Portugaudio é a nossa versão purista e ingénua do 'hifi among the trees' de Frankfurt, sem a pressão dos media e dos negócios.
Já devo ter participado como jornalista-repórter em mais de 200 ‘hifishows’: do audioshow de Lisboa aos megashows de Munique (antes em Frankfurt) e Las Vegas, ou aos mais intimistas de Londres, Paris, Milão e Madrid, a cujas reportagens podem aceder no Arquivo do Hificlube.
Durante 30 anos, ouvi e vi aqui, ali e acolá, de tudo um pouco na área da electrónica de consumo, e muito de coisa nenhuma, porque há sempre mais do mesmo, apesar de a mais recente versão xpto ser sempre apresentada como muito superior ao que apenas um ano antes (seis meses?!) era o estado-da-arte insuperável.
Os ‘megashows’ são montras da indústria mundial do áudio, que vive sobretudo da novidade e das tendências. Há sempre algo de novo, apetecível, muitas vezes extraordinário e único, é verdade, quase sempre caro e inacessível, não nego; e actualmente girando à volta de modas como o streaming ou o regresso do LP, que também já é proposto em versão HD! E não me refiro apenas ao streaming-HD, mas ao novo LP-HD (high denfinition vinyl), juro…
Neste contexto, o Portugaudio é quase um ritual litúrgico, com os seus crentes e oficiantes em plena comunhão, apesar de se ter mudado há dois anos do ambiente gótico e religioso de Santarém para a arquitectura provisória e quase bucólica do Conservatório de Música D. Dinis, em St. António dos Cavaleiros, Odivelas, onde os alunos e os professores contam bem mais que o espaço que os abriga.
No Portugaudio 2016, o importante era o estado-de-espírito dos participantes e não o estado-da-arte dos equipamentos de som.
As obras em demonstração são fruto da paixão pelo áudio, quantas vezes até da obsessão subjacente que os instiga a continuar como uma atracção fatal; cada projecto é assim o reflexo da personalidade do seu autor, na busca incessante pela perfeição: uma busca incompreensível para um leigo, quando não mesmo absurda, a raiar a loucura saudável; e uma perfeição que lhes escapa sempre, como a água dos lábios de Tântalo, e os obriga a recomeçar tudo, empurrando a pedra do fracasso montanha acima, com a penosa teimosia de Sísifo, e a generosidade e paciência de Buda, tendo como única missão iluminar a alma dos que gostam de música, e não o negócio ou o sucesso comercial que implicam dolorosos compromissos e cedências.
Sente-se um desejo latente de se conhecerem a si próprios e aos seus limites - que se alargam a cada rasgo de engenho e arte, por pequeno que seja – e o secreto prazer de se darem a conhecer aos outros por palavras e actos, não esperando em troca mais do que um elogio sincero pelo esforço, um reconhecimento pelo trabalho feito, uma palavra simpática ou uma fotografia para a ingrata posteridade; e, quem sabe, aliciá-los para a sua causa – a do áudio em estado-puro como forma de estar na vida.
Eis porque o Portugaudio 2016 é um ‘show’ de pessoas e não de coisas, e é assim com elas – e por elas – que, caminhando, se faz o caminho das imagens desta reportagem, ao longo do qual se confraternizou e socializou, ouviu música, aprendeu técnicas e partilhou experiências.
Os protagonistas
(clicar sobre as fotos para aumentar)
Alexandre Vieira e Francisco Farias
Dois amigos resolvem participar no Portugaudio 2016 com o único objectivo de provar que é possível montar um sistema até 500 euros com componentes ‘velhinhos’ com muito uso e/ou comprados em segunda mão, com base numa fonte analógica Rotel PL12, um amplificador Audiolab 8000A e colunas Monitor Audio 700 Gold e Rogers LS4a, ‘que eu comprei, depois de ler a sua crítica’, confessou Alexandre amavelmente. Ora, isso foi há mais anos do que eu gostaria de me recordar…
O toque pessoal – literalmente – é aqui dado por um par de colunas construído por Francisco Farias, a partir de peças usadas da Infinity e da Mission (filtro divisor).
A sala estava muito concorrida e animada com música dos Dire Straits, se a memória não me falha, pelo que o objectivo parece ter sido atingido.
Miguel Augusto Silva
Miguel é o produtor executivo das Armoniz Records, que se dedica a reedição em vinilo de 180 gramas de clássicos da música portuguesa, como José Cid e o Quarteto 1111. Os discos são prensados na Alemanha a partir das matrizes originais!
Um trabalho de amor e dedicação, que já obrigou Miguel a levar à Alemanha matrizes analógicas que lhe foram confiadas pela Valentim de Carvalho, com documentação que lhe permitisse evitar passar pelo raios-X nos aeroportos para não danificar a fita magnética.
José e Esaú Cardoso
São os rostos da MC Audio, fabricante de colunas bipolares ultra esguias, com carga por linha-de-transmissão de quarto de onda. Já nos conheciamos de Santarém, e foi um prazer voltar a vê-los e a… ouvi-las.
Luís Gaio
Provavelmente o maior coleccionador europeu de giradiscos Lenco: ‘Tenho para aí uns 70! O Lenco L75 é o melhor giradiscos alguma vez construído, um verdadeiro relógio suíço'.
Eu limito-me a fazer algumas alterações cosméticas e a substituir as chumaceiras para poder montar um braço Jelco 250ST, melhorando aquilo que já é perfeito. O Lenco é viciante, uma vez ouvido nunca mais esquecido…’.
Joaquim Pinto e Rui Borges
Dois nomes incontornáveis da indústria audiófila nacional, já com méritos reconhecidos, aquém e além-fronteiras. Joaquim Pinto pela excelência dos amplificadores a válvulas JP Viriatus, Rui Borges pelo arrojo dos extraordinários giradiscos RB, aqui com a utilização de um modelo Ultimo da primeira geração e colunas GoldenEar Triton (UAE).
Sobre Rui Borges já muito escrevi, na imprensa nacional (ler aqui a reprodução de uma reportagem que foi publicada no suplemento DNA do DN) e também especializada.
Ainda recentemente com uma referência muito positiva na reportagem do audioshow 2016 que publiquei simultaneamente no Hificlube e na revista inglesa Hifi+ aqui e aqui.
João da Bernarda
Audiófilo em estado puro, João da Bernarda busca a perfeição na complexa simplicidade dos meios utilizados: amplificação a válvulas em Classe A1 numa configuração ‘self-inverted’ com base em pêntodos funcionando como falsos tríodos por meio de acoplamento do cátodo, mas numa versão musicalmente mais benigna da configuração ‘anti-tríodo’, garantindo assim um carácter sónico ‘single-ended’ com uma topologia push-pull.
A simplicidade era extensiva às colunas, um protótipo com base um ‘single-driver’ Fostex FE 166 6.5’’ full-range.
Ricardo Domingos
Não conhecia Ricardo Domingos, tampouco os amplificadores RMD a transístores em Classe A/B c 100W/ch. Nem ele me conhecia a mim, o que significa que, apesar dos meus 30 anos de actividade constante, terei perdido alguns leitores do tempo da Imasom, DN e Audio, tendo eventualmente ganhado outros cá e no resto do mundo com o Hificlube, mas não terei logrado ainda, hélas, ultrapassar a síndrome da ‘generation gap’.
Ricardo apresentou a sua promissora electrónica RMD com a colaboração da UAE (colunas Gryphon) e de Rui Borges (Unico).
Nuno Ferreira
Nuno Ferreira não se deixou fotografar. Por modéstia ou timidez, preferiu dar o palco ao sistema que construiu com paixão e entusiasmo. Um amplificador single-ended a Mosfets que debita 8W/ch, um DAC com base em conversores Analog Devices e filtro analógico por transformador e um par de colunas de 3-vias com unidades Fostex. Um esforço notável e louvável para um jovem entusiasta, que me fez lembrar o tempo em que também eu construía tudo o que ouvia. Depois, estragaram-me com mimos e papinha (de caviar) já feita...
Rui Lourenço e Rui Pinho
Os ‘Ruis’ alugaram o auditório do Conservatório de Música D. Dinis para demonstrar um sistema esotérico, sobretudo as colunas, concebidas por ‘Mestre’ Rui Pinho, que utilizam uma unidade de médios com carga por corneta e um tweeter de compressão sobre uma caixa de graves com carga ‘reflex’, tudo geometricamente alinhado e em fase acústica medida por impulso.
A novidade era o amplificador RR a transístores bipolares de Rui Lourenço com uma estética a fazer lembrar os Luxman.
Nuno Lopes
Nuno é já um velho conhecido meu, desde a primeira edição da Portugaudio, em Santarém (ver em Artigos Relacionados). Com amplificação de suporte a válvulas OTL (protótipo da autoria de JP) apresentou as Thor 1.1 também elas em fase de protótipo, mas ainda a precisar de muito trabalho para soarem como as Thor 2.2 com alimentação JP Viriatus 245mkII.
As colunas NLAudio são do tipo dipolar open-baffle, ou não fosse Nuno Lopes o ‘Mr.Openbaffle’ português…
Nota: Em baixo, os leitores poderão apreciar a reportagem fotográfica completa na versão slideshow com resolução 2K (clique sobre o ícone HD para ver a 1080p ou 2K e depois abra em full screen).