Um LP reproduzido por um gira-discos EMT 928 MkII soa melhor que um CD reproduzido por um leitor CD/SACD TAD D1000TX? Fomos comparar na Exaudio. Venha daí connosco.
O gira-discos EMT 928 Mk II é uma versão moderna do lendário EMT 928, que foi lançado pela primeira vez em 1972 como um esforço conjunto entre os engenheiros da EMT e da Thorens.
O novo modelo foi lançado em dezembro de 2022 por uma equipa de design suíça liderada por Micha Huber. É um gira-discos de precisão de construção maciça com um peso total de 23 kg e um chassis maquinado em alumínio. Possui uma fonte de energia de bateria independente que elimina qualquer interferência da rede elétrica e um prato acionado por correia que suporta três velocidades: 33⅓, 45 e 78 rpm. O gira-discos é fornecido sem braço, mas está preparado para a instalação de um braço EMT de 9 polegadas (22,86 cm). Em Portugal, o preço é de 9462 €, a que acresce o braço Thales Simplicity II (8289 €) e a célula fonográfica EMT JSD Pure Black (4416 €).
- A capacidade da bateria é suficiente para 40 horas de reprodução e os ciclos de carregamento são tratados automaticamente por um circuito de carregador incorporado.
- O disco principal de alumínio pesa 5,5 kg e é fornecido com um tapete anti-ressonante. A oscilação é de ±0,07% e o ruído é de -85dB.
- O gira-discos é um remake do clássico 928, que foi o único gira-discos com correia na história da EMT e foi utilizado por muitas estações de rádio e estúdios em todo o mundo.
O que acaba de ler é um copy paste adaptado de informações sobre o EMT 928MkII, publicadas sob a forma de folheto ou comunicado de imprensa, que pode procurar na Internet. São ‘factos jornalísticos’, e por isso imutáveis, pelo que vai lê-los na introdução de qualquer notícia ou ‘review’. O que muda, talvez, é o relato da audição pelo escriba de serviço.
LP ou CD, o que soa melhor?
Mas uma coisa é ler, outra coisa é ouvir. E foi o que eu fui fazer, numa visita à Exaudio.
Comecei a escrever sobre o CD logo em 1983, quando, em Portugal, se contavam pelos dedos das mãos as pessoas que tinham leitores-CD. E, nos anos noventa, desertei do campo analógico (LP), tendo oferecido a minha coleção de discos de vinil, que incluía prensagens de Dark Side of the Moon e Crime of the Century editadas pela Mobile Fidelity (então, ainda a partir de matrizes analógicas), que hoje valem uma fortuna. Mas sou o primeiro a admitir que, em certas circunstâncias, normalmente dispendiosas, o LP soa melhor que o CD ou a versão em streaming correspondente.
E nem quero entrar na discussão sobre se as versões que estamos a ouvir foram obtidas a partir de matrizes diferentes, logo misturas e igualizações também diferentes. Já fui demasiadas vezes confrontado com a superioridade do LP para andar à procura de argumentos que a justifiquem.
Mas nem por isso me sinto tentado a voltar para trás, mais por razões práticas e úteis para a minha função de analista de áudio, do que por convicção. Acho que perdi a paciência para o ritual, pelo que só oiço LP quando alguém se encarrega da liturgia. Contudo, mantenho tudo o que ‘lavrei em pedra’ para a posteridade num artigo que publiquei originalmente no DN, em 2003, intitulado Arte Analógica, e que eu, abusando da vossa paciência, vou reproduzir em versão revista, e em itálico, para poderem saltar logo para o comparativo LP vs CD, que descrevo mais abaixo:
Arte analógica
- Retira-se da capa no respeitoso silêncio de dois dedos leves, qual hóstia sagrada em ato litúrgico. Coloca-se no prato e faz-se descer lentamente o braço, apontando a agulha com precisão cirúrgica, que segue depois pelo tortuoso caminho da espiral hipnótica, lavrando sons enterrados nos sulcos da superfície ondulante, numa fritura branda e estranha para quem já nasceu na era digital.
A arte de baixar o braço do gira-discos devia ter um capítulo na Ars Amandi, de Ovídio. Quando a agulha penetra a espira em profundidade, inicia-se o coito musical, que pode durar apenas o tempo de uma faixa ou um lado completo: A ou B. Virar o disco tem um efeito de suspensão narrativa, um sentimento de puro gozo de antecipação, que se perdeu com o “coitus ininterruptus” do CD.
Satisfeito o desejo musical, o disco continua a girar, com o braço em lânguido abandono, mesmo quando a música já deixou de se ouvir: os puristas rejeitam os mecanismos de elevação automática. O amante fiel não gosta de abandonar a alcova sem uma última manifestação de carinho, e limpa carinhosamente a agulha das trovas do tempo.
Os gira-discos não têm a função “repeat”: cada audição de um LP é pois um ato consciente e voluntário. Os rituais cumprem-se na repetição de gestos sagrados e imutáveis, escreveu Lèvy-Strauss. - No CD, a música não passa de uma complexa trama de números cabalísticos: não há contacto físico entre a agulha de luz e o disco; e até o próprio ato de reprodução é regulado à distância por controlo remoto e assético: não há desgaste, nem risco, no duplo sentido de riscar e arriscar. É preciso tocar para compreender, ensinava Roland Barthes nos Fragmentos do Discurso Amoroso.
- Eis, pois, porque vai haver sempre quem prefira arriscar sofrer os efeitos perversos da eletricidade estática, o desespero dos empenos ou a angústia da morte anunciada das espiras, em troca do prazer físico de ouvir e colecionar LPs raro que, paradoxalmente, se vão assim da lei da morte libertando. No LP a música é representada no tempo pela atuação de uma bailarina em pontas de diamante, que evolui, ao ritmo de 33 rpm, sobre a superfície ondulante do disco.
- Os gira-discos são como relógios analógicos: é o espaço percorrido que determina o tempo - o que já passou e o que ainda falta passar. O leitor-CD funciona como um relógio digital, no qual o tempo é uma mera representação numérica. Enquanto no analógico o tempo existe em função do espaço, no digital só o tempo existe - daí a importância da precisão do “clock” na performance dos leitores-CD.
- Ora o tempo, em si, sem o espaço, não passa de uma abstração matemática. O CD foi lançado no mercado com o arrogante slogan “perfect sound forever”. Passados 40 anos, está prestes a ser substituído. Com ele cai também o mito da eterna juventude.
- O LP vai continuar vivo e chegar aos 100 anos, vestido de preto para poder assistir ao funeral do CD: gasta-se, risca-se, fica empenado e a voz perde claridade, quando o catarro impertinente da poeira se insinua na inteligibilidade do discurso. Et pour cause, o LP soará sempre mais natural que o CD, mais humano. Pura analogia?...
Assim, sempre que tenho oportunidade, aproveito para ‘lavar os ouvidos’ com a audição de LPs reproduzidos por gira-discos de eleição, como é o caso deste EMT 928 MkII, comercializado em Portugal pela Exaudio.
Aceitei, pois, com agrado o convite amavelmente endereçado por João Pina, embora com atraso, por motivo de agenda, e aproveitei para lhe colocar o seguinte desafio: vamos fazer antes uma audição comparativa, entre o LP e o CD, afinando o volume de ouvido. Entrei neste desafio com espírito aberto - e algo masoquista, porque já adivinhava o resultado final.
As fontes: EMT 928 MkII e Leitor CD/SACD TAD 1000 (de preço equivalente) foram integradas num sistema composto por:
- Pré-amplificador Bricasti M20
- Prévio de Phono EMT 128
- Amplificador TAD M-1000TX
- Colunas TAD E1 TX
Há diferenças? Sim, e são óbvias. E quem disser o contrário está em negação. Eu sei que, tal como na política, quem é de esquerda não aceita os argumentos da direita e vice-versa. Mas eu gosto de ouvir ambos os lados para poder decidir em consciência. Vivo bem em democracia.
Antes de vos dar exemplos concretos, permitam-me outra analogia. Tal como num medicamento, há o princípio ativo (o som das vozes e instrumentos, neste caso) e o excipiente (as moléculas de ar que envolvem as fontes de som e vibram com elas). No LP, o excipiente é mais transparente e eficaz no resultado final. No CD, as vozes e instrumentos soam claras e sólidas mas envoltas numa bolha transparente que limita o espaço circundante. É certo que no LP se ouve um estalo aqui e ali, mas o silêncio do CD soa abafado como o ar quente e húmido. Não é silêncio, é ausência de informação subliminar.
Friday Night in San Francisco
Esta diferença é mais evidente nos álbuns gravados ao vivo, como no LP de Friday Night in San Francisco, dos guitarristas Al Di Meola, John McLaughlin e Paco De Lucia. As cordas das guitarras vibram sem limitação no ar que as envolve, e por isso transmitem-nos mais informação harmónica, sobretudo no agudo; têm mais ataque e dinâmica também, embora o som seja mais fino e brilhante, e menos encorpado, o que é mais notório no grave.
Além disso, o excipiente, leia-se, a atmosfera dentro do Warfield Theatre, em S. Francisco, é mais transparente, e permite-nos sentir o entusiasmo e as manifestações do público com mais emoção.
Claro que tudo isto se ouve também com o CD, mas a vibração da massa de ar entre o público e os microfones é mais evidente no LP. No final do excerto, que vão ouvir no vídeo em baixo, ouve-se um sonoro ‘Yeah’, que tem muito mais ‘ar’ no LP que no CD.
Podem confirmar – ou não – o que acabo de escrever, ouvindo os excertos da reprodução do LP e do CD, que gravei ‘ao vivo na Exaudio’. Concentrem-se no caráter do som e não no volume, que foi aferido de ouvido.
- Nota: Assisti no Highend 2023, em Munique, à apresentação pelo próprio Al Di Meola do álbum Saturday Night in San Francisco, editado pela Impex Records. Trata-se de um álbum completamente diferente de Friday Night in San Francisco (1980), de que a Impex também editou uma remasterização em 2010. Mas o Saturday Night, como o título indica foi gravado no dia seguinte, no último concerto da tournée, provavelmente com outro equipamento, porque a Philips não a reclama, tendo as bobinas sido encontradas na cave de Di Meola 40 anos depois e recuperadas também pela Impex Records. João Pina tem uma cópia deste álbum de edição limitada que também pode ouvir na Exaudio. Contudo, o registo que vai ouvir aqui é do álbum original ‘Friday Night’ editado pela Philips.
Comparativo LP vs CD
Nota: Registo independente de som e imagem.
De Norah Jones a Leonard Cohen
Nos álbuns de estúdio, como o de Norah Jones, Come Away with Me e de Leonard Cohen, Popular Problems, as diferenças mantiveram-se, e socorro-me de novo de uma analogia. O CD soa como um retrato tirado com uma lente de 50mm: mais rosto (voz), mais corpo e mais proximidade; o LP é como uma lente de 35 mm: menos corpo, mais espaço envolvente, mais distância.
No álbum de Leonard Cohen, o coro parece soar mais distante no LP, porque uma vez mais há mais ‘ar’. Isto mesmo sabendo-se que foram registados no confinamento de um estúdio.
Mas isso já o leitor vai ter de comprovar por si próprio na loja da Exaudio, pois embora eu tenha os registos integrais não os vou publicar para o aliciar a ir ouvir pessoalmente.
Decida por si
Ouvir três discos não constitui uma amostra representativa, claro. Mas fazer uma sondagem a 600 pessoas, que alegadamente representam 10 milhões de eleitores, sobre questões políticas importantes, não é mais representativo. No entanto, as sondagens são utilizadas como arma de arremesso eleitoral. E às vezes até estão certas.
O LP soa melhor, mesmo sabendo nós que, muitas vezes - o que não é o caso aqui - a matriz que lhe deu origem é digital? Porquê? Olhe, faça como eu: vá ouvir e tire as suas próprias conclusões. Tal como na política, não deixe que os outros decidam por si.
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