecânico pode ser neutro: não sofre de adiposidade no médio-grave, os graves são claros e inteligíveis e o agudo produzido pelo duplo tweeter Esotar 2 nunca se torna estridente ou agressivo.
Quanto ao grave, tem boa extensão e excelente controlo e articulação, e só assim se explica que tenha sido possível seguir ‘linhas de contrabaixo’ sem perda de nuances e reproduzir tímbales e baixos eléctricos sem excitar os modos do Foyer Beau Séjour, algo que Alberto Silva conseguiu pela primeira vez, pelo que está de parabéns.
As C4 tiram ainda partido da sua forma esbelta e do design do ‘baffle’ (painel frontal) para criar uma imagem estereofónica ampla e profunda e de excelente especificidade.
A impedância nominal de 4 ohms e a sensibilidade de 88dB sugere a utilização de amplificadores a transístores com boa capacidade de corrente para obter bons resultados, pelo que os Electrocompaniet Ampliwire 180 Mono de Classe A revelaram-se uma excelente escolha, como já tinha constatado na minha visita ao auditório da Esotérico, em Loures.
Imacustica/Wilson Audio Alexx
Primeiro um disclaimer.
É conhecida a minha amizade de trinta anos com Manuel Dias, família e toda a equipa da Imacústica, com merecido destaque para Luís Campos, que me tem assessorado (apenas em termos logísticos), na montagem de muitos dos equipamentos que testo para a imprensa nacional e internacional, nomeadamente a revista HiFi News.
Isso nunca me impediu de ser totalmente isento nas apreciações que faço, talvez até por vezes excessivamente crítico, quiçá para vincar subconscientemente essa isenção, como foi o caso do teste às Wilson Audio Alexx, às quais atribui a percentagem de 88% na tabela da HifiNews, tendo chamado a atenção tanto dos aspectos positivos como dos menos positivos, como me competia.
Recentemente, quando testei para a mesma revista (teste ainda não publicado) os amplificadores Dan D’Agostino Progression com as Martin Logan Neolith, as Alexx foram utilizadas como referência paralela e os resultados foram tão positivos que, tivessem os Progression estado disponíveis quando do teste às Alexx, eu teria subido a percentagem destas de 1 a 2 pontos, tal é a relatividade da função crítica, que assim se prova depender de muitos factores externos e internos, logo deve ser lida com a devida parcimónia.
No final, é a opinião do potencial comprador que conta, não a de alguém exterior ao processo de aquisição. A opinião do crítico pode ter mais ou menos influência, consoante a sua experiência e prestígio, mas não deve nunca ser determinante.
Esta longa introdução justifica-se, porque foi este exactamente o sistema que a Imacustica demonstrou no audioshow 2017, com grande sucesso de público. O que significa que, de todos os sistemas em demonstração, era este sobre o qual tinha mais informação e com o qual tinha maior empatia.
Portanto, admito que, durante as várias audições que fiz, durante os 3 dias, nunca me consegui abstrair da opinião que já tinha previamente formada com base na audição em boas condições acústicas, de conforto e de privacidade.
A Alexx não é a melhor coluna da Wilson, nem em termos absolutos (estou a pensar nas XLF e agora as Wamm, que espero ouvir em Munique), nem relativos, pois a relação qualidade preço das Yvette é difícil de igualar.
Os Progression são os amplificadores com a melhor relação qualidade preço de toda a vasta obra de Dan D’Agostino, tanto em termos de design como de som.
Cumpriram cabalmente a sua função de apoio às Alexx, e mais não digo, porque todas as análises até agora se focaram nas colunas.
As Alexx estavam montadas quase no meio da sala, por certo para contrariar os maus ‘modos’ da Sala Campolino, quase tão ‘maus’ como os do Foyer Beau Sejour.
Isso tem a vantagem do afastamento da parede de fundo, logo realçando a profundidade de campo. Contudo, para integrar bem as múltiplas unidades activas, as Alexx precisam de pelo menos 3 metros até ao ouvinte, embora a compensação possível com o sistema modular de ‘atraso de propagação’ tenha reduzido esse efeito de proximidade.
Uma certa falta de entrosamento foi, contudo, a primeira ‘falha’ que notei na Sexta-feira. Verifiquei depois que dependia muito do ‘ponto de escuta’, como sempre, já assim fora o ano passado com as Neolith.
A outra foi uma certa ‘vivacidade’ do agudo que enfatizava o ‘fritar’ de alguns dos LPs, como o do dueto Moreau/Bethania. Sugeri uma afinação que não sei se foi seguida, pois tanto Luís Campos como Guilhermino Pereira são autênticos ‘afinadores de piano’ (e carregadores também…), e sabem muito bem o que fazem.
No Sábado, o som tinha melhorado em termos de estrutura tonal e textura harmónica, talvez por estar mais rodado, com os timbres a aproximarem-se dos que tinha guardados na memória, e os graves a procurarem o seu caminho para o centro da terra. Estas já estavam próximas das Alexx que eu conhecia.
Pelo que se justifica transcrever um excerto do que publiquei sobre elas em tradução livre:
‘As Alexx adequam a sua atitude ao programa musical a reproduzir. Ora, quando uma coluna consegue lidar com sucesso com os extremos: poder, macro dinâmica e ‘bravura’ versus subtileza tímbrica, pureza tonal, micro detalhe e intimismo, então tudo o que está no meio se encaixa mais cedo ou mais tarde. E foi o que aconteceu’.
No Domingo, ao fim da tarde, na companhia de meia-dúzia de privilegiados, que não tenho o prazer de conhecer (podem dar-se a conhecer com os vossos comentários), assisti a uma das melhores demonstrações do audioshow 2017.
Sobretudo com duas faixas de dois LPs que Guilhermino Pereira passou. A saber: ‘Chitlins com carne’, de Stevie Ray Vaughan e ‘Blues No More’, de Terry Evans. E que só não registei na íntegra porque, entretanto, tinha ficado sem memória no gravador.
Felizmente, já tinha registado ‘Blues No more’ numa audição anterior (segunda faixa da banda sonora do vídeo em baixo, sendo a outra um registo de um CD de um concerto de Rui Veloso, apenas a título de ilustração musical.
Imacustica – Sala Correio-Mor
Além da Sala Campolino, no edifício das cavalariças, a Imacústica apresentou as Magico S1MkII com amplificação Constellation Inspiration (ver testes aqui e aqui), com o simpático e competente Ricardo Polónia nos comandos, e a novidade Sonus Faber Tradition Serafino com amplificação Audio Research integrada no ‘workshop’ da Nordost dirigido por Dennis Bonotto.
Nota: os leitores interessados podem ler os testes respectivos clicando nos nomes sublinhados.
A sala estava sempre cheia e só com ‘cunhas’ consegui entrar, não tendo nunca logrado sentar-me na ‘sweet spot’ para a gravação da ordem.
Contudo, numa das minhas visitas, estando eu de pé, sobre o lado direito, Dennis Bonotto procedeu à demonstração do efeito dos Nordost Sort Kones colocados sob a régua de distribuição – e apenas sob a régua de distribuição.
Há muita gente que considera estes acessórios como ‘banha-da-cobra’ e, na verdade, muitas vezes são assim como a arte moderna, na qual a explicação do artista tem mais ‘arte’ que o próprio quadro.
À falta de melhor conteúdo, resolvi gravar a demonstração com a própria câmara, e não com o habitual microfone digital.
Logo na sala, e apesar das condições precárias de audição/gravação, eu senti que havia de facto uma diferença para melhor com os cones colocados. Mas podia ser sugestão ou obra do cansaço.
Em casa, durante o longo e complexo processo de edição, resolvi ouvir a gravação com um par de auscultadores Hifiman HE1000 e, espanto!, não era sugestão, a diferença estava lá também.
Pensei para comigo: ná, não pode ser e fiz uma análise espectral com e sem cones. E não é que a diferença também se mede!!...Tanto na zona de presença (2-3kHz), como no extremo agudo (7-10kHz), com ligeira redução acima dos 10kHz, e com o ‘notch’ centrado nos 120Hz mais estendido, reduzindo a ‘granularidade’ da crista das baixas frequências e maior linearidade na zona dos 200Hz, daí um baixo mais cheio e articulado.
Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há…
Próximo: TopAudio/Ubiq
Topaudio / Ubiq
Na reportagem do audioshow 2016, escrevi o seguinte sobre as colunas Ubiq Model One:
‘O que ouvi no Domingo e fica registado em vídeo foi um som dinâmico, excitante, com um grave controlado (a que não é alheia a classe G dos poderosos Arcam, que já me haviam impressionado em Munique pelo controlo e poder), uma gama média de elevada resolução, viva, dinâmica, muito bem projectada, deixando revelar nas entrelinhas a qualidade da conversão digital/analógico do Chord TT (Robert Watts é um dos meus projectistas digitais favoritos) e um agudo ‘brilhante’, no sentido de excitante e notável no seu contributo para a focagem e riqueza harmónica.
Oiçam Abrunhosa em ‘Lua’ e, sobretudo, Zambujo, cantando Marceneiro, sigam a inteligibilidade do discurso, a articulação dos bordões da guitarra baixo e o trinado da guitarra portuguesa, e digam lá comigo: ah, fadista!’
Portanto, as Ubiq já não eram novidade para mim. Estavam a tocar na mesma sala, na mesma posição, com cabos do mesmo fabricante (Audiofidem) e, quando entrei, curiosamente também era Zambujo que cantava, desta vez bem acompanhado pelo Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de S.Bento. Até a fonte brotava da mesma nascente Chord, agora com o duo Blu/Dave, cujo teste podem ler respectivamente aqui.
A grande novidade era o amplificador a válvulas Audolici A35, orgulhosamente fabricado em Portugal, e por isso lhe dou mais destaque, do notável projectista de origem ucraniana Valeriy Kuchkovskyy.
O A35 baseia-se no A25 mas debita 35W/c, ou seja mais 10W por canal, embora utilize as mesmas válvulas de potência (EL34 B ‘TungSol’, de origem russa). A principal diferença está no andar de entrada que utiliza agora tríodos 6AX7/62NP (de especificação militar russa, também), funcionando em Classe A, com ajuste de polarização.
O A35 tem o toque de modernidade das cores metalizadas disponíveis, do controlo remoto e ainda da opção de um DAC integrado. De resto, é um amplificador a válvulas clássico, com transformador enrolado à mão, e o som que caracteriza a tecnologia de vácuo: um agudo doce mas informativo, uma gama média carnuda, suculenta, com molho harmónico a pingar na música e um grave encorpado, com razoável definição, articulação e ritmo, que só denotou dificuldades na presença de transitórios de muito baixa frequência, como foi o caso do órgão que sublinha a traço demasiado grosso e impreciso o Turtle Creek Coral, no Pie Jesus, do Requiem de John Rutter (faixa 3 na banda sonora do vídeo).
Com uma sensibilidade declarada de 88dB e uma impedância nominal de 5 ohms, as Ubiq não são o casamento ideal para o A35. Gostaria de os ter ouvido com as cornetas da Avantgarde, com 112 dB de sensibilidade!
Contudo, a naturalidade das vozes humanas (sim, amplificadores há muitos, mas nem todos soam ‘humanos’) e a luxuriante riqueza harmónica da grande gama média, que confere a instrumentos, como o saxofone, por exemplo (daí talvez a insistência em discos de saxofonistas), uma presença quase tangível, por oposição à reprodução ‘espectral’ dos transístores (não todos, felizmente).
Esta corporização dos intervenientes no PMEC (processo musical em curso) realiza-se no espaço verosímil de um cenário holográfico, que nos permite individualizar os membros do coro, cantando a uma só voz mas com timbres bem diversificados.
E os médios da voz de Zambujo no final são de uma pureza inexcedível, embora ao longo da faixa eu tenha detectado um tudo-nada de ‘peito’ a mais, que pode ser atribuído à sala ou à ‘cintura descaída’ das Ubiq. O que é isso? Eu explico:
O tweeter c/ faseador de corneta e o médio das Ubiq estão tão próximos que integram bem mesmo a curta distância, daí que a proximidade do ouvinte não constitua óbice para a fruição do som resultante.
Mas o 'woofer' é colocado mais junto ao chão do que é habitual para dar corpo ao médio-grave e assim compensar o som por vezes estéril dos CDs e transístores.
Ora, o A35 já ‘enche’ bem essa zona do espectro, pelo que podemos estar perante uma situação de ‘too much of a good thing’…
Uma performance excepcional, ainda que com alguma coloração de segunda harmónica, para um equipamento de preço (quase) acessível, face à concorrência VIP. Não admira que tenha sido um dos favoritos do público.
Era num amplificador como o Audolici A35 que eu estaria a pensar quando publiquei em 2003, há 14 anos, portanto, no Diário de Notícias, um artigo intitulado 'Doce Mentira'.
Nota: as imagens que ilustram o vídeo foram obtidas no Sábado, a foto na Sexta-feira e o som foi captado no Domingo com um gravador digital, para evitar interferências do movimento da câmara. Trata-se com todos os outros de uma montagem, mas o som foi captado ‘live’ e não foi sujeito a qualquer processamento posterior.
Ultimate audio – Avantgarde Trio+Basshorn
Depois de dois anos de som ultra-highend audiófilo, com as Marten Supreme II e as Stenheim Reference Ultime, a Ultimate Audio agraciou-nos com o ‘Som-Espectáculo’.
As Avantgarde Trio+Basshorn são, de facto, visual e acusticamente espectaculares, no sentido em que não é possível ignorá-las numa sala, mesmo quando estão desligadas, muito menos quando estão a tocar.
A aposta num equipamento highend com estas características é revelador da personalidade de quem o compra: tem muito dinheiro e é tudo menos discreto.
Provavelmente, tem uma vivenda isolada com uma sala de grandes dimensões e um Ferrari na garagem. Também se pode dizer que aprecia arte moderna e acha as colunas de ‘caixote’ pretas tão sensaboronas como um carro oficial.
E gosta de ouvir música ‘a abrir’, ou como dizia Rui Calado: ‘De que serve ter um Ferrari que dá 300 e depois andar a 100?...’, e a níveis de concerto ‘ao vivo’. ‘E não é isso que se procura?’, confessou-me Miguel Carvalho, visivelmente entusiasmado com a ‘performance’ dinâmica do sistema.
Só há duas reacções possíveis a um sistema deste tipo: ou se ama ou se detesta. Ou, arriscando-me a ser acusado de misoginia: ‘não se pode viver com elas, não se pode viver sem elas…’.
A primeira reacção é de deslumbramento: Uau! Que som do caraças!, ouvia-se pelos corredores. Eu sei, porque foi assim que me senti também, quando as ouvi pela primeira vez em Munique, na altura com 6 x Basshorn!
A propósito dessa experiência, escrevi então:
‘Nada como uma corneta para reproduzir...eh... trombetas; nada como um Basshorn para pegar uma bateria pelos... cornos. E se aquilo toca, caramba!... O ataque, a dinâmica e a reprodução da crista dos transitórios dos sons de percussão é algo de indefinível e inexplicável.’
E é este sentimento que prevalece, pelo menos no tempo que dura um show. Não sei se depois se instala o cansaço visual e acústico, porque nunca vivi com elas. É provável. Há um limite para a excitação sensorial, porque, enquanto, as Marten Supreme II estimulavam a produção de endorfina, as Avantgarde encharcam-nos em adrenalina.
Claro que as Trio também tocam bem música ambiente, mas a sensibilidade de 112dB é tão elevada e a distorção tão baixa (o movimento dos cones e diafragmas é quase imperceptível) que a tentação de carregar no acelerador é inevitável.
E foi quase sempre assim quando visitei a Sala Lusitano II: alto e muito alto! Rui Calado, justificou-se: ‘São as próprias pessoas que pedem, pá! Quando ponho o som baixo, dizem que não vieram cá para ouvir música de passarinhos…’.
As Avantgarde são divas caprichosas mas voluntariosas. Qualquer amplificador a válvulas de baixa potência a tríodos as põe a cantar. Os Accuphase M200 provavelmente nunca passaram dos 10W, mesmo nos picos!
As cornetas amplificam o som e projectam-no, da mesma forma que quando colocamos as mãos em concha na boca para ampliar e projectar a nossa voz - o tradicional pregão do vendedor de rua.
E o efeito sobre o ouvinte é avassalador, porque está intimamente associado a uma sensação de velocidade. Mas a níveis elevados pode resultar em ‘glare’, um tipo de ‘artificialidade’ acústica conotada com a ‘coloração’ associada ao ‘efeito de corneta’, devido à turbulência do ar, que aumenta com o excesso de volume – daí a minha ressalva - apesar de tudo muito bem controlada nas Avantgarde.
Aqui e ali senti a vaga presença de coloração em algumas das audições breves que fiz. Na voz de Carreras, por exemplo, cantando a Missa Criola. E no timbre da voz baixo no ‘Ego Sum Abbas’, da Carmina Burana.
No primeiro caso, porque o nível de som não era o adequado ao tema; no segundo, porque já está presente na gravação, apenas foi ‘enfatizada’.
De uma maneira geral, o som manteve-se sempre a alto nível – em todos os sentidos – e as muitas virtudes do sistema: dinâmica, velocidade, escala, detalhe e imagem IMAX compensaram bem os poucos motivos de crítica: coloração por ‘efeito de corneta’ ou 'mãos postas'.
Aliás, nunca ouvi o conjunto Avantgarde Trio+Basshorn soar tão bem, nem mesmo com 6 ‘subs’, porque, mesmo considerando que no papel o limite de 2 x Basshorn é de 55Hz, nesta sala foi possível reproduzir frequências baixas de 30Hz, que precisam de 11 metros para se formar completamente.
Ou seja, ouvir ‘baaaixo profundo’, como na faixa ‘Avratz’, dos Infected Mushroom, só é possível numa sala com as dimensões da Lusitano II.
Ou ter a sensação de estar a ouvir o PA de um concerto ao vivo, como em ‘Stair Way to Heaven’, de Rodrigo y Gabriela.
Pode-se gostar ou não das Avantgarde. Ignorar, nunca.
Ultimate Audio – Elac Concentro
Ouvi as Concentro pela primeira vez em Munique, no Highend 2016. Eu e toda a gente, porque se tratou de uma estreia mundial. E, na minha opinião, foi uma estreia em grande. Tanto que receberam o Hificlube Editor’s Choice award, assim mesmo, em inglês, porque é mais cosmopolita e, estando nós no mais importante show europeu, publicámos a reportagem em inglês. Sempre fica um pouco melhor que traduzida pelo Google…
E o que eu escrevi sobre as Concentro foi isto:
High End 2016 - Munich - Best Sound
Elac Concentro was selected as Hificlube Editor's Choice for Best Sound by Mr.&Mrs.Henriques
‘It sounded consistently marvellous every single day with any kind of music. Perfect balance, timing, tone and timbre accuracy. Well, maybe a little smooth for some tastes. I just loved it and my wife did too. Most probably the most musical and natural sound at the show, if not the best tout court: A+’
Em Lisboa estava à espera de mais do mesmo. Sentei-me quietinho na ‘sweet spot’, logo na Sexta-feira, e fiquei desiludido. O tom e o timbre estavam lá, a dinâmica também, a focagem e a imagem holográfica, não.
Falei com o Jorge ‘Maître’Gaspar: ‘têm um buraco no meio, até parece que estão fora-de-fase..’. ‘Vou investigar’, disse. ‘Não é isso, mas já sei o que é. Amanhã falamos’. No Sábado, estava bem melhor.
E, no Domingo, fiz esta gravação do ‘Stimela’. Estava lá tudo: o poder (estas não precisam de subs…), a dinâmica, o ataque, a textura, o corpo da gama-média, a extensão do grave, além daquela imagem estereofónica com uma estabilidade que nos permite utilizar a fita métrica e medir a distância do Hugh Masekela aos outros músicos.
Gravei o ‘Stimela’ todo. Por razões editoriais, fica apenas um excerto (oiça bem alto com auscultadores ou ligado ao seu sistema de som). Mas dá para ouvir que o que quer que o Jorge tenha feito, bem feito foi…
Nota: como sempre, a captação das imagens editadas não foi simultânea com o registo do som para evitar interferências do movimento da câmara. Para o som foi utilizado um gravador digital a 96/24. O único processamento é o do algoritmo de compressão da Vimeo para AAC.
Aqui termina a Parte 5 da reportagem