Fui lá todos os dias mas só tive tempo e oportunidade para me sentar na ‘sweet spot’ e completar as gravações no Domingo, que voltou a ser dia santo este ano, tanto para crentes como para audiófilos: o sol apareceu e os ‘motores’ aqueceram. Depois do dilúvio de chuva, a bonança do dilúvio audiófilo.
É sempre no último dia que o som está melhor. Aliás, este foi o audioshow com melhor qualidade de som geral, que atribuo ao maior cuidado com a corrente de sector, de tal forma que todos os sistemas de som que ouvi levam, sem excepção, uma classificação de base highend, variando a performance com a sua categoria de preço e as condições de audição.
Muitos repórteres audiófilos, como o meu colega Ken Kessler, recusam-se a analisar, ainda que de forma preliminar, a qualidade de som dos sistemas em ambiente de ‘show’, alegando com razão que sistemas desconhecidos, a tocar em acústicas estranhas, com discos que não conhece, não lhe dão garantias mínimas de uniformidade de critério.
A verdade é que, salvo raras excepções, eu já ouvi a maior parte destes sistemas em diferentes habitats e até em condições ideais de audição. Em alguns casos, publiquei mesmo testes e análises auditivas no Hificlube e na Hi Fi News, portanto estou à vontade para poder dar a minha opinião, tanto sobre a qualidade absoluta do sistema em si, como sobre a qualidade relativa da sua performance no audioshow 2018, aferida por meio de audições demasiado breves, admito, para se considerar como definitivo qualquer juízo prévio, seja ele positivo ou menos positivo.
Entendam isto, pois, como a opinião pessoal de um visitante atento do audioshow 2018 e não como a verdade indiscutível de um crítico de áudio.
.. esta é a opinião pessoal de um visitante atento do audioshow 2018, e não a verdade indiscutível de um crítico de áudio...
Sempre que possível farei acompanhar a análise por excertos musicais gravados nas próprias salas, que não pretendem ser demonstrativos do som real que se ouviu, apenas ilustrativos, para melhor situar o leitor, sobretudo os que não puderam estar presentes para ouvir com os seus próprios ouvidos.
Como acontece todos os anos, há quem considere o audioshow como o campeonato nacional do som, e avalie o que ouviu – ou julgou ter ouvido – pelo prisma da ‘clubite’, e declare esta ou aquela demonstração como ‘O Melhor Som’, porque sim!
Sem declarar que sou totalmente imune a simpatias e gostos pessoais, tentarei como sempre ser o mais isento possível na minha apreciação, fundamentando-a dentro dos limites técnicos possíveis e das circunstâncias que rodearam cada uma das demonstrações.
Cavalariças
Sala Alter Real - Ajasom/McIntosh
A Ajasom não olhou a meios para atingir os fins e trouxe para Lisboa um autêntico McIntosh Show. Até mandou fazer um cartaz de fundo retroiluminado de grande efeito visual e estético: além do prévio C1100T (válvulas), do DAC 1100 e do transporte MCT450, exibiu neste cenário ‘à americana’ as imponentes colunas XRT 2.1K, amplificadas por um par de MC2301 (válvulas). Os ficheiros digitais estiveram a cargo do Zenith MKII.
Já tínhamos ouvido com agrado um sistema semelhante no auditório da Ajasom (ver reportagem aqui) e nas instalações da Digisom, no Porto. Mas a qualidade geral do som subiu mais uns pontos na minha avaliação, pese embora alguma reverberação da sala não tratada, que sendo ampla, como aliás um sistema destes exige, excitou alguns modos de ressonância em alguns pontos. Eu dispensava os ‘subs’ mas compreendo que um ‘cheirinho’ torna o som mais empolgante num ‘show’ de porta aberta, onde se pretende cativar o passante e mantê-lo na sala feliz.
Segundo Nuno Cristina, a Ajasom pretendia provar que o sistema não funciona só bem em auditórios com boa acústica. E acho que conseguiu. O som ganhou até escala com a acústica e perdeu muito pouco em definição por efeito dos reflexos secundários. Contudo, com um pouco de tratamento acústico, teria mostrado mais facilmente todo o seu potencial. Eis uma audição a fazer urgentemente nas instalações da Ajasom, na Damaia.
...o sistema reproduziu com evidente à-vontade a ilusão de se estar a assistir a um espectáculo ao vivo, num palco real, com músicos de carne e osso em tamanho natural...
As fontes em linha (line source), como é o caso da KRT 2K, favorecem a imagem em profundidade e altura, criando um palco amplo holográfico, como boa definição sem excesso de falso detalhe. Por outro lado, têm menos projecção e foco que as fontes pontuais (point source), que são a grande maioria das colunas em exibição.
O sistema reproduziu com evidente à-vontade a ilusão de se estar a assistir a um espectáculo ao vivo, num palco real, com músicos de carne e osso e em tamanho natural. As válvulas dos 2301 não são alheias a este sucesso, como se prova com o vídeo que se segue:
Sala Campolino – Imacústica/Wilson Audio
As Alexia 2 exibiram-se em palco com um maravilhoso vestido de nuances roxas, que absorviam a pouca luz ambiente, de braço dado com o prévio/amp stereo D’Agostino Progression e fontes dCS Vivaldi One/Rossini e Tech DAS Air-Force III.
Que mais posso dizer sobre este maravilhoso sistema que não tenha dito já nos testes que publiquei recentemente na HiFi News, que podem ler aqui e aqui. E fico feliz porque o sistema como um todo cumpriu todas as expectativas que eu possa ter criado junto dos leitores, exibindo-se a elevado nível, numa sala que, ano após ano, gorou os esforços da competente equipa da Imacústica, ao impedir os excelentes sistemas antes exibidos de mostrar o seu melhor.
Vou mesmo mais longe, e admito que as Alexia 2 soaram melhor na Sala Campolino, sobretudo na extensão controlada do grave, que no próprio auditório da Imacústica! And that’s a first for me…
Com as Alexia 2, a Imacústica logrou demonstrar o melhor som de sempre na Sala Campolino, nos aspectos de definição, articulação, claridade, transparência geral, pureza tímbrica, correcção tonal, resposta transitória e micro e macrodinâmica, num sistema fácil de conciliar com o quotidiano doméstico, embora não seja já tão 'conciliável' com todas as bolsas.
...as Alexia 2 soaram melhor na Sala Campolino, sobretudo na extensão controlada do grave, que no próprio auditório da Imacústica! 'And that's a first for me'...
Nota: os vídeos que se seguem foram registados na Sala Campolino com som directo e sem qualquer tratamento posterior, nem sempre nas melhores condições, afastado da sweet spot e com a câmara em movimento. Que o resultado tenha sido o que aqui se ouve, é um verdadeiro milagre.
Se leram os testes que publiquei, sabem que ‘perorei’ sobre o conceito de ‘togetherness’ que, à falta de melhor termo, traduzi por ‘intimismo’, no sentido em que as Alexia 2 conseguem não só soar como um todo orgânico e reproduzir o mais íntimo da alma da intérprete (oiçam-se Mary Stallins e Rachelle Ferrer) e a sua ligação com o público, como ainda estender essa relação de intimidade ao 'outro' público que as ouvia na Sala Campolino, mantendo-o cativo durante todo o desenrolar do tema, ao mesmo tempo que nos transportam para o local da gravação. Foi exactamente isso que senti quando as testei. E não me enganei, pois voltei a sentir essa sensação de togetherness!...
Nota: Só um sistema de elevada resolução como este permite distinguir de forma óbvia mesmo para um leigo/a as diferenças entre um ficheiro DXD a 352kHz/24bit e a cópia do mesmo em MQA, como ficou claro na breve demonstração que apresentei na Sala Campolino, por amável convite da Imacústica, segundo proposta de Luís Campos.
Embora seja igualmente óbvio que eu estou em 'baixa de forma', com a voz quase inaudível e pouco à vontade depois de muitos anos sem 'pisar o palco'. Este 'bootleg' é o único documento existente que prova a minha desastrosa presença. Sendo embora um vídeo de má qualidade, obtido 'clandestinamente' (e amavelmente) com um telemóvel indeciso quanto a optar pela 'verticalidade' ou a 'horizontalidade', aqui fica apesar de tudo o link para o YouTube disponível a quem possa interessar e a título de curiosidade: https://youtu.be/HpyRxjxoMpg
Sala Lusitano II – Ultimate Audio/Gryphon
Se as cavalariças do Pestana Palace fossem um cinema multíplex, a sala Lusitano seria a sala IMAX, tal a grandiosidade da imagem das Gryphon Kodo, acolitadas por Pandora/Mephisto e Kalliope, CH Precision P1 e X1, Giradicso Dohman Helix 2 e Server Antipodes.
Caramba, que poder! Que capacidade de movimentar ar dentro da enorme sala! Aliás, assisti em Munique, em 2016, à estreia mundial das Kodo, e já as tinha ouvido posteriormente nas Ultimate Sessions, no Sheraton-Porto, mas nunca as tinha ouvido assim.
Contudo, um sistema destes suscita algumas interrogações legítimas: e o preço? e o tamanho? e o espaço necessário para as montar? Pois é. Isto não é para quem quer, é para quem pode…
Digamos que o sistema Gryphon se situa na zona de transição entre um sistema highend e um PA profissional. Na sala Lusitano II, tocou no seu habitat natural, uma sala de grandes dimensões, com enorme pé direito: as Kodo estavam afastadas cerca de 4 metros entre si, a outros tantos metros da parede de fundo e a uns cinco metros da primeira fila de ouvintes. Só assim é possível integrar bem todas aquelas unidades activas.
Uma das ‘queixas’ que ouvi foi a de que as Kodo sofrem de ‘gigantismo’, ou seja, que os instrumentos soam ‘bigger than life’. Se isso é verdade com certos discos em que o engenheiro de som exagerou no close-up; ou certas faixas de percussão, cuja intenção é mesmo provocar no ouvinte um efeito físico devastador; ou grandes orquestras que, por comparação, soam como miniaturas em sistemas menos conseguidos, as Kodo reproduziram a Ressurreição, de Handel, com todos os instrumentos – e também a soprano! – em tamanho natural com notável reprodução da ambiência. Tive, aliás o cuidado de deixar o som de um telemóvel e de conversas entre pessoas do público para provar que se trata de um gravação 'ao vivo' e não de um disco. Oiça o excerto na colecção de vídeos abaixo. O mesmo se pode dizer do famoso Take Five, de Dave Brubeck.
A capacidade dinâmica parece ser inesgotável, e a escala do palco sonoro e dos seus intervenientes é inaudita...
A capacidade dinâmica parece ser inesgotável, a escala do palco sonoro e dos seus intervenientes é inaudita. Talvez se perca alguma nuance tonal e tímbrica, algum requinte, recato e intimismo, porque o ouvinte se sente esmagado pela potência sonora e pelo dramatismo da reprodução.
(continua)
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