Afinar a acústica de um auditório não é empreitada fácil. Marcelo Tavares não gosta de deixar nada ao acaso, e a UAE pediu-me alguma paciência. Resolvidos que estavam os últimos pormenores no auditório principal, voltei para fazer alguns registos digitais do som real das Pendragon nos seus aposentos reais, como tinha prometido aos leitores.
Fui recebido pelo Rui Calado e pelo Júdice, que tinham estado horas à procura do 'ponto de rebuçado' das Pendragon. Aliás, na minha entrevista com Flemming E. Rasmussen sobre as Pendragon, ele chama a atenção para as virtudes e vícios das colunas híbridas, e utilizou até a metáfora da banda composta pelos melhores músicos do mundo que não sabem tocar em conjunto.
Não é o caso das fabulosas Pendragon, como prova o som dos videos que vos ofereço abaixo. E o microfone, até por ser mais objectivo que o ouvinte, pois não sofre de preconceitos audiófilos, encontrou menos 'defeitos' que o público presente, demasiado preocupado com a tensão do grave, a integração espacial entre os painéis dipolares e as torres, ou as variações tímbricas no ponto de corte onde se dá a passagem de testemunho.
Para dificultar ainda mais a avaliação auditiva de umas colunas desconhecidas num espaço totalmente novo, as Pendragon permitem ajustes que aumentam exponencialmente as variáveis.
Sendo as torres de graves activas, é possível corrigir por meio de controlo remoto o factor de qualidade (Q factor) que altera a tensão do grave; a extensão (low cut) e a amplitude em dB(igualizador). Por outro lado, qualquer pequena variação no posicionamento dos painéis em relação às torres produz efeitos imediatos na percepção que temos do palco sonoro.
Como se não fosse bastante, ainda fizemos experiências com a ligação umbilical entre o servidor Aurender e o extraordinário DAC da Trinity: USB, RCA ou XLR?
É isto que torna o exercício da audiofilia tão apaixonante. Senti-me voltar aos tempos em que, de ferro de soldar na mão, andei meses a tentar casar um altifalante de graves montado numa linha de transmissão Bailey com um painel electrostático Schackman, que depois troquei por um Kelley-ribbon. E consegui!
Portanto, se está a pensar investir nas Gryhon Pendragon, não desespere. Leva o seu tempo, mas, não só é possível pôr a banda a tocar a compasso, como os 'ensaios' dão um gozo do caraças.
Quem nos estivesse a observar, a mim, ao Júdice, ao Rui e ao Mário (um convidado surpresa), teria de imediato percebido esse gozo. Parecíamos miúdos com um brinquedo novo e caro emprestado:
Muda aí o cabo USB para AES/EBU, agora corta a extensão do grave, volta atrás, repete a faixa com o 'setting 3'. Olha, parece que gostei mais do '2'. Acho que com -1dB o grave fica mais controlado. Pois, mas perde-se algum ataque e expansividade...
O Júdice levanta-se e aproxima os painéis de ribbons cerca de 0,5 cm entre si. A voz do vocalista ganha corpo e textura, mas fica menos focada. Meio-centímetro!, leu bem...
A vida é feita de escolhas. Algumas difíceis. Outras impossíveis. Abençoado é quem as pode fazer todas. Se você é um daqueles audiófilos que está sempre a mudar de colunas porque nunca está satisfeito, compre umas Pendragon: vai demorar anos até esgotar todas as mil roupagens e disfarces de Pendragon, o Rei-dos-Dragões!
Ou pode deixar essa tarefa aos especialistas da UAE, que não se vão importar nada de o substituir nessa grata tarefa...
A audição
Os 3 vídeos que o Hificlube tem o prazer e a honra de vos apresentar abaixo são apenas uma amostragem da audição integral, e não pretendem mais que inspirar os leitores a irem ouvir ao vivo, enquanto é possível (as Pendragon só estão em demonstração na UAE, em Benfica até ao final de Junho, pois este par é propriedade pessoal de Flemming E. Rasmussen).
Nota: todas as gravações foram registadas no próprio auditório, e o que se ouve é o som tal como foi reproduzido pelas Pendragon, tendo o microfone sido colocado num tripé fixo ligeiramente à frente da sweet spot à altura da cabeça de um ouvinte sentado. Os registos digitais originais são a 96/24 processados para MP3 256 kbs pela You Tube. As imagens são editadas e não foram registadas simultaneamente para eliminar interferências e problemas de fase relacionados com o movimento do microfone. Sugere-se a utilização de auscultadores e de um DAC/headphone de qualidade.
Abrimos com Mary Stallings a cantar ‘I wanna a Sunday kind of love’. A ambiência e o halo de reverberação que rodeia a voz da cantora é do próprio clube de jazz Village Vanguard - e não do auditório da UAE, que é neutro q.b.. Preste atenção à presença, projecção da voz e qualidade da dicção. Uma ligeira sibilância numa ou outra palavra deve-se ao microfone utilizado por Mary Stallings, e não ao duplo cardióide a 90 graus utilizado no nosso registo. Enjoy!
Os dois vídeos seguintes: excertos de Carmina Burana, In Taberna, Ego Sum Abas; e Fanfare for the common man, de Copland, foram selecionados porque mostram o melhor das Pendragon: a capacidade de reproduzir grandes massas orquestrais, a respiração dos metais e o efeito de sopro (explosivo) que se segue aos potentes transitórios de percussão. Se gosta de carregar no pedal, tenha cuidado com os picos dinâmicos!...
De notar ainda que, em todos os casos, o novo auditório da UAE não parece contribuir com nenhuma assinatura própria para o resultado final.
A administração e a equipa da UAE (e Marcelo Tavares, mâitre acousticien), estão de parabéns pela coragem e qualidade do investimento que muito contribui para aumentar ainda mais o prestígio de Portugal no mundo audiófilo.